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Coluna

O desafio da tradução de neologismos na literatura fantástica

10 de janeiro de 2025

6 min de leitura

A tradução de obras literárias é uma prática essencial para a disseminação de culturas e ideias, permitindo que leitores de diferentes partes do mundo tenham acesso a textos fundamentais da literatura universal. No entanto, quando se trata de livros de alta fantasia – aquelas que possuem mundos totalmente fictícios –, como os criados por Brandon Sanderson em sua série Os Relatos da Guerra das Tempestades (Stormlight Archive, em inglês), a tradução assume um papel ainda mais complexo e desafiador. Isso acontece porque, além da tradução convencional do texto, o tradutor precisa lidar com a criação de mundos fictícios, personagens com nomes e culturas próprias, e muitos casos de neologismo, resultando em uma rica terminologia inventada que não tem equivalentes diretos em outras línguas.

Ao traduzir um texto desse gênero, o tradutor se depara com questões únicas, como a necessidade de manter a coerência interna daquele mundo e, ao mesmo tempo, adaptar seus termos para a cultura do público-alvo, afinal como dizem Reiss e Vermeer (1984, 1991), toda tradução é guiada por um escopo.

Quando o autor cria um termo, ele tem uma intenção clara com ele, que pode fazer sentido naquele ponto da história ou somente bem depois, deixando o trabalho do tradutor ainda mais complicado, afinal, como ele saberá qual termo terá uma explicação etimológica detalhada no futuro e como ele vai encaixar isso em sua tradução? A resposta é que não há como saber, então toda decisão vem com um certo risco de não estar totalmente de acordo com algum elemento futuro da construção de mundo. Este artigo analisará como isso aconteceu com alguns termos na tradução da série de Sanderson.

A tradução de Stormlight Archive

Stormlight Archive é uma das séries literárias de fantasia mais aclamadas da atualidade, com cinco volumes publicados em inglês e três em português pela Editora Trama. Ela possui um mundo fantástico completamente extraterrestre, com fauna e flora próprias – totalmente diferente de outras fantasias, que normalmente utilizam um cenário medieval e em que a parte fantástica se resume à existência de magia e/ou seres mágicos –, o que possibilitou ao autor criar muitos termos com múltiplos significados e nuances que, ao serem traduzidos, precisaram ter as cargas simbólica e conceitual mantidas para que o leitor compreendesse o impacto dessas palavras na história.

O autor, como muitos escritores de fantasia, criou um vocabulário único, em que cada palavra, cada nome, é carregado de história. Com isso, a tradução de um único termo pode afetar toda a interpretação de um personagem ou de um conceito dentro de seu universo. Comecemos pela tradução de “Shardplate” para “Armadura Fractal”. A “Shardplate” é uma armadura mágica que confere habilidades e proteção ao seu usuário. O termo “fractal”, ao ser inserido na tradução, não só captura a complexidade da armadura, que é composta por camadas e padrões complexos, mas também comunica a natureza multifacetada e intrincada da peça, que é um elemento central na cultura e poder dos guerreiros em Roshar, além de fazer referência aos “Fragmentos”, que essencialmente são pedaços de um deus antigo que foi fragmentado há muito tempo, considerando o período em que a história se passa.

Outro exemplo relevante com um termo parecido é a tradução de “Shardblade“, que se tornou “Espada Fractal”. Essa escolha tradutória provavelmente tem a intenção de capturar a ideia de que a espada é tanto uma arma poderosa quanto um artefato místico, cujos efeitos vão além da simples batalha. Assim, o uso de “fractal” como tradução faz sentido não apenas para refletir a complexidade da armadura e da espada, mas também para conectar o conceito com o uso temático da palavra.

A tradução de “Spren” para “Espreno” também é um ponto interessante. No texto em inglês, “spren” é um termo que não tem equivalentes diretos em outros idiomas. São entidades espirituais que existem em Roshar, ligadas a emoções, elementos e fenômenos naturais. A escolha de “espreno” como tradução preserva a sonoridade do termo original e mantém a ideia de um ser etéreo e misterioso. Embora a palavra “espreno” não tenha um significado pré-existente, ajuda a criar a mesma sensação de estranheza e mistério que o autor procurou evocar.

Efeito emocional

É importante ressaltar que, no caso de Stormlight Archive, a tradução dos nomes de seres como os “spren” não deve ser feita apenas de maneira literal, mas sim considerando o efeito emocional e o impacto que essas entidades têm no leitor. O tradutor, portanto, precisa não apenas traduzir o significado literal da palavra, mas também transmitir a essência da ideia que o autor procurou construir.

A tradução de “Parshendi” para “Parshendianos” segue uma lógica semelhante. O nome “Parshendi” é associado a uma raça de seres nativos de Roshar, e sua tradução para “Parshendianos” cria uma identidade mais próxima da fonética e da sensação de um povo distinto, sem perder a ideia de uma cultura estrangeira e complexa. A escolha do sufixo “-ianos” não é apenas uma adaptação fonética, mas também reflete a tentativa de manter a sonoridade e a ideia de um povo diferente, com sua própria língua e cultura, em um esforço para preservar a identidade do termo no contexto da língua portuguesa.

“Voidbringers” é outro exemplo curioso a ser analisado. Traduzido para “Esvaziadores”, o termo diz respeito a criaturas que trazem destruição e caos ao mundo, sendo vistas como entidades malignas. A palavra “Void” remete ao vazio, à ausência, ao abismo, e “Esvaziadores” captura essa ideia de entidades que trazem a destruição. A tradução preserva a carga semântica do termo, refletindo a ameaça representada por essas criaturas que tentam corromper e destruir o mundo. Embora “Voidbringers” tenha um significado direto relacionado à falta de algo, o tradutor escolheu uma palavra que, no contexto da língua portuguesa, também traz uma sensação de negação, de algo que apaga e destrói, o que se alinha perfeitamente com o papel dessas criaturas no enredo.

Escolhas tradutórias

Dentro do universo da série existem os Cavaleiros Radiantes, uma organização de pessoas com diversos poderes; cada “categoria” de poder tem um nome específico que descreve sua principal função — sua Ordem.  Na tradução oficial, porém, temos algumas escolhas um pouco equivocadas para os nomes dessas classes, pois ao longo da história o autor vai deixando clara a importância do paralelismo em vários aspectos do mundo, principalmente nos termos.

Para analisar a escolha de traduzir “Windrunners” para “Corredores dos Ventos”, é importante saber que esse termo se refere aos personagens capazes de manipular o vento e de voar usando a “Manipulação de Fluxos”. A tradução para “Corredores dos Ventos” transmite a ideia de movimento ágil e fluido, características essenciais desses personagens. A palavra “corredores” também evoca uma sensação de velocidade e liberdade, elementos centrais para os Windrunners, que são descritos como rápidos e livres em sua habilidade de controlar o vento. Até aí, tudo bem. O problema surge quando analisamos a tradução de “Skybreakers”, que ficou como “Rompe-Céus”. Como citado anteriormente, o paralelismo é algo extremamente importante, mas foi perdido aqui, uma vez que a primeira tradução escolheu uma estrutura sujeito + possessivo + adjetivo, e a segunda mudou para uma estrutura de amalgamação, utilizando hífen. Visando manter o paralelismo, todas as traduções deveriam seguir o mesmo padrão, o que não aconteceu. O quadro abaixo mostra as escolhas tradutórias feitas para as ordens dos Cavaleiros Radiantes.

LÍNGUA FONTETRADUÇÃO OFICIAL
WindrunnersCorredores dos Ventos
SkybreakersRompe-Céus
DustbringersPulverizadores
EdgedancersDançarinos de Precipícios
TruthwatchersSentinelas da Verdade
LightweaversTeceluzes
ElsecallersAlternautas
WillshapersPlasmadores
StonewardsGuardiões das Pedras
BondsmithsVinculadores

Essencialmente, as traduções não estão incorretas, pois cada termo em português corresponde a um possível equivalente em inglês. O problema é que cada tradução parece ter seguido uma estrutura diferente, talvez por desconhecimento da necessidade do paralelismo na obra por conta do tradutor, do editor ou até de um consultor, função incomum em equipes editoriais de livros de outros gêneros, mas muito comum nas equipes de tradução de livros de fantasia, justamente devido às regras específicas de cada mundo fictício, que devem ser seguidas para manter o texto traduzido o mais próximo possível do original.

Isso evidencia que, além de compreender a língua do texto fonte, é preciso também haver um conhecimento sobre a cultura fictícia, já que nesse caso o paralelismo é algo que vai ser demonstrado ao longo da série, não necessariamente em um primeiro ou segundo volume. Assim, o problema nesse caso não são as escolhas tradutórias, mas sim a estrutura da tradução em si.

Em resumo: é preciso estudar muito o universo fictício para fazer uma boa tradução para o universo real.

Este conteúdo foi produzido por:

Luan Henrique Lopes Ramalho

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Formado em Letras Inglês – Tradução e Interpretação pela Unimep e em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Anhanguera, tem pós-graduação em Gestão de Projetos e em Gestão de Pessoas pelo MBA USP/Esalq e atua como coordenador da equipe de Projetos e gerente de projetos na Skylar, onde trabalha desde 2018.

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