Gestão de pessoas em operações contínuas: conciliando <i>compliance</i> e bem-estar

Gestão De Pessoas

26 de setembro de 2025

Gestão de pessoas em operações contínuas: conciliando compliance e bem-estar

Boas práticas são fatores estratégicos para a sustentabilidade das operações e a retenção de talentos

Operações contínuas, caracterizadas pelo funcionamento ininterrupto 24 horas por dia, sete dias por semana, são essenciais em setores críticos como saúde, segurança, transporte, telecomunicações, indústria e serviços de tecnologia. Esses ambientes demandam equipes capazes de manter a produtividade e a qualidade do serviço independentemente do horário, o que exige modelos de jornada específicos (Kalkanis et al., 2023; Oliveira, 2021; Perez et al., 2019).

No Brasil, a escala 6 x 1 é a mais comum nos setores de comércio e serviços. Nesse formato, o colaborador trabalha seis dias consecutivos e tem um dia de descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Outras escalas existentes, segundo a legislação, incluem:

  • 12 x 36: doze horas seguidas, com 36 horas de descanso;
  • 5 x 2 ou 8 x 5: cinco dias de trabalho e dois de descanso — oito horas por dia (conhecido como “padrão” ou “horário comercial”, de segunda a sexta-feira das 9h às 18h);
  • 8 x 5 deslocados: muito similar à anterior, porém, em horários deslocados de início e término;
  • Escalas especiais: com jornadas mais curtas de quatro ou seis horas diárias, em dias alternados ou consecutivos.

O uso desses regimes está associado à necessidade de cobertura operacional contínua em mercados cada vez mais competitivos e orientados ao atendimento imediato. Contudo, sua aplicação impõe desafios relevantes à gestão de pessoas: é preciso assegurar o cumprimento das normas trabalhistas — incluindo limites de jornada, intervalos e concessão de folgas — e, simultaneamente, preservar o bem-estar físico e mental dos profissionais (Perez et al., 2019). O equilíbrio entre compliance e qualidade de vida torna-se, assim, um fator estratégico para a sustentabilidade das operações e a retenção de talentos em ambientes de alta demanda.

Marco legal e diretrizes de compliance

Na legislação brasileira, as jornadas de trabalho são definidas pela Constituição (art. 7º, incisos XIII e XIV) e detalhadas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, arts. 58–65). Qualquer que seja o regime de escalas adotado, ele deve respeitar o limite de 44 horas semanais, intervalo intrajornada e obrigatoriedade de registro de ponto nos estabelecimentos com mais de dez empregados.

A fiscalização trabalhista tem se intensificado após a reforma de 2017 (Lei 13.467/2017), que ampliou a negociação de compensação de horas por acordo individual e manteve a vedação à prestação habitual de horas extras sem previsão legal. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho reforça o ônus da prova sobre o empregador em casos de controvérsia sobre jornada, especialmente em turnos e jornadas extraordinárias, e pune o descumprimento com reconhecimento de horas não anotadas e indenizações por dano moral.

Adicionalmente, em recente atualização das normas regulamentadoras NR-5 e NR-17, o Ministério do Trabalho e Emprego ampliou o foco para além da saúde física, incluindo a saúde mental, a prevenção de assédio e a ergonomia organizacional. Essas normas passaram a adotar uma abordagem sistêmica, em que a organização do tempo de trabalho é vista como parte integral do ambiente saudável e seguro. A NR-1, que trata do gerenciamento de riscos ocupacionais, terá atualização que entra em vigor em maio de 2026, igualmente trazendo o reforço às atualizações das normas acima e destacando que a saúde mental (riscos psicossociais) esteja incluída. Ao adotar essas regulamentações, as empresas fortalecem a cultura de prevenção e envolvem todos os níveis hierárquicos na identificação de riscos e na construção de soluções adaptáveis para os regimes de escala.

Fortalecimento da CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (NR-5):
– Envolver representantes de todas as áreas na análise dos impactos das escalas sobre bem-estar físico e mental;
– Realizar inspeções e reuniões periódicas para mapear fatores de estresse e sinais precoces de adoecimento.
Aplicação da Ergonomia Organizacional (NR-17):
– Avaliar o arranjo de turnos e descansos como parte da análise ergonômica do trabalho;
– Ajustar cargas cognitivas e variabilidade de tarefas para minimizar fadiga e monotonia.
Prevenção de assédio e suporte à saúde mental (NR-1 e NR-5):
– Incluir avaliação de clima organizacional e canais confidenciais para denúncias;
– Oferecer treinamentos sobre comunicação respeitosa e estratégias de coping.
Integração com escalas de trabalho:
– Utilizar insights ergonômicos para calibrar duração e sequência de turnos.
– Garantir pausas programadas e rotinas de rotação compatíveis com cronotipos e responsabilidades pessoais.

Essa sinergia entre CIPA, ergonomia e desenho de escalas reforça a proteção integral do trabalhador, potencializa a prevenção de acidentes e promove um ambiente de trabalho mais equilibrado e produtivo, até porque a não observância das normas pode gerar prejuízos significativos à organização.

Evidências científicas

Segundo estudo de Kalkanis et al. (2023), quando o trabalhador adota horários fora da janela diurna, há forte dessincronização entre o ritmo circadiano e o ciclo luz-escuro, resultando em privação crônica de sono, insônia e sonolência excessiva durante o dia.

Entre 10% e 38% dos profissionais que trabalham em regime de turnos podem desenvolver transtorno do trabalho em turnos, caracterizado por dificuldade persistente para dormir ou manter-se desperto e redução do tempo total de sono.

Esses distúrbios elevam a ocorrência de síndrome metabólica, doenças cardiovasculares e problemas gastrointestinais como úlceras pépticas. Além disso, o trabalho em turnos está associado à piora da saúde mental, com aumento do risco de depressão e ansiedade (Kalkanis et al., 2023).

O estudo apresentado pelos autores cita ainda que a combinação de sono fragmentado e sonolência excessiva compromete o desempenho cognitivo e a capacidade de atenção, ampliando erros operacionais. Há outras evidências que mostram elevação no risco de acidentes ocupacionais e de trânsito, sobretudo após turnos noturnos.

Para mitigar a fadiga aguda, cochilos programados aumentam o tempo total de sono e melhoram a performance, ao mesmo tempo em que diminuem a necessidade de recuperação pós-turno. Por outro lado, trabalhadores exaustos tendem a recorrer com mais frequência a licenças médicas, elevando as taxas de absenteísmo e impactando o custo organizacional.

Desenho de escalas

O alinhamento das escalas de trabalho com os limites biológicos e sociais dos colaboradores é fundamental para mitigar os impactos negativos do turno. Projetar rotações em sentido horário, com sequência gradual de dias e noites, reduz o descompasso entre o relógio circadiano interno e o ciclo luz-escuro, minimizando distúrbios do sono e fadiga excessiva (Knauth, 1996; Oliveira, 2021).

Ainda segundo Knauf (1996), definir intervalos mínimos de descanso — por exemplo, pelo menos 48 horas livres após séries de três a quatro turnos — permite a restauração adequada das funções cognitivas e imunológicas. Ferramentas de monitoramento contínuo, como wearables (smartwatch e outros dispositivos) para rastreamento de padrões de sono e aplicativos de autorrelato de níveis de alerta, viabilizam ajustes dinâmicos na escala e suporte preventivo.

Considerar o perfil individual dos colaboradores (cronotipo, responsabilidades familiares, comorbidades) na alocação de turnos fortalece o engajamento e reduz o isolamento social, refletindo em maior segurança operacional e menor incidência de erros e acidentes (Kalkanis et al., 2023). Essa abordagem centrada no ser humano sustenta a conformidade legal e preserva a qualidade de vida, beneficiando tanto o colaborador quanto a organização.

Mapear as demandas operacionais e os ciclos de alta e baixa intensidade ajuda a distribuir turnos de forma equilibrada. A estratégia deve prever rotações progressivas (manhã→tarde→noite), evitando retrocessos súbitos que agravam o desalinhamento circadiano. Incorporar janelas fixas de descanso mínimo entre jornadas, por exemplo, 11 horas de intervalo legal somadas a períodos adicionais em picos de carga, garante que o colaborador tenha tempo de recuperação física e mental (Perez et al., 2019)

Realizar simulações de escala antes da publicação, testando cenários de sobrecarga e redistribuindo turnos críticos, antecipa possíveis picos de fadiga. Incluir revisões periódicas — trimestrais ou semestrais — permite adaptar o planejamento conforme mudança de volume de trabalho, sazonalidade ou feedback dos próprios operadores. Essa flexibilidade mantém as equipes mais descansadas e engajadas.

Treinamento de lideranças

Líderes são elementos-chave na promoção de bons ambientes de trabalho e precisam entender a dinâmica do trabalho em turnos e reconhecer sinais de fadiga nos membros do time (Oliveira, 2021). Treinamentos em comunicação empática ensinam a conduzir diálogos francos sobre dificuldades de adaptação, incentivando o colaborador a relatar exaustão ou problemas de saúde sem receio.

Desenvolver habilidades de planejamento de turnos em nível tático permite aos supervisores ajustarem escalas dentro de pequenas equipes para equilibrar carga de trabalho e períodos de descanso. Além disso, formar gestores na arte de oferecer feedback contínuo e solicitar retornos sobre a qualidade das escalas aumenta o senso de pertencimento e a corresponsabilidade, reduzindo rotatividade e absenteísmo.

A gestão de pessoas em operações contínuas demanda integração entre compliance, ergonomia organizacional e atenção às dimensões física e mental do colaborador. A implantação de escalas estratégicas — alinhadas às práticas e normativas internas, leis e normas regulamentadoras — e o uso de tecnologias analíticas viabilizam o monitoramento em tempo real de indicadores de fadiga, saúde e desempenho. Programas de saúde ocupacional, apoio psicológico e capacitação de lideranças fortalecem tanto a prevenção de riscos quanto o engajamento das equipes rotativas.

O desenho centrado no fator humano, que respeita ritmos circadianos, cronotipos e responsabilidades pessoais, promove mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal, reduzindo erros operacionais e demandas por licenças médicas. A adoção de práticas contínuas de revisão de escalas, aliada a processos participativos na CIPA, cria um ciclo de melhorias que reforça a segurança e a eficiência.

Outra proposta que vem ganhando relevância nas discussões é a escala 4×3 — com 4 dias de trabalho e 3 de folga. Empresas de diferentes países já testaram o formato e relataram resultados promissores. Com a recente aprovação dessa modalidade para os servidores do Senado Federal (Brasil, 2025), a expectativa é que ela ganhe mais adesão no mercado nacional. O leitor poderá acompanhar mais detalhes sobre esse modelo em uma próxima coluna desta revista.

Tais mudanças trazem mais luz ao tema, visto que as organizações começam a compreender que colocar o bem-estar do colaborador no cerne do planejamento de turnos não apenas assegura a conformidade legal, mas também viabiliza operações mais sustentáveis, resilientes e capazes de atrair e reter talentos em um mercado cada vez mais competitivo.

Para ter acesso às referências desse texto clique aqui

Quem publicou esta coluna

Alexandre Vieira de Oliveira

Engenheiro eletricista com doutorado em Administração pela FEA/USP. Atua há quase 30 anos em TI e Telecomunicações em funções de liderança, gestão de projetos, consultoria e docência. É autor de artigos científicos sobre Gestão de Pessoas em tecnologia. Tem mais de 20 certificações internacionais como especialista em TI.

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