A radicalização da simplicidade

Marketing

19 de novembro de 2025

A radicalização da simplicidade

Como o “antimarketing” e o “antibranding” se tornaram ferramentas de criatividade para marcas e criadores de conteúdo em um mercado saturado

Na comunicação marcada pelo excesso de mensagens, pela busca constante da viralização e pelo esgotamento do discurso publicitário tradicional, uma contracorrente ganha espaço: o uso deliberado do prefixo “anti” como estratégia de diferenciação.

Hoje, termos como “antimarketing” e “antibranding” passaram a designar movimentos de ruptura com a lógica da autopromoção incessante e da estética de perfeição comumente vista no branded content. Embora não seja um fenômeno recente, o retorno desse prefixo ganha força com a consolidação de novos hábitos de consumo, a valorização da transparência e o cansaço das narrativas aspiracionais.

Este artigo propõe uma análise sobre como o “anti” se tornou instrumento legítimo de gestão criativa e de posicionamento estratégico, explorando casos bem-sucedidos e discutindo caminhos práticos para aplicação em empresas e criadores de conteúdo.

“Anti” no marketing e no branding

O “antimarketing” descreve abordagens que desafiam as regras convencionais de promoção. Em vez de apelar à escassez, ao luxo ou à promessa de status, opta-se por ironizar a própria ideia de vender. Já o “antibranding” se manifesta como rejeição ao polimento visual e à comunicação excessivamente institucional, favorecendo transparência, humor e imperfeição como elementos de autenticidade. No universo dos criadores digitais, esse movimento se traduz no conceito de “antiinfluencer”, observado em relatórios da YouPix (2025), em que produtores de conteúdo priorizam naturalidade e humor cotidiano em vez da estética das campanhas patrocinadas altamente trabalhadas. Essa mudança indica que a espontaneidade passou a ser percebida como valor estratégico, e não apenas como estilo.

O retorno do “anti” e suas causas

A saturação das mídias sociais e a sobrecarga informacional criaram um público mais crítico e menos suscetível a promessas. Segundo a Deloitte (2025), o consumidor médio reconhece padrões de persuasão com rapidez e responde melhor a mensagens que equilibram vulnerabilidade e clareza. Além disso, a estética de performance, consolidada pela cultura dos filtros e da “vida perfeita”, gerou o fenômeno que a Zmes chama de “retorno da verdade”: a busca por discursos visuais e narrativos mais crus. E é essa demanda por realismo que transformou o “antimarketing” em linguagem de resistência à previsibilidade e em ativo de diferenciação.

O caso Liquid Death: ironia como método e propósito

Lançada em 2019 nos Estados Unidos, a marca Liquid Death tornou-se um dos exemplos mais emblemáticos de “antimarketing” contemporâneo. A empresa comercializa água mineral enlatada, mas adota estética e discurso inspirados no universo do heavy metal e das bebidas alcoólicas, ironizando os códigos do consumo e do status. Seu slogan, “Murder your thirst” (Mate a sua sede), transforma um produto comum em símbolo de rebeldia cultural.

A estratégia não busca vender apenas água, mas atitude. Campanhas satíricas, colaborações com bandas de punk e metal e o uso de linguagem visual propositalmente agressiva fazem parte de um projeto que nega o branding tradicional. Não há apelo à pureza, saúde ou natureza, e sim ao absurdo da propaganda em si.

De acordo com a Forbes (2025), a marca cresceu exponencialmente ao assumir uma postura de paródia deliberada do marketing convencional, transformando ironia em engajamento e autenticidade em valor de mercado. O resultado? Um reposicionamento cultural: a Liquid Death converteu um produto banal em fenômeno de mídia e comunidade. O aprendizado para gestores e criadores é claro: a coerência entre o “antidiscurso” e a execução criativa é o que garante legitimidade. A ironia só funciona quando há clareza de propósito e quando o público percebe consistência entre forma, mensagem e valores.

Aplicações práticas para marcas e criadores

Para gestores e empreendedores, a aplicação do “anti” pode assumir diferentes formas. No contexto das marcas, começa pela identificação dos padrões saturados do setor e pela escolha de um caminho oposto, que valorize clareza, humor e autenticidade. O tom irônico ou a simplicidade visual podem ser usados como instrumentos de contraste, desde que coerentes com a identidade da empresa.

A transparência deixa de ser apenas atributo moral e passa a ser diferencial competitivo, expressa em ações como revelar bastidores, explicar custos e admitir limitações de produto ou serviço. O design e a linguagem também passam por um processo de simplificação, priorizando legibilidade e honestidade.

Para os criadores de conteúdo, o “antibranding” pode se manifestar na exibição da imperfeição como estética, no humor autodepreciativo e na negociação de parcerias que preservem a autonomia narrativa. O foco passa da performance para o vínculo genuíno com o público, construindo comunidades mais do que audiência. Seja para gestores, empreendedores ou criadores, a métrica de sucesso deixa de ser apenas a conversão imediata e passa a incluir reputação, confiança e engajamento qualitativo.

Riscos e limites do “anti”

O “antimarketing” não deve ser confundido com ausência de planejamento. Como já citado, há riscos evidentes quando a ironia se sobrepõe ao propósito ou quando a linguagem crua se torna sinônimo de descuido. Em setores como saúde, finanças ou educação, a estética do “anti” deve ser aplicada com responsabilidade, respeitando limites éticos e regulatórios. No campo da saúde, por exemplo, empresas como a Pipo Saúde têm buscado comunicação mais humana e visualmente simples sem abrir mão da precisão necessária ao setor, demonstrando que a estética do real só funciona quando sustentada por clareza e coerência institucional.

Em contraste, há casos em que a tentativa de aderir ao “antibranding” produziu o efeito inverso. A recente campanha da American Eagle com Sydney Sweeney ilustra esse risco: ao adotar uma estética propositalmente crua e minimalista, a marca buscou transmitir espontaneidade e autenticidade, mas a execução foi percebida como forçada e desprovida de propósito, gerando reação negativa e levantando debates sobre transparência performática no branding. Esses exemplos reforçam que o desafio central está em equilibrar ousadia criativa com consistência estratégica.

O prefixo “anti” deixou de representar negação e passou a simbolizar um reposicionamento inteligente diante da saturação do discurso de marca. Em contextos em que a autenticidade se tornou valor competitivo, o “antimarketing” e o “antibranding” oferecem aos empreendedores uma forma de reconstruir confiança, gerar reconhecimento e ampliar engajamento. A experiência da Liquid Death demonstra que ironia, transparência e consistência podem coexistir e, quando bem articuladas, produzem diferenciação duradoura. A lição que fica é: o verdadeiro poder do “anti” está em devolver ao público aquilo que o marketing havia perdido: a sensação de verdade.

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Quem publicou esta coluna

Fiona Maria

Analista de Marketing no Pecege, apaixonada por filmes e por todas as formas de arte visual. Profissional multidisciplinar que atua na intersecção entre Comunicação, Marketing, Gestão de Projetos Criativos e Direito Digital. Pós-graduada em Direito do Entretenimento e Mídia, com formação em Cinema e Produção Audiovisual.

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