Imagem Formação contínua e gestão do tempo: desafios e prioridades do coordenador pedagógico

Coordenador Pedagógico

09 de dezembro de 2025

Formação contínua e gestão do tempo: desafios e prioridades do coordenador pedagógico

Autores: Camille Maria Henrique dos Santos e Milena Pedroso Ruella Martins

DOI: 10.22167/2675-6528-2025028
E&S 2025, 6: e2025028

O cenário educacional brasileiro é caracterizado por grande diversidade de instituições, que variam em porte, segmentos atendidos e inserções no mercado. Nesse contexto, o coordenador pedagógico exerce papel estratégico nas organizações em que atua. Suas atribuições concentram-se na articulação entre gestão escolar e prática docente, abrangem funções como mediação de conflitos, orientação pedagógica e promoção da formação continuada dos professores[1]. Essa multiplicidade de tarefas frequentemente sobrecarrega o coordenador, que deve conciliar atividades administrativas, formações pedagógicas e acompanhamento individual dos docentes. Esse acúmulo de incumbências limita o tempo disponível para a própria formação durante a jornada de trabalho.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[2] define que o sistema de ensino deve assegurar aos professores educação continuada, aperfeiçoamento profissional e constante qualificação. A literatura também aponta que a formação docente precisa ser contínua, vinculada à prática e reconfigurada ao longo da carreira[3].

 Nesse sentido, o coordenador pedagógico deve não apenas organizar ocasiões de troca coletiva, a fim de incentivar a formação dos professores, mas também investir em sua própria atualização, de modo a estar preparado para promover momentos verdadeiramente enriquecedores, transformadores e formativos. Almeida e Placco[4] ressaltam que, na rotina escolar, o coordenador muitas vezes é absorvido por demandas burocráticas e assistenciais, o que limita seu tempo para exercer plenamente seu papel formador. Essa realidade, por vezes, coloca-o em posição de “apagador de incêndios”, ao se dedicar apenas à solução de pequenas urgências cotidianas que consomem tempo e dificultam a implementação de práticas reflexivas e inovadoras com suas equipes escolares.

Formosinho[5] enfatiza a formação como uma ação coletiva e colaborativa, que exige planejamento e tempo destinados a práticas inovadoras. Para o autor, a transformação da escola só é possível quando o trabalho pedagógico se apoia em projetos coletivos e reflexivos, de modo a integrar inovação e ação docente em um mesmo movimento. Esses momentos precisam ser devidamente pensados, preparados e estruturados. Desta forma, torna-se urgente refletir sobre como o coordenador pode ser apoiado institucionalmente para exercer esse papel.

 Embora a LDB[2] e a Resolução CNE/CP n.º 2/2015[6] assegurem a formação continuada aos docentes, essas normas não contemplam diretamente os coordenadores pedagógicos, o que gera uma lacuna normativa. Nessa situação, os profissionais precisam promover momentos de formação, mas não dispõem de orientações claras para se preparar adequadamente. A ausência de diretrizes para gestores pedagógicos compromete a consolidação de políticas que garantam espaços formais para sua própria formação, uma vez que o sistema reconhece a importância da capacitação docente, mas negligência quem é responsável por induzi-la.

Diante do exposto, questiona-se: os coordenadores pedagógicos têm tempo para se preparar adequadamente como formadores? E como equilibram urgências cotidianas e sua própria formação profissional? Este estudo tem como objetivo investigar de que maneira os desafios da gestão do tempo impactam a formação contínua dos coordenadores pedagógicos. Respondendo a essas questões a partir de uma pesquisa empírica, realizada com profissionais com mais de dois anos de experiência e atuantes em escolas da rede privada, bem como apresentando reflexões críticas sobre o cenário da formação continuada no Brasil.

O estudo utilizou abordagem qualitativa-descritiva, com aplicação de questionário estruturado via Google Forms. O instrumento incluiu oito perguntas, a primeira correspondia ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual garantiu participação voluntária e consciente. Os participantes receberam informações prévias sobre os objetivos da investigação e os possíveis riscos de sua participação.

Quatorze coordenadores pedagógicos da rede privada foram convidados, e onze participaram efetivamente, todos com mais de dois anos de experiência na função. Os sujeitos estavam distribuídos em seis capitais brasileiras: Natal (RN) (18,1%), João Pessoa (PB) (9,1%), Fortaleza (CE) (9,1%) e São Paulo (SP) (63,6%). Os coordenadores, no momento da pesquisa, atuavam em instituições privadas de diferentes portes e perfis, tais como redes de escolas e unidades independentes. As perguntas investigaram: (I) ações formativas promovidas, (II) modalidades de formação adotadas, (III) carga horária trabalhada e (IV) tempo possível dedicado à formação dentro e fora do expediente.

A coleta on-line facilitou o alcance de profissionais em diferentes regiões e assegurou praticidade no processo de análise dos dados. As respostas foram organizadas e organizadas em gráficos e tabelas para permitir a visualização clara das tendências, contradições e desafios enfrentados pelos participantes da pesquisa, conforme exposto na Tabela 1.

Tabela 1. Ações de indução à formação continuada exercidas pela equipe docente

Atividades de formação docente gerenciadas pelos coordenadores no BrasilRespostasPorcentagem (%)
Facilita relações interpessoais e reflexões entre os professores, promovendo um ambiente de aprendizado colaborativo.327,3
Implementa novas práticas educativas, promovendo mudanças no ambiente escolar, envolvendo os professores na construção de projetos pedagógicos.545,5
Estimula a reflexão sobre as práticas docentes, permitindo que os professores se tornem protagonistas de seu desenvolvimento profissional.654,5
Medeia e promove momentos para formação contínua dos docentes, ajudando na inovação e na transformação das práticas pedagógicas.763,6
Integra os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, valorizando a colaboração e a troca de saberes para melhorar a qualidade da educação.763,6
Não consigo realizar ações de desenvolvimento de professores com minha equipe atualmente.00,0
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Os dados iniciais revelam que os coordenadores reconhecem seu papel como indutores da formação docente, com ações voltadas à mediação de encontros formativos, ao incentivo à reflexão crítica e à colaboração entre professores[1]. No entanto, a baixa ocorrência de ações voltadas à integração e à inovação é um sinal de alerta e destaca a importância de avaliar como essas dinâmicas impactam a prática do coordenador pedagógico e, consequentemente, a qualidade da formação docente e o ambiente escolar. Se não há espaço para inovação e cuidado nas relações interpessoais, como é o ambiente de trabalho desses professores? Existe espaço para o exercício de um trabalho verdadeiramente colaborativo?

A pergunta subsequente verificou as modalidades escolhidas pelos coordenadores pedagógicos para sua própria formação contínua. Os profissionais foram questionados sobre como realizam seu desenvolvimento profissional ou, em alguns casos, enfrentam dificuldades para realizar essa formação. Embora as opções de resposta sejam variadas, observa-se certo equilíbrio nas escolhas feitas pelos entrevistados, o que sugere uma busca constante por atualização, mesmo diante de possíveis desafios ou limitações, conforme observado na Figura 1.

Figura 1. Preparação para o papel de formador(a) de professores
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

A Figura 1 evidencia que as escolhas dos profissionais refletem uma clara necessidade de flexibilidade, uma vez que as modalidades de aprendizagem mais selecionadas são comumente oferecidas no formato de Educação a Distância (EAD) ou realizadas de forma autônoma. Essa preferência pela autogestão da rotina reflete a realidade do tempo limitado que os coordenadores pedagógicos possuem para se dedicar à sua própria formação, ao mesmo tempo em que cumprem suas atribuições profissionais e mantêm a necessidade de constante atualização, conforme revelam os estudos de Almeida e Placco[4].

As etapas subsequentes investigam a relação dos profissionais com o tempo dedicado à própria formação e como gerem esse recurso. O gráfico apresenta os resultados da interrogação realizada junto aos coordenadores sobre a possibilidade de formação contínua de acordo com sua carga horária trabalhada. Nesta questão, foram considerados os padrões e normas estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como ilustrado na Figura 2.

Figura 2. Configuração de tempo hábil em relação à carga horária trabalhada
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Os dados apresentam considerável heterogeneidade; no entanto, é evidente que a maioria dos profissionais enfrenta uma realidade em que não dispõe de tempo, incentivo ou espaço adequado para se dedicar à formação durante a jornada de trabalho regular. Em um segundo momento, os profissionais que responderam não conseguir se dedicar à formação durante a carga horária foram questionados sobre quando realizam essa ação, conforme mostra a Figura 3.

Figura 3. Tempo utilizado para formação contínua 
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Além de recorrer majoritariamente à EAD e a práticas autônomas, as respostas dos coordenadores confirmam a necessidade de flexibilidade diante da sobrecarga de atribuições[7]. Muitos indicaram que utilizam fins de semana e períodos de descanso para estudar, o que compromete o equilíbrio pessoal-profissional. Esse achado reforça que a ausência de políticas institucionais transfere ao profissional a responsabilidade individual de encontrar tempo para se formar e gera sobrecarga emocional, além de aumentar o risco de adoecimento.

A última pergunta investiga a percepção e o sentimento dos profissionais em relação à própria aptidão para o exercício do papel de formadores, quando alguns demonstram clara incerteza e insegurança quanto ao preparo para formar as equipes docentes sob sua gestão, como ilustrado na Figura 4.

Figura 4. Autoavaliação sobre o papel formador do coordenador
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

A maioria dos entrevistados se considera apta a formar docentes; contudo, 36,4% revelam insegurança ou falta de preparo. Esse dado revela que, mesmo diante de esforços individuais, ainda existem lacunas no processo de formação dos coordenadores, o que gera incertezas e fragilidades ocasionais.

Zeichner[8] reforça que a reflexão crítica e revisitada deve ser estruturante e permanente na formação docente; no entanto, sem apoio político e legislatório, essa prática tende a se restringir a iniciativas isoladas, dependentes de normas e culturas internas estabelecidas pelas próprias instituições de ensino. Além disso, 9,1% dos coordenadores relataram que não se sentem confortáveis nem aptos para desempenhar plenamente o papel de formadores, o que evidencia a necessidade de maior apoio e capacitação para desenvolver suas competências nessa área.

Os resultados indicam uma tensão central: de um lado, o reconhecimento da importância da formação contínua; de outro, a ausência de tempo institucionalizado para esta prática. O coordenador pedagógico enfrenta um paradoxo, pois precisa ser formador, mas não encontra espaço para se formar. Essa contradição compromete não apenas sua atuação individual, mas também o processo de inovação pedagógica dentro da escola. Formosinho[5] ressalta que a formação precisa ser coletiva e planejada; no entanto, quando depende apenas de esforços pessoais e esporádicos, perde sua potência transformadora.

A formação continuada do coordenador é um elemento fundamental para que ele desempenhe plenamente seu papel de facilitador no desenvolvimento dos professores. Sem tempo adequado para se atualizar e aprimorar suas práticas, o coordenador encontra dificuldades em liderar processos formativos inovadores e críticos.

Este estudo evidencia que o maior desafio enfrentado pelos coordenadores pedagógicos é a falta de tempo e espaço institucional para investir em sua própria formação. Sem essa base, sua atuação como líder formador tende a ser limitada, o que afeta o desenvolvimento docente e, por consequência, a qualidade da educação na totalidade. Além disso, a ausência de regulamentações específicas para a formação contínua desses profissionais amplia as dificuldades e gera um cenário em que a responsabilidade pela atualização recai principalmente sobre o indivíduo.

Embora o estudo seja centralizado em apenas uma camada da educação básica no Brasil — o ensino privado — a similaridade nas respostas dos coordenadores em diversas capitais brasileiras reflete a realidade apontada por estudos anteriores. O levantamento também abre caminhos para pesquisas futuras, que podem questionar e comparar a qualidade das formações promovidas pelos coordenadores, ao considerar a relação que esses profissionais têm com o tempo disponível para preparar suas formações, se esse tempo ocorre dentro ou fora da jornada de trabalho, e ao investigar seu bem-estar e equilíbrio pessoal e profissional. 

Portanto, torna-se imprescindível e até urgente a criação de políticas que assegurem a formação continuada dos coordenadores dentro da carga horária de trabalho, com condições adequadas para atualização e inovação. É fundamental compreender que a valorização do coordenador como formador significa reconhecer sua centralidade no ecossistema escolar e sua influência direta nos resultados de aprendizagem. O fortalecimento da formação continuada não deve ser visto como investimento apenas no indivíduo, mas como um compromisso com a qualidade educacional em sua dimensão coletiva e transformadora.

REFERÊNCIAS

[1] Coutinho, J. D., Costa, J. C., Silva, S. G. 2020. The role of the pedagogical coordinator as an inducer of continuing education. Brazilian Journal of Development, 6(10), 84087–84101. DOI:10.34117/bjdv6n10-737.

[2] Brasil. 1996. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.

[3] Tardif, M., Lessard, C., Lahaye, L. 1991. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e Educação, 4, 215–233.

[4] Almeida, R.L.; Placco, M.V. 2003. O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo, SP: Loyola.

[5] Formosinho, J. 2009. Formação de Professores: Aprendizagem Profissional e Ação Docente. Portugal: Porto Editora.

[6] Brasil. 2015. Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada dos profissionais do magistério da educação básica. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file.

[7] Estrada, R.J.; Flores, T.G.; Schimith, D.C. 2011. Gestão do tempo como apoio ao planejamento estratégico pessoal. Revista de Administração da UFSM. 4(2): 315–332. Recuperado de: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273419420009.

[8] Zeichner, K. 2008. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na formação docente. Educação e Sociedade, 29(103), 535–554. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302008000200012.

COMO CITAR

Rampani, C.M.V.; Martins, M.P.R. Formação contínua e gestão do tempo: desafios e prioridades do coordenador pedagógico. Revista E&S. 2025; 6: e2025028.

SOBRE OS AUTORES

Camille Maria Vitalino Rampani – Especialista em Gestão Escolar. Consultora de Customer Success na International School Education. Rua Ribeirópolis, 532, Jardim Independência, 03225-010, São Paulo, SP, Brasil.

Milena Pedroso Ruella Martins – Professora orientadora. Rua Cezira Giovanoni Moretti, 580, Santa Rosa, 13414-157, Piracicaba, São Paulo.

Quem editou este artigo

Luiz Eduardo Giovanelli

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