IA nos trilhos: eficiência no transporte metroviário

Inovação

15 de dezembro de 2025

IA nos trilhos: eficiência no transporte metroviário

Controle automatizado, manutenção preditiva e experiência personalizada dos passageiros consolidam tecnologia como motor de inovação no setor

O transporte metroviário é um dos pilares fundamentais da mobilidade urbana moderna. Nas grandes cidades, o metrô representa um meio de transporte eficiente, rápido e sustentável, responsável por conectar milhões de pessoas diariamente. De acordo com diretrizes da Union Internationale des Transports Publics (UITP) e do Banco Mundial, sistemas de alta capacidade como o metrô são essenciais para reduzir congestionamentos e a emissão de poluentes na atmosfera urbana.

No entanto, demanda crescente, desafios operacionais e expectativas dos usuários por qualidade e confiabilidade exigem que os sistemas se modernizem continuamente. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) surge como ferramenta estratégica, alinhada às recomendações da ISO/IEC 42001:2023 (padrão internacional de gestão de IA), capaz de otimizar a operação, reduzir custos, melhorar a experiência dos passageiros e aumentar a segurança, por meio de tecnologias que ajudam sistemas computacionais a realizar tarefas que tradicionalmente exigiriam inteligência humana, como reconhecimento de padrões, tomada de decisão, previsão e aprendizado com dados.

Aplicações      

Uma das principais aplicações da IA nos metrôs é a automação da operação dos trens. Muitos sistemas de ponta — como os de Paris, Londres, Cingapura e Hong Kong — seguem os referenciais técnicos da IEC 62290, que define os níveis de automação GoA (Grade of Automation). O GoA4, em que o trem opera sem condutor, utiliza sistemas de IA que processam continuamente informações de sensores, câmeras e sinalização para ajustar velocidade, frenagem e parada, garantindo máxima eficiência energética e segurança.

Outra aplicação relevante é o controle preditivo de tráfego. Esse tipo de solução está alinhado às práticas recomendadas pelo Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), especialmente nas normas de sistemas inteligentes de transporte (ITS).

Utilizando algoritmos de aprendizado de máquina, os sistemas podem prever o fluxo de passageiros em diferentes horários e estações, ajustando automaticamente o intervalo entre trens. Isso permite que o metrô opere com maior regularidade e evite superlotação em horários de pico. Além disso, a IA pode integrar dados externos — como eventos esportivos, condições climáticas ou incidentes no trânsito — para antecipar variações na demanda e planejar respostas rápidas.

Manutenção preditiva e confiabilidade

Tradicionalmente, os sistemas metroviários realizam manutenção preventiva, com base em cronogramas fixos. No entanto, esse modelo nem sempre é eficiente, pois pode levar à substituição desnecessária de componentes ainda em bom estado ou à falha inesperada de peças antes da revisão.

A manutenção preditiva baseada em IA vem revolucionando essa prática. Por meio da coleta e análise de dados de sensores instalados nos trens e equipamentos de via — como motores, freios, trilhos e sistemas elétricos —, algoritmos de inteligência artificial identificam padrões de desgaste e anomalias antes que causem falhas. Isso permite planejar intervenções de forma mais precisa, reduzindo paradas não programadas e custos desnecessários de manutenção. Além disso, aumenta-se a confiabilidade do serviço, pois os problemas são solucionados de forma proativa.

Um exemplo prático dessa aplicação é o uso de modelos de machine learning para prever a degradação dos eixos dos trens, o desgaste dos freios e o estado dos trilhos. O sistema “aprende” com dados históricos e ajusta suas previsões continuamente, indicando o momento ideal para cada reparo. Cidades como Londres e Tóquio já utilizam amplamente esse tipo de tecnologia em seus metrôs.

Segurança e vigilância

A inteligência artificial também é uma ferramenta poderosa na segurança dos passageiros, principalmente com o uso de visão computacional e análise inteligente de vídeo. Câmeras equipadas com algoritmos de IA podem detectar comportamentos suspeitos, quedas acidentais nas plataformas, presença de objetos abandonados e até sinais de emergência médica, como desmaios.

Esses sistemas podem acionar automaticamente os centros de controle, permitindo respostas imediatas das equipes de segurança ou socorro. Além disso, a IA contribui para otimizar o monitoramento humano, reduzindo a necessidade de operadores assistirem a dezenas de telas simultaneamente. Assim, a vigilância torna-se mais eficiente e menos suscetível a falhas humanas.

Outro avanço importante é o uso de IA para prevenção de acidentes operacionais. Sensores e câmeras nos túneis e estações podem identificar obstáculos, intrusões indevidas nas vias e variações anormais nas condições ambientais (como fumaça ou calor excessivo). O sistema, então, alerta automaticamente o controle central, evitando riscos antes que se tornem críticos.

Experiência do usuário

Além das melhorias operacionais, a IA também tem um papel crescente na experiência do passageiro. Sistemas de chatbots e assistentes virtuais podem fornecer informações em tempo real sobre horários, rotas, atrasos e alternativas de transporte, tanto em aplicativos quanto em totens instalados nas estações. Esses assistentes são capazes de interagir em linguagem natural, tornando a comunicação mais simples e acessível.

A IA também é utilizada para a análise do comportamento dos usuários, a partir de dados de bilhetagem eletrônica e sensores de presença. Essas informações ajudam as operadoras a entender padrões de deslocamento e otimizar campanhas de informação, obras e ações de melhoria. Em algumas cidades, sistemas de informação visual adaptam o conteúdo exibido nos painéis das estações conforme o perfil dos usuários presentes no local e à situação operacional em tempo real.

Eficiência energética e sustentabilidade

O consumo de energia é um dos principais custos de operação de um metrô. A inteligência artificial pode reduzir significativamente esse gasto por meio de algoritmos de condução automática otimizada, que ajustam aceleração e frenagem de acordo com o relevo, o peso do trem e o intervalo entre composições. Essa técnica, chamada de eco-driving automatizado, permite economias expressivas de energia elétrica e diminuição do desgaste dos componentes mecânicos.

Além disso, sistemas de IA também podem otimizar o uso de iluminação, ventilação e ar-condicionado nas estações, adaptando o funcionamento conforme o fluxo de pessoas e as condições climáticas. Essa gestão inteligente contribui para uma operação mais sustentável, com menos impacto ambiental.

Desafios e perspectivas

Apesar dos avanços, a adoção da inteligência artificial no transporte metroviário ainda enfrenta desafios. A integração de sistemas legados, os altos custos iniciais de implementação, a necessidade de profissionais qualificados em análise de dados e a proteção cibernética são fatores críticos. Além disso, é essencial garantir que o uso de dados dos passageiros siga princípios éticos e de privacidade.

No entanto, espera-se que os metrôs se tornem sistemas cada vez mais autônomos, integrados e inteligentes. O conceito de “metrô digital” — no qual todas as decisões operacionais são baseadas em dados em tempo real — já começa a se concretizar em cidades como Dubai e Pequim.

Dessa maneira, a inteligência artificial está transformando profundamente o transporte metroviário, tornando-o mais seguro, eficiente e centrado no usuário. Do controle automatizado dos trens à manutenção preditiva e à experiência personalizada dos passageiros, a IA se consolida como o motor da inovação no setor. À medida que as cidades crescem e as demandas por mobilidade se intensificam, investir em soluções inteligentes deixa de ser uma opção para se tornar uma necessidade.

Transporte metroviário no Brasil

A malha metroviária brasileira, somada aos sistemas de metrô leve e monotrilho, está concentrada em poucas regiões metropolitanas e representa um percentual reduzido da demanda de transporte coletivo nacional. A expansão ocorre de forma lenta, marcada por descontinuidades de financiamento, alternância de governos, limitações de investimentos federais e dependência de modelos complexos de PPPs e concessões.

Apesar disso, alguns sistemas se destacam pela operação eficiente e pelo avanço tecnológico, especialmente o do Metrô de São Paulo, referência continental em confiabilidade, integração tarifária e controle avançado de tráfego. Os principais desafios enfrentados pelo setor no Brasil são:

  • Fragmentação institucional: a divisão de responsabilidades entre Estados, Municípios e União dificulta a integração plena entre metrô, trens metropolitanos e ônibus, além de gerar lentidão decisória;
  • Dependência de modelos de financiamento complexos: PPPs e concessões são importantes, mas muitas vezes enfrentam insegurança jurídica, riscos regulatórios e instabilidade econômica;
  • Baixa digitalização operacional: alguns sistemas ainda operam com tecnologias legadas de sinalização, controle de tráfego e bilhetagem, o que limita a adoção de soluções avançadas de IA;
  • Desafios socioespaciais e urbanos: a expansão para áreas periféricas — onde a demanda é alta, mas a renda é menor — exige políticas públicas que conciliem viabilidade financeira e inclusão social;
  • Segurança operacional e cibersegurança: a modernização tecnológica aumenta a vulnerabilidade a ataques cibernéticos e exige protocolos e treinamentos contínuos.

Estratégias para o Futuro

A criação de um Programa Nacional de Trilhos é o primeiro passo essencial, pois, assim como ocorreu nos setores de energia e telecomunicações brasileiros, a mobilidade sobre trilhos precisa de um marco federal de financiamento permanente, com metas de expansão para 10, 20 e 30 anos. Em continuidade, torna-se igualmente importante o fortalecimento da integração metropolitana, o que envolve a adoção de bilhetagem única e o planejamento integrado das linhas, garantindo mais eficiência no sistema.

Além disso, o incentivo a modelos sustentáveis de PPPs exige atenção especial à estabilidade regulatória, à previsibilidade de receitas, à participação da União como garantidora e à padronização de contratos, assegurando governança e segurança jurídica.

Nada disso, porém, elimina a necessidade de manter o foco na equidade e na inclusão social, de modo que os projetos metroviários priorizem ligações com periferias densas, promovam uma distribuição mais equilibrada da oferta, assegurem tarifas acessíveis e articulem políticas que integrem desenvolvimento urbano e transporte.

Por fim, a modernização tecnológica baseada em IA desempenha papel decisivo nesse conjunto de diretrizes, envolvendo a adoção de sistemas CBTC e a automação em níveis GoA2, GoA3 e GoA4, o uso de algoritmos de otimização energética e a implementação de manutenção preditiva integrada, além de sistemas de análise inteligente de vídeo e da integração com cidades inteligentes e dados urbanos.

Perspectivas

O Brasil tem potencial para transformar suas redes metroferroviárias em sistemas modernos, eficientes e inteligentes. A convergência entre investimentos estruturais, políticas metropolitanas integradas e tecnologias emergentes — especialmente inteligência artificial — pode gerar uma nova era de mobilidade urbana, alinhada às necessidades sociais, ambientais e econômicas das grandes cidades brasileiras.

Com planejamento contínuo, governança estável e inovação tecnológica, o país tem condições de ampliar sua malha de trilhos, melhorar a qualidade do transporte público e construir um futuro mais sustentável e acessível. O metrô do futuro será, inevitavelmente, um metrô movido pela inteligência — não apenas de suas máquinas, mas da integração harmoniosa entre tecnologia, gestão e serviço público de qualidade.

Quem publicou esta coluna

Pedro Henrique Fabri Zanini

É gestor público com mais de 15 anos de experiência na administração pública, com atuação em Gestão de Contratos e Licitações, Administração Financeira e Orçamentária, ESG, cidades inteligentes e governo digital. Possui mestrado em Administração Pública, MBA em Gestão Pública, pós-graduação em Direito Público e graduação em Administração de Empresas. É professor orientador na USP/Esalq, autor de questões de concursos públicos para bancas examinadoras, escritor e membro do CRA/SP.

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