Inovação
17 de novembro de 2025
Uma lente pragmática sobre inovação
Tratada como estratégia, e não como evento, ela pode gerar impacto positivo e até incentivo fiscal

Nos últimos anos, a palavra inovação se tornou quase onipresente. Está em discursos, eventos, relatórios e estratégias empresariais. Mesmo com tanta visibilidade, ainda há um abismo entre falar sobre o assunto e fazer inovação. A diferença está na forma como cada organização enxerga o tema. Algumas abraçam o termo e se autointitulam inovadoras. Afinal, dada a relevância do assunto, isso agrega valor à marca. Porém, o adjetivo “inovador” deveria ser reconhecido por ações concretas que credenciem uma organização ou indivíduo a recebê-lo, e não autodenominado.
Para muitas dessas empresas e pessoas que se assumem inovadoras, resta a dúvida: o quanto realmente compreendem sobre inovação? Essa pergunta revela, além da diferença prática entre discurso e ação, a própria dificuldade de falar sobre o tema, desde definir o que, de fato, é inovar. Nesta coluna, proponho colocar uma lente mais pragmática sobre o assunto, aproximando a ideia de inovação daquilo que realmente pode ser mensurado, estruturado e entregue.
Estruturar e gerenciar um processo de inovação traz ganhos para toda a cadeia em que a organização está inserida. Inovar vai muito além de ter boas ideias ou criar espaços inspiradores. É gerar valor a partir de uma demanda, dor ou oportunidade real — seja por meio de um produto, processo, modelo de negócio ou política pública que produza impacto positivo. Ainda assim, esse discurso pode soar intangível. Falamos em criar algo novo, mas “novo” pode ter interpretações diferentes conforme o contexto.
Por isso, instituições dedicadas à pesquisa e ao desenvolvimento buscaram formalizar o conceito. O Manual de Oslo — referência global da OECD — define inovação como “a implementação de um produto, processo, método de marketing ou organizacional novo ou significativamente melhorado”. Pode parecer pouco, mas essa clareza conceitual é o primeiro passo para tirar o tema do campo do discurso.
A cientista cognitiva Lera Boroditsky, professora da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), demonstra em seus estudos que a forma como falamos molda a forma como pensamos. Se dentro de uma organização as pessoas não compartilham uma definição clara do que chamam de inovação, suas ações inevitavelmente também serão confusas. Antes de qualquer plano ou ferramenta, é preciso alinhar o vocabulário — e isso dá início à cultura de inovação. Ao contrário do que muitos imaginam, inovar na prática não começa com tecnologia. Começa com cultura.
Inovação não é apenas criar. É diagnosticar, planejar, executar e comprovar resultado. Diversas referências ajudam a compreender essa amplitude. O já citado Manual de Oslo, o Manual de Frascati (voltado à pesquisa e ao desenvolvimento) e a norma internacional ISO 56002, que define diretrizes para sistemas de gestão da inovação, trazem bases sólidas. No Brasil, a Pintec (Pesquisa de Inovação Tecnológica), do IBGE, entende inovação como “um produto (bem ou serviço) novo ou substancialmente aprimorado”, enquanto o BNDES adota o conceito do Manual de Oslo “melhoria da posição competitiva, por diferenciação ou ganho de produtividade”.
Essas definições servem de base para políticas públicas, editais e incentivos fiscais. Compreender o que se enquadra ou não como inovação é fundamental para acessar oportunidades reais. É importante lembrar que criatividade e inovação não são sinônimos. São partes de um mesmo processo. Criar significa gerar o insumo — a matéria-prima. Inovar é transformar esse insumo em resultado. A inovação acontece quando novas ideias geram valor.
Todas essas definições buscam caracterizar se algo é, de fato, inovação, evitando que o conceito seja apropriado de forma vaga. Ainda que inovação possa assumir diferentes formas — incremental, disruptiva, social ou tecnológica —, seu significado depende do contexto e da intenção. Há inovação científica, empresarial, institucional e até comunicacional. O problema é quando o conceito se esvazia, virando apenas estética: espaços coloridos, slogans inspiradores e discursos sobre “pensar fora da caixa”. Pedro Chamochumbi, gestor de inovação e cofundador da AiX, costuma dizer que organizações que realmente inovam atuam de forma estruturada, intencional e mensurável. Elas sabem o que estão fazendo, por que estão fazendo e como medir o resultado. Já aquelas que apenas falam sobre inovação param no discurso: slogans criativos, eventos pontuais, ambientes descontraídos. Tudo parece inovador — até que alguém pergunta: “e o resultado?”.

Olhar para inovação de forma pragmática significa entender que não basta ter ideias — é necessário ter direção. Inovar de forma sustentável exige método, estratégia e clareza sobre o que se quer mudar. Exige investimentos e planos bem estruturados, capazes de gerar resultados tangíveis e preparar a organização para diferentes futuros. Quem trata inovação apenas como rótulo dificilmente acessará políticas de incentivo, editais de fomento ou oportunidades de P&D que geram receita.
Contexto
O processo começa pela capacidade de ler o contexto da organização. É identificar oportunidades, desafios, gargalos, talentos e lacunas de competências — e, sobretudo, interpretar os dados que revelam esses pontos. Só então é possível definir a estratégia e o portfólio de inovação, conectando projetos às metas corporativas e às reais demandas do negócio. Mas estratégia sem execução, mensuração e melhoria contínua não é inovação. Inovação bem implementada é sistema vivo, sustentado por aprendizado e entrega de valor constantes.
Para que esse sistema funcione, é preciso clareza de propósito. As pessoas precisam compreender o porquê e o para quê da inovação — e esse alinhamento cultural depende diretamente da liderança. São as lideranças que transformam a visão em prática, mobilizam pessoas, fortalecem a colaboração e sustentam o ambiente de confiança necessário para o novo emergir. É essa coerência entre propósito, cultura e liderança que a ISO 56002 propõe ao tratar a inovação como um sistema de gestão com método, métricas e aprendizado contínuo. Quando essa cultura se consolida, a inovação deixa de ser ação pontual e passa a fazer parte da estrutura organizacional — um modo de pensar, aprender e crescer.
Ainda assim, é comum ver empresas investindo tempo e recursos em inúmeras iniciativas de “inovação” sem relação direta com a estratégia corporativa. E vale a pergunta: quanto essas iniciativas realmente contribuem para o bottom line — o resultado financeiro final? Olhar para essa coerência é o que diferencia ações estratégicas de apenas mais um modismo interno.
Quando a jornada é clara, é possível enxergar caminhos de fomento, parcerias com universidades e práticas de P&D que, embora menos glamorosas que os espaços criativos, trazem resultados concretos. Não apenas financeiros, mas de reputação, impacto e relevância. E vale dizer: não há problema algum em criar ambientes inspiradores — eles têm seu valor. O problema é quando se tornam o único símbolo do que deveria ser um processo estruturado.
Segundo Chamochumbi, a diferença entre sucesso e frustração em projetos de inovação está na capacidade de estruturar propostas adequadas e elegíveis, com clareza técnica, objetivos definidos e impactos mensuráveis. Não basta ter uma boa ideia. É preciso entender as regras do jogo, demonstrar viabilidade, governança e retorno.
Cenário brasileiro
O cenário brasileiro é promissor. Segundo o Global Innovation Index 2023, o Brasil ocupa o primeiro lugar em inovação na América Latina e o 49º no ranking mundial, com destaque para registros de patentes, marcas e serviços digitais. Leis e programas como a Lei do Bem, Lei da Informática, FINEP, EMBRAPII e PIPE/FAPESP permitem que empresas transformem projetos de P&D em diferenciais competitivos. Quando bem estruturados, esses projetos captam recursos e geram resultados financeiros, reputacionais e sociais.
É importante lembrar que diferentes órgãos de fomento adotam definições distintas de inovação. Por isso, muitas organizações têm criado o papel de gestor de inovação — figura estratégica que compreende o ecossistema, domina metodologias, acompanha editais e conecta a empresa a instituições científicas e tecnológicas. Agências especializadas, como a AiX, também atuam nesse campo, ajudando organizações a estruturar sistemas de inovação robustos e sustentáveis. Mais do que gerar ideias, esse papel cria condições para que elas se tornem realidade — transformando potenciais futuros em ações concretas no presente.
Mas antes de qualquer edital, ferramenta ou investimento, é preciso construir um ambiente seguro, onde pensar diferente não seja visto como risco, mas como oportunidade. O processo de inovação é diário e depende, principalmente, das lideranças. São elas que definem o propósito, mobilizam pessoas, garantem recursos e dão coerência ao sistema. Ser gestor ou líder de inovação é lidar com resistência, limitações de recursos e pressão por resultados e, mesmo assim, preservar o espírito experimental que provoca o novo. É viver entre dois mundos: o estratégico e o operacional, o discurso e a entrega. Olhar com uma lente pragmática é o que permite a essas lideranças estruturarem jornadas mais consistentes e conectadas à estratégia organizacional. Porque a inovação não é um fim. É o meio que garante futuros desejáveis.
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Quem publicou esta coluna
Lucas Tangi
Lucas é Design Manager no Pecege, formado em tecnologia e especialista em gestão de equipes criativas. Com ampla experiência liderando equipes de design, é também palestrante, professor e consultor. Já participou de projetos em consultorias de tecnologia, venture builders, ODS e na amazônia brasileira. Entusiasta e pesquisador de futuros, dedica-se à inovação e à criação de soluções com alto impacto social e econômico.





























