03 de novembro de 2025
Criadores invisíveis, founder-creator e a “obrigatoriedade” de aparecer
Fundador pode assumir o papel de porta-voz recorrente da marca, mas não é a única alternativa

Em consultorias e palestras, uma das perguntas que mais ouço é exatamente essa: para o conteúdo funcionar, o empreendedor precisa necessariamente aparecer em vídeo? A dúvida parece técnica, mas esconde um cenário humano e operacional que não apresenta respostas fáceis.
Falta de tempo, acúmulo de funções, insegurança diante da câmera, receio de exposição e pouca familiaridade com produção audiovisual formam um conjunto real de barreiras. Somado a isso, muitos desses donos de negócios escutam o tempo todo: “você tem que gravar vídeos, você tem que aparecer”, “rosto humano engaja mais”, “pessoas se conectam com pessoas”. E sim, tudo isso é verdade. Mas, na maioria das vezes, parecem frases imperativas que tentam simplificar questões que vão além da estratégia em si.
Nesse cenário, emerge uma tendência muito forte na comunicação digital. Chamada de “founder-creator”, é o arranjo em que a pessoa fundadora assume o papel de porta-voz recorrente da marca nos conteúdos. No caso dos pequenos negócios, o empreendedor empresta sua imagem com o objetivo de fortalecer a marca e gerar o que todo mundo quer nas redes sociais: conexão e engajamento.
Esse modelo ganhou força porque reduz a distância entre quem decide e quem consome, traduz visão e valores com nitidez e cria um atalho relacional importante: pessoas se conectam com pessoas. Em categorias intensivas em confiança ou conhecimento técnico, a presença do empreendedor acelera sinais de credibilidade e pode diferenciar a marca no meio do ruído competitivo.
Ao mesmo tempo, o founder-creator tem custos que muitas vezes ficam subestimados. Ele demanda preparação, habilidade de apresentação, disponibilidade para gravação e uma cadência mínima para que a presença não pareça episódica. Em pequenos negócios, onde o mesmo profissional responde por compras, operação, vendas, financeiro e produto, essa exigência facilmente extrapola o possível. É por isso que a pergunta “preciso aparecer?” raramente é apenas estratégica. Há fatores pessoais legítimos em jogo, entre eles introversão, ansiedade, medo de se expor e desconhecimento técnico. Ignorá-los costuma levar a dois resultados previsíveis: queda de constância e perda de qualidade. Além da inércia: muitos empreendedores acabam não adotando essa estratégia porque ficam paralisados.
Nesse sentido, há alguns caminhos igualmente produtivos. A partir dessa lente, observamos no ecossistema de criadores de conteúdo três casos consistentes que não dependem do rosto do fundador e que cabem melhor na rotina de operações enxutas. Esses casos foram apresentados no painel Criadores Invisíveis, no Youpix Summit 2025, um dos maiores eventos da creator economy do país.
Case da Adênia
A primeira via é a do personagem proprietário. Um exemplo paradigmático apresentado no YouPix Summit é o da Adênia, personagem criada por uma marca de papelaria criativa. A Adênia nasceu de uma necessidade concreta: dar uma “cara” reconhecível à marca sem exigir que o fundador, que se declara como alguém introvertido, se expusesse com frequência.
Em pouco tempo, a boneca-fantoche ultrapassou a condição de recurso pontual e tornou-se um ativo narrativo. Ganhou voz própria, humor reconhecível, repertório de situações do cotidiano e um conjunto de códigos visuais que ajudam a fixar a marca na memória. O uso disciplinado de linguagem, bordões, enquadramentos e narrativas bem-humoradas transformou a personagem em base para constância, testes de formato e parcerias. Adênia ganhou tanta repercussão que já fez publicidade para várias marcas famosas.
Para pequenos negócios, a lição é direta: uma persona bem documentada permite construir familiaridade e recorrência sem deslocar o fundador de suas funções estratégicas.
Etefânio Silva da Silva
A segunda via é a da voz de bastidor e do “mão na massa”. O caso de Etefânio, também destacado no evento, ilustra bem. Criado por um publicitário que prefere não aparecer, o fantoche “alienígena” observa a vida na Terra e comenta o cotidiano com roteiro e mise-en-scène de bancada. Quase nunca vemos o rosto do criador. Vemos mãos, objetos, tela, processo. A autoridade emana da consistência e da clareza das explicações. Quando traduzimos esse aprendizado para operações locais, o mapa fica evidente. Demonstrações de uso, passo a passo de produção, atendimento em ponto de vista, unboxings e tutoriais respondem dúvidas reais, encurtam conversas de venda e constroem confiança sem exigir performance diante da câmera. Reduz-se a fricção para gravar e ganha-se previsibilidade.
Importante notar aqui que Etefânio fez o caminho inverso de Adênia, que nasceu para representar uma marca. Etefânio nasceu como criador de conteúdo e está se tornando uma marca, inclusive pela relevância, alcance, autenticidade e criatividade de seu conteúdo.
The Summer Hunter
A terceira via é a da plataforma editorial como âncora. The Summer Hunter, criado em 2013 a partir da ideia de “verão como estado de espírito”, estruturou-se como uma marca-editorial que faz um jornalismo leve, sustentável, com pauta clara, curadoria cultural, tom reconhecível e frequência planejada. O vínculo com a audiência nasce da qualidade do conteúdo, de rituais e séries, de um calendário capaz de unificar temas e formatos. O fundador aparece quando agrega contexto, não por obrigação. A operação se sustenta na coerência editorial, o que permite delegar, colaborar e manter continuidade mesmo quando a agenda do líder está tomada. Para empresas locais, essa arquitetura mostra que é possível deslocar a dependência de um apresentador para um sistema de conteúdo com critérios e processos.
Esses três exemplos se encontram num princípio comum: eleger um sujeito narrativo que não precisa ser o rosto do dono e tratá-lo como sistema, não como improviso. Porém, é importante destacar que não estou simplificando o processo: crie um personagem, represente sua marca, não apareça e está tudo bem. A ideia é trazermos algumas reflexões e possibilidades em cima de algumas “máximas imperativas” que o mercado nos apresenta e que parecem nos deixar em um beco sem saída: tem que aparecer, tem que gravar vídeo, tem que…
Seria leviano não destacar a relevância do founder-creator, não apenas como uma tendência, mas como uma estratégia, porque é um caminho muito utilizado e que traz resultados sim. Mas nem toda estratégia atende a todo negócio. Como foi dito no início deste artigo, empreendedores são criadores de conteúdo, mas também são pessoas que têm seus desafios internos, e é importante questionar e buscar alternativas para que eles possam adotar em seus negócios.
Voltando aos cases, também é honesto reconhecer os prós e contras de cada via. Personagem exige investimento criativo e governança para não se perder no exagero. Bastidor precisa de roteiro e qualidade audiovisual mínima para não prejudicar a compreensão. Plataforma editorial demanda curadoria consistente e capacidade de edição para manter o nível. Em todos os casos, existem ônus e bônus. Mas há alternativas.
Voltando ainda à pergunta inicial, o founder-creator continuará relevante e, em muitas categorias, segue como acelerador de confiança e diferenciação. O ponto é não tratá-lo como única via. Há empreendedores que prosperam na frente da câmera e outros que constroem autoridade por rotas alternativas. O que não muda é a necessidade de coerência, cadência e mensuração. Quando a estratégia cabe nas pessoas e na operação, a presença deixa de ser fardo e se transforma em ativo. E é esse ajuste fino, mais do que a coragem pontual de “apertar o play”, que converte conteúdo em resultado para o negócio.





























