
10 de dezembro de 2025
Treinamento e percepção da integridade pública no governo do Estado de São Paulo
Autora: Aline Shimamoto — Orientadora: Lívia Nicioli Berti
Resumo elaborado pela ferramenta ResumeAI, solução de inteligência artificial desenvolvida pelo Instituto Pecege voltada à síntese e redação.
O objetivo deste estudo foi apurar a evolução na percepção dos servidores públicos do Estado de São Paulo sobre integridade pública entre 2023 e 2024, analisando a relação entre os treinamentos oferecidos e essa percepção. A pesquisa partiu da hipótese de que as capacitações são ferramentas estratégicas de gestão, cuja efetividade depende da articulação com políticas institucionais, canais de denúncia e uma liderança comprometida com valores éticos. O problema central investigou como capacitações em ética, assédio, gestão de riscos e governança impactaram a compreensão e valorização da integridade. Ao explorar essa intersecção, o trabalho buscou fornecer um diagnóstico sobre o estágio da administração paulista e contribuir para o debate sobre a integração entre políticas de integridade e gestão de pessoas, visando fortalecer a cultura ética e a confiança social no setor público.
A fundamentação conceitual ancora-se na definição de integridade pública como a adesão a valores e normas éticas para garantir a prevalência do interesse público sobre o privado (OCDE, 2022). A noção, ligada à ideia de incorruptibilidade (Houaiss, 2001), é um pilar da governança para órgãos como a Controladoria Geral da União [CGU] e o Tribunal de Contas da União [TCU]. A integridade se efetiva por meio de mecanismos como gestão da ética, controles, transparência e accountability, para prevenir irregularidades e promover condutas elevadas (TCU, 2018). Em São Paulo, a Controladoria Geral do Estado [CGE SP], instituída pelo Decreto nº 64.975/2020, coordena essas políticas, promovendo valores éticos.
A relevância do treinamento foi formalizada pelo Decreto nº 67.683/2023, que instituiu o Plano Estadual de Promoção de Integridade. Este marco normativo destaca o fomento à capacitação contínua como objetivo central (São Paulo, 2023, artigo 4º, VI), estabelecendo que programas de integridade devem ter a comunicação e o treinamento como eixo fundamental. As finalidades pedagógicas são aplicar valores, promover a lisura dos atos, conscientizar sobre riscos e fomentar o engajamento. Essa abordagem alinha-se às recomendações da OCDE (2022), que defende programas de formação permanentes, inovadores e contextualizados, com metodologias participativas que promovam a reflexão ética.
A gestão de pessoas é um campo estratégico, definido como o conjunto de diretrizes que alinha as expectativas da organização com as dos indivíduos (Dutra, 2019) para alcançar metas organizacionais (Chiavenato, 2020). No setor público, esse alinhamento deve seguir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Brasil, 1988). O princípio da moralidade exige que o agente público atue com lealdade e boa-fé, legitimando a Administração e fortalecendo a confiança social (Mello, 2016). O treinamento, portanto, não é apenas uma atividade técnica, mas uma ferramenta para cultivar uma cultura organizacional guiada por princípios éticos (Bergue, 2019).
A gestão de riscos complementa essa estrutura com um processo sistemático para identificar, avaliar e mitigar fatores que comprometam os objetivos institucionais. A integração da gestão de riscos com treinamentos e práticas de gestão de pessoas é fundamental para prevenir condutas inadequadas e fortalecer a cultura ética (Tribunal de Contas da União, 2020). Ao compreender os riscos de integridade, os servidores aplicam melhor os conhecimentos das capacitações, transformando aprendizado em prática. Este estudo utilizou como material empírico os indicadores das Pesquisas de Percepção sobre Integridade de 2023 e 2024, conduzidas pela CGE SP, para analisar a dinâmica entre treinamento, comunicação e a percepção de integridade (CGE SP, 2023; CGE SP, 2024).
O estudo foi uma pesquisa documental, com abordagem quantitativa e caráter descritivo (Sá-Silva et al., 2009), estruturada como séries transversais independentes. Compararam-se os resultados das edições de 2023 e 2024 das Pesquisas de Percepção sobre Integridade Pública da CGE SP. As fontes de dados foram os relatórios públicos e painéis de resultados agregados, sem acesso a microdados. A 1ª Pesquisa (abril-maio de 2023) teve 17.340 participantes, e a 2ª (novembro de 2024) obteve 18.393 respostas, ambas por formulários eletrônicos anônimos.
O material de análise consistiu nos indicadores comuns às duas edições, pertinentes à relação entre treinamento e percepção de integridade. As variáveis observadas incluíram: conhecimento sobre o termo “integridade”, exposição a campanhas, participação em debates, conhecimento sobre o Programa de Integridade e suas estruturas, familiaridade com canais de consulta e denúncia, percepção da comunicação da chefia, conhecimento sobre gestão de riscos e participação em treinamentos sobre temas específicos nos dois anos anteriores. Questões subjetivas ou não repetidas foram excluídas para garantir a comparabilidade.
Os procedimentos envolveram a extração dos percentuais e contagens dos relatórios oficiais, transpostos para tabelas comparativas com dupla conferência. A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva, calculando-se frequências relativas, a diferença em pontos percentuais (p. p.) e a variação no número de respostas afirmativas sobre treinamentos. A análise focou na comparação descritiva dos indicadores, sem aplicação de testes de hipótese, dada a natureza agregada dos dados. Do ponto de vista ético, a pesquisa foi dispensada de submissão ao sistema CEP/CONEP (Resolução CNS nº 510/2016), por utilizar informações de acesso público e agregadas, sem possibilidade de identificação individual (Brasil, 2016).
Os resultados da análise comparativa entre 2023 e 2024 revelam um avanço na familiaridade dos servidores com o tema. O conhecimento sobre o termo “Integridade” ou “Integridade Pública” saltou de 57% para 71% (+14 p. p.). Esse crescimento foi acompanhado por maior exposição a ações de comunicação, com o reconhecimento de campanhas internas subindo de 12% para 31% (+19 p. p.), e a participação em debates sobre o tema crescendo de 12% para 22% (+10 p. p.). Os dados sugerem que a integridade se tornou um tópico mais visível, corroborando que ações de formação e comunicação consistentes são fundamentais para consolidar valores e fortalecer a cultura organizacional (Bergue, 2019).
No que diz respeito às estruturas de governança, o conhecimento sobre o termo “Programa de Integridade” mais que dobrou, de 17% para 37% (+20 p. p.). A percepção de que a própria instituição possui um programa aumentou de 6% para 20% (+14 p. p.), e o reconhecimento de uma área responsável pela gestão da integridade cresceu de 8% para 19% (+11 p. p.). Apesar dos ganhos, os percentuais de “Não sei” permaneceram elevados (62% e 59%, respectivamente), indicando que uma parcela considerável de servidores ainda tem baixa clareza sobre as estruturas institucionais. Este achado reforça a importância da definição explícita de papéis para a internalização de práticas (Schein e Schein, 2022; Chiavenato, 2020).
A análise dos canais de consulta e denúncia mostrou avanço moderado. O conhecimento sobre um canal para sanar dúvidas de conduta aumentou de 34% para 42% (+8 p. p.), e o conhecimento sobre como denunciar um ato de corrupção internamente subiu de 47% para 50% (+3 p. p.). O conhecimento sobre o canal de denúncia geral do Governo do Estado teve ligeira queda de 50% para 49% (–1 p. p.). Esses resultados indicam que os esforços de comunicação podem ter se concentrado no nível organizacional interno, sugerindo a necessidade de políticas que integrem a comunicação interna e externa para ampliar a percepção sobre todos os mecanismos disponíveis (Dutra, 2019).
A influência da liderança imediata também se mostrou mais presente. A percepção de que a chefia transmite mensagens sobre integridade cresceu de 20% para 29% (+9 p. p.). Este dado é relevante, pois a literatura de gestão de pessoas enfatiza o papel da liderança no alinhamento cultural e na modelagem de comportamentos (Chiavenato, 2020). De forma similar, o conhecimento sobre gestão de riscos aumentou de 39% para 46% (+7 p. p.), indicando maior conscientização sobre a importância de identificar e mitigar ameaças, um pilar para organizações que aprendem (Senge, 2016).
O resultado mais expressivo foi na participação em treinamentos. A análise das respostas afirmativas sobre participação em cursos nos últimos dois anos revelou um crescimento maciço. A participação em treinamentos sobre assédio moral aumentou 154,1% (+3.690 respostas), assédio sexual 121,3% (+2.458), gestão de riscos 114,3% (+1.310), ética 51,7% (+1.616), e conhecimento do canal de denúncia 96,0% (+800). Em contrapartida, o número de servidores que não participaram de nenhuma capacitação sobre esses temas diminuiu 20,7% (–2.337 respostas). Essa expansão evidencia um esforço institucional para utilizar o treinamento e desenvolvimento (T&D) como ferramenta para elevar o conhecimento em áreas críticas para a integridade.
A discussão dos resultados, à luz da teoria de gestão de pessoas, permite uma interpretação aprofundada. O conceito de percepção, processo pelo qual indivíduos organizam e interpretam impressões para dar significado ao ambiente (Robbins et al., 2020), é central. Os aumentos na comunicação, nas mensagens da chefia e na oferta de treinamentos reconfiguraram a percepção coletiva sobre a integridade, sinalizando que o tema se tornou uma prioridade. Lideranças e sistemas de comunicação moldam o que os agentes públicos percebem como importante, reduzindo ambiguidades e facilitando a internalização de normas (Schein e Schein, 2022).
A leitura conjunta dos dados sugere uma associação plausível entre a ampliação das ações de capacitação e os ganhos de percepção. Embora a metodologia não permita inferir causalidade, o padrão é coerente com a hipótese de que a combinação de treinamento, liderança e comunicação reforça valores. A expansão da participação em treinamentos, especialmente em gestão de riscos e ética, alinha-se com a literatura que associa a efetividade do T&D ao mapeamento de lacunas, ao vínculo com objetivos institucionais e ao apoio da liderança na transferência do aprendizado para o trabalho (Chiavenato, 2020; Bergue, 2019).
O período de 2023 a 2024 foi marcado por um amadurecimento institucional na promoção da integridade no Governo de São Paulo. Aumentou-se a comunicação, a familiaridade com os conceitos e a percepção sobre as estruturas formais. As persistentes zonas de desconhecimento, evidenciadas pelas respostas “não sei”, apontam para a necessidade contínua de clareza organizacional. O padrão observado sustenta que, ao clarificar papéis e manter reforços instrucionais, a gestão de pessoas cria condições para que o conhecimento se transforme em ação íntegra, fomentando uma organização que aprende e se fortalece eticamente (Senge, 2016).
A análise demonstrou que a ausência ou insuficiência de treinamentos técnicos específicos pode comprometer a efetivação da integridade como valor praticado. Os resultados reforçam a premissa de que treinamentos, quando bem planejados e alinhados à estratégia, são uma ferramenta poderosa para fortalecer comportamentos éticos e alinhar condutas individuais aos objetivos da administração pública. A formação contínua, o engajamento e o desenvolvimento de competências são indispensáveis para que a integridade transcenda o campo normativo. Investimentos sistemáticos em treinamentos, apoiados por comunicação clara e pelo exemplo da liderança, têm potencial para aprimorar a percepção da integridade e sustentar uma cultura organizacional mais ética e transparente. Embora os resultados apontem para um progresso notável, a continuidade dessas ações é crucial. Conclui-se que o objetivo foi atingido: demonstrou-se uma associação plausível entre a ampliação das ações de capacitação e comunicação e o aumento da percepção de integridade entre os servidores públicos estaduais no período analisado.
Referências:
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Resumo executivo oriundo de Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Gestão de Pessoas do MBA USP/Esalq
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