Tecnologia
03 de dezembro de 2025
Detecção de fraudes: como a IA redefiniu a segurança financeira
Fraudadores se adaptam rapidamente, o que exige uma evolução contínua nos sistemas de proteção

A fraude financeira continua sendo um dos maiores desafios da economia digital. Somente em 2022, as perdas superaram 1,2 bilhão de euros no Reino Unido e 8,8 bilhões de dólares nos Estados Unidos (Khalid et al., 2024). Esse ambiente altamente dinâmico exige que instituições financeiras deixem de agir de forma reativa e adotem abordagens preditivas cada vez mais sofisticadas.
A digitalização trouxe eficiência, mas também ampliou as oportunidades de golpe. Tecnologias como o Chip & PIN reduziram fraudes presenciais, mas estimularam a migração das tentativas para o ambiente on-line, especialmente nas transações do tipo Cartão Não Presente (CNP) (Edge & Sampaio, 2009). Nesse cenário, fraudadores se adaptam rapidamente, o que exige uma evolução contínua nos sistemas de detecção.
Historicamente, a detecção de fraudes dependia de regras fixas, como “se X acontecer, bloqueie”. Eram sistemas simples e previsíveis, facilmente contornados. A primeira grande virada ocorreu com o machine learning, que passou a aprender padrões diretamente dos dados, permitindo identificar comportamentos fora do comum (Carcillo et al., 2021).
Nesse estágio surgiram dois grupos de técnicas: (1) modelos supervisionados, treinados com transações rotuladas como legítimas ou fraudulentas, (2) e modelos não supervisionados, capazes de detectar anomalias sem depender de rótulos, úteis especialmente para fraudes inéditas.
Essa etapa consolidou também a importância da engenharia de features. Variáveis comportamentais como soma de gastos, frequência de transações, variações temporais e padrões por localidade ampliaram significativamente a capacidade dos modelos de capturar desvios sutis (Seera et al., 2024).
Deep learning em ação
Com a popularização das redes neurais, surgiu um novo salto tecnológico. Enquanto as primeiras arquiteturas analisavam transações isoladas, modelos como as LSTMs passaram a capturar o comportamento sequencial do usuário, identificando padrões ao longo do tempo (Roseline et al., 2022; Jurgovsky et al., 2018).
Esse tipo de análise contextualiza a transação. Uma compra pode parecer legítima isoladamente, mas destoar do padrão recente do cliente, e as LSTMs capturam exatamente isso.
Além do nível transacional, redes neurais também foram aplicadas para identificar risco de fraude em nível organizacional, com modelos capazes de analisar fatores internos e externos e alcançar precisão superior a 90% (Krambia-Kapardis et al., 2010).
Grafos e detecção avançada
A fronteira atual da detecção de fraudes é dominada pelas Redes Neurais de Grafos (GNNs). Diferentemente de modelos que analisam apenas usuários individuais, as GNNs consideram todo o ecossistema como uma rede conectada. Clientes, dispositivos, endereços IP, estabelecimentos e transações formam um grafo dinâmico.
Essa abordagem permite identificar anéis de fraude, conexões suspeitas entre contas, padrões coordenados entre múltiplos usuários e uso recorrente de dispositivos fraudulentos. Modelos baseados em grafos vêm entregando resultados superiores na detecção de fraudes organizadas e sofisticadas (Chen et al., 2024; Zhu et al., 2021).
Desafios
Apesar dos avanços, implementar IA em produção traz desafios concretos. O primeiro é o forte desbalanceamento dos dados. Fraudes representam apenas 0,172% a 0,36% das transações em grandes bases (Carcillo et al., 2021; Dornadula & Geetha, 2019). Isso exige técnicas específicas, como reamostragem por oversampling ou undersampling, para evitar que o modelo aprenda a classificar tudo como “legítimo”.
Outro ponto crítico é medir sucesso. Métricas tradicionais, como acurácia, são ineficazes nesse contexto. O setor financeiro se apoia principalmente no Recall, para evitar deixar fraudes escaparem, na Precisão, para não bloquear clientes legítimos, no F1-Score e no AUC-PR, que são adequadas para bases desbalanceadas (Kim et al., 2019).
Na prática, a detecção envolve sistemas híbridos. Modelos automáticos fazem o scoring das transações em tempo real, enquanto uma equipe humana analisa apenas os casos mais críticos. Além disso, ensembles que combinam múltiplos modelos aumentam a estabilidade e precisão dos resultados (Khalid et al., 2024; Randhawa et al., 2018).
O Futuro da prevenção
Duas tendências emergentes apontam para a próxima geração de segurança financeira.
| Gêmeos digitais: uma réplica virtual do comportamento de cada cliente permite simular uma transação antes de autorizá-la. Se o gêmeo digital identifica um desvio significativo, a operação pode ser bloqueada de forma preventiva (Chatterjee et al., 2024). |
| Blockchain e aprendizado federado: instituições financeiras podem treinar modelos colaborativamente, mas sem compartilhar dados sensíveis. A tecnologia de blockchain fornece registro seguro e transparente, enquanto o aprendizado federado permite treinar modelos distribuídos, preservando a privacidade (Chatterjee et al., 2024). Essa combinação resolve um gargalo histórico do setor: melhorar os modelos sem comprometer a confidencialidade. |
A detecção de fraudes evoluiu de simples sistemas baseados em regras para soluções que integram IA avançada, redes neurais especializadas e estruturas de grafos. Mesmo assim, o desafio permanece em constante mutação, e a eficácia das instituições dependerá da capacidade de integrar novas abordagens, atualizar modelos continuamente e combinar automação com análise humana.
No fim das contas, segurança não é um destino, mas um processo contínuo de adaptação. E, na corrida tecnológica contra o crime financeiro, vence quem evolui sem parar.
Quem publicou esta coluna
José Erasmo Silva





























