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Artigo

10 de novembro de 2025

Planejamento tributário: incentivos fiscais para cooperativas de saúde

Autores: Natália Mucida Zanini e Beatriz da Silva Pereira

DOI: 10.22167/2675-6528-2024073
E&S 2025, 6: e2024073

O cooperativismo moderno surgiu no século XIX, durante a Revolução Industrial, como alternativa organizacional voltada à melhoria das condições de trabalho e à promoção do desenvolvimento social e econômico dos trabalhadores[1].  No Brasil, o movimento consolidou-se ao final desse período e expandiu-se em diversos setores, com destaque para a área da saúde, um dos ramos mais representativos. Esse modelo de organização concilia interesses econômicos e sociais, que promove a cooperação e o desenvolvimento coletivo[2].

Atualmente, o cooperativismo representa uma força expressiva na economia brasileira, com milhões de associados e milhares de cooperativas. O segmento de saúde, em especial, desempenha papel estratégico na prestação de serviços à população e na geração de empregos para profissionais da área médica[3]

Do ponto de vista jurídico e contábil, as cooperativas apresentam natureza singular: não visam à obtenção de lucro próprio, mas à prestação de serviços em benefício de seus membros. A legislação brasileira reconhece essa característica e distingue os atos praticados entre cooperados e a cooperativa — os chamados atos cooperativos — das operações realizadas com terceiros, denominadas atos não cooperativos[4]. Essa diferenciação é essencial para o tratamento tributário, uma vez que apenas os atos não cooperativos estão sujeitos à tributação.

Nesse cenário, o planejamento tributário configura-se como ferramenta relevante para a gestão eficiente das cooperativas de saúde. Entre os instrumentos disponíveis, destacam-se os incentivos fiscais previstos na legislação do Imposto de Renda (IR), que permitem deduções em situações específicas, especialmente quando vinculadas a iniciativas de interesse social, como doações a organizações da sociedade civil[5]. Esses mecanismos contribuem para a redução da carga tributária e reforçam o papel social das cooperativas.

Diante disso, este estudo tem como objetivo analisar a aplicabilidade dos incentivos fiscais no âmbito das cooperativas de saúde e avaliar sua efetividade como estratégia de planejamento tributário. O trabalho compreende os impactos dessas práticas sobre a carga fiscal e sobre a sustentabilidade do setor, bem como oferece subsídios a gestores e pesquisadores interessados na interface entre tributação, cooperativismo e responsabilidade social.

Sob a perspectiva legal, a cooperativa constitui uma forma de organização coletiva que reúne indivíduos em torno de objetivos comuns, possui personalidade jurídica própria e natureza civil distinta das sociedades empresariais[6]. Sua constituição exige um número mínimo de participantes e tem como finalidade central a prestação de serviços aos associados. A atuação cooperativa fundamenta-se na participação econômica conjunta, na presença no mercado e na defesa de interesses compartilhados, assim como configura-se um modelo que integra organização social e desenvolvimento econômico[2]

O cooperativismo brasileiro tem registrado crescimento expressivo. Dados recentes indicam crescimento contínuo do número de cooperativas e de associados, o que demonstra a relevância do tema para a sustentabilidade econômica e social[7]: em 2022, o país contabilizou cerca de 18,8 milhões de associados, aumento de 10% em relação a 2020, e aproximadamente 4.880 cooperativas ativas, com destaque para o setor de serviços, especialmente no campo da saúde[2]. As cooperativas de saúde surgiram para suprir lacunas deixadas pelo Estado na provisão de serviços dessa área, assegurados como direito fundamental pela Lei n.º 8.080/1990[8,9,10]

As sociedades cooperativas apresentam peculiaridades jurídicas desde sua constituição, refletidas em seu modo de operação e estruturadas conforme o regime societário aplicável. De acordo com o art. 146 da Constituição Federal, o ato cooperativo realizado em nome dos associados recebe tratamento tributário diferenciado e é isento de tributos sobre receita ou resultado, como PIS, COFINS, IRPJ, CSLL e ISSQN, por representar riqueza dos cooperados e não da cooperativa[11]

Em contrapartida, os atos não cooperativos — operações realizadas com terceiros, sem vínculo com os objetivos institucionais da cooperativa e de natureza mercantil — estão sujeitos à tributação, conforme previsto na Lei n.º 5.764/71 (arts. 85, 86 e 88)[4]. A legislação vigente não delimita de forma precisa os contornos dos atos cooperativos, o que gera interpretações divergentes quanto à sua abrangência.

Nesse contexto, os incentivos fiscais assumem papel estratégico no desenvolvimento sustentável das cooperativas. Nos termos do art. 174, §2º, da Constituição Federal, o Estado, enquanto agente regulador da atividade econômica, exerce funções de fiscalização, incentivo e planejamento, e adota medidas legais e regulamentares para fomentar setores específicos da economia. Com base nesse arcabouço, o presente estudo propõe analisar a aplicação do planejamento tributário em cooperativas de saúde por meio de incentivos fiscais e avaliar a eficácia da redução da carga tributária decorrente de doações a Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014)[12], com fundamento nas deduções previstas no art. 13, §2º, inciso III, da Lei n.º 9.249/95[13].

Pesquisas desenvolvidas na área das cooperativas de saúde apresentam abordagens distintas em relação ao objeto estudado, como, por exemplo, as práticas de antitruste realizadas entre cooperativas, no que se refere à cartelização de profissionais de saúde, por intermédio de sua associação[14]. Sob a perspectiva contábil, identificam-se linhas de pesquisas pertinentes à composição e à estruturação do modelo de Demonstração do Resultado do Exercício das cooperativas de saúde, na qualidade de operadoras, com base no plano de contas padrão exigido pela Agência Nacional de Saúde (ANS)[15]. Observa-se, contudo, carência de estudos voltados à linha de incentivos fiscais.

Diante do contexto apresentado, esta pesquisa busca contribuir teoricamente para o avanço da produção científica sobre cooperativas de saúde, com ênfase nos aspectos tributários relacionados às demonstrações contábeis. De forma prática, o estudo objetiva fornecer subsídios a membros das Diretorias Executivas e Conselhos de Administração das cooperativas médicas, e auxilia na reorganização das operações e na reflexão sobre questões fiscais.

Além disso, o estudo incorpora uma dimensão social, ao disponibilizar informações que favorecem o desenvolvimento econômico e sustentável dessas entidades, em consonância com o Objetivo 8 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), voltado para trabalho decente e crescimento econômico, bem como promove crescimento inclusivo, sustentável e emprego pleno e produtivo.

O presente trabalho caracteriza-se como descritivo e de abordagem qualitativa, fundamentado em análise documental e interpretação de normas, conceitos teóricos e práticas contábeis aplicáveis às cooperativas de saúde[16,17]. A pesquisa utilizou dados disponíveis em sítios eletrônicos de cooperativas de trabalho médico, de acesso público, localizadas nas regiões do Triângulo Mineiro, Metropolitana de Belo Horizonte, Zona da Mata e Vale do Rio Doce, referentes aos exercícios financeiros de 2021.

A amostra é composta por cinco cooperativas de saúde de 1° e 2° grau pertencentes ao sistema de cooperativa médica das regiões mencionadas. Os critérios de inclusão foram: (i) cooperativas que divulgam demonstrações contábeis e informações sobre o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) referentes a 2021 e (ii) disponibilidade de balanço patrimonial completo em fontes públicas. Foram excluídas cooperativas que não disponibilizam dados completos ou de acesso restrito. A seleção das unidades de análise ocorreu de forma intencional, ao considerar a representatividade regional e a relevância no setor.   

Para a coleta e organização dos dados, utilizaram-se planilhas eletrônicas (Microsoft Excel), as quais sistematizam informações sobre demonstrações de resultado e balanços patrimoniais. A análise documental apoiou-se na legislação tributária vigente, nas normas contábeis brasileiras do Conselho Federal de Contabilidade e na literatura especializada em cooperativismo e tributação. 

A coleta de dados ocorreu em três etapas: (i) identificação das cooperativas que atendiam aos critérios de inclusão; (ii) extração das informações contábeis e fiscais, com demonstrações de resultado e balanços patrimoniais do exercício de 2021, diretamente dos sites institucionais e sistemas de transparência; (iii) organização e categorização dos dados em planilhas eletrônicas, de forma a relacionar informações contábeis às normas tributárias aplicáveis.

A partir disso, a análise foi conduzida de forma qualitativa, com base na interpretação dos dados secundários, como relatórios de auditores independentes, balanços patrimoniais, Demonstrações dos Resultados do Exercício, disponibilizados nos sítios eletrônicos das cooperativas, juntamente com conceitos teóricos, normas contábeis e legislação tributária. Esse procedimento possibilitou compreender os atos praticados pelas cooperativas, identificar potenciais benefícios fiscais decorrentes de suas operações e fornecer subsídios à reorganização operacional e à otimização tributária. A investigação seguiu princípios de triangulação documental e interpretação crítica, o que garante consistência, rigor metodológico e robustez na avaliação dos resultados[18].

Os resultados contábeis e fiscais das cooperativas médicas analisadas evidenciaram a relevância da distinção entre atos cooperativos e não cooperativos, aspecto decisivo tanto para a mensuração dos resultados quanto para a utilização dos incentivos fiscais. Conforme previsto na legislação[4], apenas os atos não cooperativos configuram base tributável, por representarem operações realizadas com terceiros estranhos à sociedade. No entanto, a pesquisa indica que, na prática, a segregação entre essas naturezas de operações ainda não é uniforme entre as cooperativas analisadas.

Os dados das cooperativas de saúde A, B, C, D e E (Tabelas 1 a 3) revelam grande discrepância nos resultados de 2021, em parte explicada por fatores de gestão, sinistralidade das carteiras e inadimplência dos beneficiários. Apenas a Cooperativa (A) apresentou segregação explícita entre atos cooperativos e não cooperativos, na qual se identificam receitas de contraprestações, aplicações financeiras e despesas correlatas em cada categoria. Essa prática permitiu projetar a utilização dos incentivos fiscais com base no resultado dos atos não cooperativos (Tabelas 4 e 5) e reduziu o montante devido de IR.

Nas demais cooperativas, a ausência de segregação comprometeu a apuração da base tributável, o que limitou a aplicação do incentivo de dedução de 2% previsto no art. 13, §2º, III, da Lei n.º 9.249/95[13].  Esse achado evidencia que a distinção entre ato cooperativo e não cooperativo constitui condição prática para a efetividade do planejamento tributário.

Dessa forma, os resultados empíricos reforçam que a manutenção de registros contábeis segregados não apenas atende à conformidade legal, mas também aumenta os ganhos fiscais das cooperativas médicas. Os incentivos tributários vinculados aos atos não cooperativos mostraram-se viáveis e relevantes, sobretudo em cenários de pressão financeira no setor de saúde suplementar. Conclui-se que a classificação adequada dos atos impacta diretamente a sustentabilidade econômico-financeira das cooperativas e amplia sua capacidade de cumprir a função social prevista na Constituição e na legislação específica.

Dos incentivos fiscais – Imposto de Renda da Pessoa Jurídica

A legislação do Imposto de Renda concede incentivo fiscal às pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real que realizem doações a OSC, até o limite de 2% do lucro operacional. O marco regulatório das OSC, previsto na Lei n.º 13.019/2014[12], autoriza que recebam doações de empresas de até 2% de sua receita bruta. Contudo, o incentivo fiscal refere-se à dedução na apuração do IRPJ e da base de cálculo da CSLL, não implica dedução dos tributos a serem pagos, conforme estabelece a Lei n.º 9.249/95[13]

Dessa maneira, entende-se que, cumpridas as condições previstas no art. 13, § 2º, inciso III da Lei n.º 9.249/95[13], qualquer sociedade que apure o IR pelo lucro real poderá deduzir o valor referente à doação realizada. As doações serão dedutíveis na apuração do lucro real e na base de cálculo da CSLL da sociedade doadora. Devido à peculiaridade das cooperativas de saúde analisadas , o IRPJ e a CSLL incidem apenas sobre a parcela de atos não cooperativos.

Deste modo, em uma primeira análise, existe o risco de a Receita Federal interpretar a limitação da dedução em cooperativas na proporção da doação realizada em relação aos atos não cooperativos, com base na lógica do disposto no Parecer Normativo da Coordenação do Sistema de Tributação (PN/CST) n.º 73 de 1975[19]. Tal entendimento poderia ser reforçado pelo fato de a Lei n.º 9.249/95[13] dispor que a dedução ocorre na apuração do lucro real, e não sobre os tributos apurados.

Assim, a dedução provavelmente deve respeitar a proporção do ato não cooperativo. A Receita Federal se manifestou sobre incentivos de inovação tecnológica e sobre o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), o que mostra uma possível interpretação semelhante, embora não tenham sido localizados entendimentos específicos para as doações feitas às OSC.

Cumpre ressaltar que o benefício fiscal relacionado à inovação tecnológica está disposto na Lei n.º 11.196/2005[20] e replicado pelo Regulamento do Imposto de Renda, o que autoriza a dedução, na apuração do lucro líquido, dos dispêndios com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. Quanto ao incentivo fiscal relacionado ao PAT, a Lei n.º 6.321/76[21] autoriza a dedução no lucro tributável para fins de apuração do IRPJ, enquanto o Decreto n.º 10.854/2021[22] estabelece que a dedução ocorre no imposto de renda devido.

De outro lado, especificamente sobre o incentivo fiscal relativo à dedução do valor doado às OSC, o art. 13, § 2º, inciso III da Lei n.º 9.249/95[13] autoriza a dedução da doação na apuração do lucro real, de forma similar ao previsto no caso do PAT. As leis que autorizam a dedução do PAT e dos investimentos em tecnologia possuem teor e redações diferentes do art. 13, § 2º, inciso III da Lei n.º 9.249/95[13], e não foram localizadas Soluções de Consulta específicas sobre esta última autorização. Além disso, no caso em análise, considera-se juridicamente plausível o questionamento acerca de eventual interpretação restritiva por parte da Receita Federal.

Isto porque, inicialmente, no caso específico do art. 13, § 2º, inciso III da Lei n.º 9.249/95, distintamente do disposto, por exemplo, na Lei n.º 11.196/2005[20], que trata das inovações tecnológicas, a redação prevê a possibilidade de dedução da doação quando da apuração do lucro real, e não do lucro líquido, como ocorre no caso das despesas com inovações. Assim, o momento da apuração do lucro real corresponde à fase em que se realizam as adições e exclusões, o que permite interpretar a possibilidade de exclusão da totalidade da doação realizada e não apenas da proporção referente aos atos não cooperativos, respeitado o limite de 2% do lucro operacional.

Em segundo lugar, como se observa no teor do próprio art. 13, que de forma geral veda a dedução de doações, o § 2º configura uma exceção com o objetivo de estimular as doações por meio da concessão de benefício fiscal. Nessa perspectiva, sustenta-se que a totalidade das despesas referentes à doação possa ser deduzida do IR devido, com o afastamento da proporcionalização entre atos cooperativos e não cooperativos, pois, de outra maneira, seria frustrado o propósito da norma de incentivar os contribuintes a realizar as doações.

De todo modo, trata-se de argumentação inédita, uma vez que não foram identificados precedentes judiciais ou administrativos que discutam a questão. Por essa razão, tornou-se necessário analisar os cenários contábeis e fiscais das cooperativas objeto do estudo, referentes ao exercício de 2021, além de projetar eventuais ganhos decorrentes da utilização dos incentivos fiscais relacionados à dedução das doações na apuração do lucro real.

Posto isso, apresentam-se os cenários contábeis e fiscais das cooperativas analisadas na Tabela 1.

Tabela 1. Resultado antes dos impostos e participações – Exercício de 2021

Cooperativas médicasExercício de 2021 (Em real – R$)
Cooperativa (A)21.397.023
Cooperativa (B)31.757.974
Cooperativa (C)3.453.239,34
Cooperativa (D)12.482.611
Cooperativa (E)3.533.538
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Na Tabela 2, apresentam-se os valores do IRPJ referentes ao período analisado.

 Tabela 2. Valores de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – Exercício de 2021

Cooperativas médicasExercício de 2021 (Em real – R$)
Cooperativa (A)5.095.577
Cooperativa (B)563.712
Cooperativa (C)427.019
Cooperativa (D)448.410
Cooperativa (E)123.912
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Conforme se observa na Tabela 1, apresentam-se os resultados do exercício de 2021 antes da incidência dos impostos e participações. A Tabela 2 correlaciona os valores apurados de IRPJ. No cenário apresentado, verifica-se uma discrepância significativa entre os resultados do exercício de 2021 das cooperativas médicas analisadas. Fatores de gestão, aumento da sinistralidade das carteiras de beneficiários, inadimplência e a entrada de grandes players na saúde suplementar impactaram os resultados do período.

O resultado do exercício é uma métrica importante para as organizações que atuam na área da saúde suplementar. Nesse contexto, os atos cooperativos e não cooperativos exercem funções distintas e igualmente significativas. A segregação desses atos permite que as cooperativas demonstrem, de forma transparente, suas atividades e resultados aos órgãos reguladores e aos cooperados. Na Tabela 3, apresenta-se o cenário das cooperativas médicas analisadas quanto ao tratamento dos atos.

Tabela 3. Resultado dos atos cooperativos e não cooperativos – Exercício de 2021

Cooperativas médicasResultado dos atos cooperativos (Em real-R$)Resultado dos atos não cooperativos (Em real-R$)
Cooperativa (A)6.792.9944.374.213
Cooperativa (B)93.289.607
Cooperativa (C)282.399.998
Cooperativa (D)8.759.586,81
Cooperativa (E)32.961.684
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Na Tabela 3, verifica-se que apenas a cooperativa médica A realiza a segregação dos resultados dos atos cooperativos e não cooperativos. Conforme apurado nas Demonstrações de Resultado do Exercício de 2021, a cooperativa A efetuou a segregação sobre a receita de contraprestações emitidas da assistência médico-hospitalar e definiu, em um primeiro momento, a proporcionalidade dos atos cooperativos e não cooperativos sobre os eventos indenizáveis líquidos.

Algumas receitas e despesas foram apuradas com critérios diferenciados, como a receita de aplicação financeira, que foi diretamente alocada como ato não cooperativo, e receitas e despesas como meios próprios, diretamente alocadas como ato cooperativo. Diante do contexto apresentado, destaca-se que a resolução da questão está na segregação dos atos cooperativos e não cooperativos. A movimentação econômico-financeira das sociedades cooperativas médicas deve demonstrar, de forma segregada, a composição do resultado do exercício em ato cooperativo e ato não cooperativo na Demonstração do Resultado do Exercício, com os resultados apurados por serviço, apresentados conjuntamente.

A partir da prática adotada, é possível aplicar as deduções previstas nas leis de incentivos fiscais, de forma conservadora, ao resultado dos atos não cooperativos, uma vez que são tributáveis e, portanto, elegíveis para tal operação de forma incontroversa. A seguir, apresenta-se na Tabela 4 a projeção do cenário com base na aplicabilidade do percentual de incentivo concedido pela Lei n.º 9.249/95.

Tabela 4. Dedução do percentual de 2% dos atos não cooperativos – Exercício de 2021

Cooperativas médicasDedução de 2% sobre o resultado dos atos não cooperativos (Em real-R$)Base de cálculo para apuração do IRPJ (em real – R$)
Cooperativa (A)87.4844.286.728
Cooperativa (B)
Cooperativa (C)
Cooperativa (D)
Cooperativa (E)

Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Na Tabela 5, apresenta-se a apuração do Imposto de Renda após deduções de incentivos fiscais do exercício de 2021, em conformidade com o padrão das demais tabelas.

 Tabela 5. Apuração do IRPJ após deduções de incentivos fiscais – Exercício de 2021

Cooperativas médicasValor (Em real – R$)
Cooperativa (A)1.886.023
Cooperativa (B)
Cooperativa (C)
Cooperativa (D)
Cooperativa (E)
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

A segregação das receitas, despesas e custos provenientes das atividades estranhas ao ato cooperativo é necessária para que o resultado dessas atividades seja corretamente apurado e observe os aspectos societário e fiscal. Dessa forma, as transações devem ser demonstradas, com identificação das partes como associadas e não associadas, ingressos, receitas, repasses, dispêndios, custos e despesas, tudo repartido conforme a própria natureza, com fundos e reservas, perdas e juros sobre o capital social devidamente considerados.

Ressalte-se que o registro contábil segregado entre atos cooperativos e atos não cooperativos gera efeitos tributários, uma vez que as sociedades cooperativas, em conformidade com a legislação específica, pagarão o imposto calculado exclusivamente sobre os resultados positivos decorrentes dos atos não cooperativos.

Neste sentido, no que se refere à incidência dos impostos, o resultado positivo das operações do ato cooperativo deve ser excluído da base de cálculo da tributação para fins de IR. O resultado negativo do ato cooperativo deve ser adicionado ao resultado do exercício para a apuração do resultado tributável, com o ajuste registrado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), presente na Escrituração Contábil Fiscal (ECF). Quanto ao resultado líquido das operações com terceiros (ato não cooperativo), deve haver destinação integral ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES).

Insta ressaltar que as cooperativas médicas analisadas possuem regime de tributação no lucro real. Dessa maneira, a apuração do IR sobre o lucro líquido, conforme o regime adotado, tem como base de cálculo o lucro contábil registrado na escrituração comercial da cooperativa (resultado do ato não cooperativo), com ajustes realizados na forma de adições, exclusões ou compensações, de acordo com a legislação incidente sobre o IRPJ e a CSLL, e a apuração ocorre de forma trimestral ou anual.

Na apuração do lucro real, conforme mencionado, é possível utilizar incentivos fiscais para reduzir a carga tributária no repasse do tributo, como, por exemplo, no caso de despesas com doações, que devem ser submetidas a rateio com base na proporcionalidade entre os ingressos brutos (atos cooperativos) e a receita bruta (atos não cooperativos). Somente a parcela proporcional da despesa que reduziu o resultado tributável (ato não cooperativo) deve ser adicionada à base de cálculo do imposto.

De outro lado, apesar da incerteza do cenário e da ausência de precedentes sobre o assunto, o contribuinte, amparado pela literalidade do art. 13, § 2º, inciso III da Lei n.º 9.249/95[13], que prevê a possibilidade de dedução da doação na apuração do lucro real, ou seja, no momento das adições e exclusões, poderia arriscar a exclusão da totalidade da doação realizada, e não apenas da parcela correspondente aos atos não cooperativos, de forma inovadora, porém temerária.O presente estudo analisou a aplicabilidade dos benefícios relacionados aos incentivos fiscais sobre os resultados dos atos praticados pelas cooperativas médicas, tanto os atos cooperativos, voltados à atuação de seus médicos cooperados, quanto os atos não cooperativos, provenientes das operações realizadas com terceiros estranhos ao objeto principal.

Em função da premissa apresentada, conclui-se que a dedução de 2% do lucro operacional para doações realizadas às OSC representa uma ferramenta importante no contexto fiscal e na promoção da responsabilidade social corporativa. Embora voltada aos atos não cooperativos, essa medida gera benefícios significativos tanto para as cooperativas médicas quanto para as OSC e impacta positivamente o bem-estar da sociedade em geral. No entanto, destaca-se a importância da transparência, da conformidade com as obrigações fiscais e da manutenção de registros adequados ao utilizar essa dedução.

Para empresas e cooperativas em geral, essa dedução não apenas proporciona incentivos fiscais, mas também permite que exerçam um papel ativo na solução de problemas sociais e na promoção de iniciativas benéficas para a comunidade. A medida atende à crescente demanda por empresas socialmente responsáveis, que buscam gerar impacto positivo além dos resultados financeiros.

 Este estudo apresenta como limitação principal a análise restrita a cinco cooperativas médicas de regiões específicas de Minas Gerais, o que impede a generalização integral dos resultados para todo o sistema cooperativo de saúde no Brasil. Além disso, a dependência de dados públicos disponibilizados nos sítios institucionais pode ter limitado o aprofundamento em alguns aspectos contábeis e fiscais, especialmente nas cooperativas que não evidenciam a segregação entre atos cooperativos e não cooperativos.

Como agenda de pesquisas futuras, recomenda-se ampliar a investigação para um conjunto maior de cooperativas de saúde em diferentes regiões do país, além de incluir comparações com cooperativas de outros ramos, a fim de verificar a aplicabilidade dos incentivos fiscais em diferentes contextos. Estudos quantitativos de maior abrangência e análises longitudinais podem contribuir para compreender a evolução do tratamento tributário no setor. Também é recomendada a análise da percepção de gestores e órgãos reguladores sobre as dificuldades de segregação contábil e as oportunidades de aprimoramento da legislação tributária aplicável às cooperativas.

REFERÊNCIAS

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[22] Brasil. 2021. Decreto- Lei n°10.854, de 10 de novembro de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, 11 nov. 2021. Seção 1, p.2.

COMO CITAR:

Zanini, N.M.; Pereira, B.S.2025. Planejamento tributário: incentivos fiscais para cooperativas de saúde Revista E&S; 6: e2024073.

SOBRE AS AUTORAS:

Natália Mucida Zanini – Especialista em Gestão Tributária. Advogada tributárista. Escritório Marcela Guimarães e Associados. Avenida Rondon Pacheco, 4600, Uberlândia Business Tower, Tibery, 38405-142, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.

Beatriz da Silva Pereira – Professora orientadora. Rua Engenheiro Agronômico Andrei Cristian Ferreira, s/n, Trindade, 88040-900, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

Quem editou este artigo

Luiz Eduardo Giovanelli

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