A maldição da PoC gratuita
1 de setembro de 2025
7 min de leitura
Na boa prática da inovação aberta, o ideal é que startups e corporações mantenham relacionamento justo

A construção de parcerias é fundamental no ecossistema de inovação para que haja geração de valor entre os agentes que o compõem. Nesse contexto, investidores e clientes iniciais são partes importantes para que as engrenagens das startups comecem a girar.
A credencial de investidores de risco e de empresas são distintivos que fazem muita diferença para a jornada empreendedora. Mas, para vender algo no ambiente corporativo, é esperado que a cartilha dos negócios seja seguida. Olhando especificamente para as startups com soluções focadas em empresas que atuam no modelo B2B (business-to-business), há particularidades que precisam ser consideradas para que o início do relacionamento com os clientes não gere mais atrito do que receita.
Empresas que lidam com empresas são organizações em busca de um benefício comum. Nessa equação, vale lembrar que as startups são empresas em fase inicial, que buscam um modelo de negócio repetível, escalável, operando num ambiente de risco e incerteza. Como empresas que seguem uma trilha que já não costuma ser muito fácil, as startups devem tomar o cuidado de também evitar algumas “assombrações” corporativas e, assim, reduzir riscos que não costumam ser tão evidentes assim, como não combinar o jogo, atuar sem método e entregar resultado trabalhando de graça.
Não baixe o preço, aumente o valor percebido
Na boa prática da inovação aberta, o ideal é que startups e corporações mantenham um relacionamento justo, que seja produtivo e equilibrado, para favorecer o “ganha-ganha” entre as partes envolvidas. Infelizmente, ainda há casos que não seguem essa corrente.
E aqui existe uma corresponsabilidade, com algumas empresas barganhando o máximo que podem e empreendedores aflitos para fechar negócio a qualquer custo — algumas vezes até mesmo sem custo, mobilizando seus times para entregas de experimentações gratuitas.
A promessa de um grande contrato e a visibilidade que uma marca forte pode trazer para uma startup realmente é um ativo importante para quem está começando e faz muita diferença na hora de abrir portas. Porém, obter branding e reconhecimento como pagamento não é algo que faça as contas fecharem no longo prazo.
O que é dado está dado. Se é de graça, fica mais fácil de romper o compromisso caso surja outra prioridade dentro de uma organização. Imagine, ainda, a dificuldade de uma negociação futura, em que um comprador já parte da premissa de que a relação teve início em contrapartida unilateral e não precificada. Não será simples ajustar a percepção de valor para algo que já começou com preço no zero.
Mais do que seguir o que preconiza o velho ditado — “o combinado não sai caro” —, em projetos que visam avaliar o potencial de adoção e implementação em escala de um produto, é melhor que o escopo, os entregáveis e, principalmente, os valores sejam definidos já na largada, para maior efetividade da experimentação de novas tecnologias.
É possível até apontar algumas formas de experimentação que parecem destoar dessa recomendação de não oferecer o free lunch para potenciais clientes. Como parte da estratégia de marketing de algumas startups e empresas de base tecnológica, principalmente aquelas que atuam no segmento de software, as versões de trial, demo ou a abordagem freemium são formas de promover produtos a partir do uso e interação dos usuários sem cobranças.
No entanto, na grande maioria dessas degustações, os potenciais clientes testam os produtos na forma como já estão disponíveis, com limitações de algumas funcionalidades e num período determinado para consumo.
Demo | É a forma abreviada da palavra “demonstração”. Significa uma versão de teste ou amostra de um produto digital (software, jogo, música etc.). As demos costumam ser divulgadas entre os leads que possam ter interesse em experimentar o produto para aumentar a publicidade. |
Trial | Teste de produto ou serviço por tempo determinado. Por meio desse sistema, o usuário pode testar um aplicativo ou software trial, por exemplo, provando os benefícios na prática, antes de adquiri-lo. |
Freemium | É um modelo de negócios no qual as empresas oferecem aos usuários a versão mais básica de um produto gratuitamente, enquanto os incentivam a atualizar para uma versão premium paga que vem com recursos adicionais e avançados. |
Compartilhando riscos e resultados
O risco está presente no empreendimento das startups, e não seria diferente para quem toma o risco de atuar com elas. Mas há formas e métodos para mitigar essa questão com possibilidade de avaliar o valor, o conceito e a performance de novas soluções antes de estabelecer um compromisso mais firme entre desenvolvedores de tecnologia e corporações.
A PoV, a PoC e o Piloto são as formas mais praticadas com esse objetivo. A StartupBootcamp, rede global de investimento e aceleração de startups, ajuda com a definição desses métodos:
- PoV – Prova de Valor (o menor e mais focado dos experimentos)
- Objetivo: provar o valor de uma solução tanto para a startup quanto para a corporação.
- Condições comerciais: normalmente sem custos; ocasionalmente, os custos diretos são cobertos pelas partes envolvidas.
- PoC – Prova de Conceito (o experimento que serve de ponte entre a prova de valor e a passagem para um piloto ou acordo comercial)
- Objetivo: realizar um teste operacional, em pequena escala, com tempo e escopo específico definidos.
- Condições comerciais: normalmente, os custos diretos são cobertos pelo contratante. A contratação da PoC já envolve a área de compras da empresa, mas com aprovação mínima. O tempo alocado pela startup e pela corporação pode ser considerado contribuição em espécie (in-kind).
- Piloto – Projeto-piloto (forma de experimentação, com escopo técnico e condições comerciais pré-definidas, em escala maior do que a da PoC, impactando diretamente a operação e as áreas do negócio da corporação onde a solução será aplicada)
- Objetivo: utilizar resultados comprovados para cocriar e entregar valor real à empresa.
- Condições comerciais: contratação e aprovação da proposta do projeto com envolvimento da área de compras da empresa e das áreas de negócio envolvidas, em função do maior nível de investimento e da aplicação em ambiente operacional.
No fim do dia, independentemente de essas formas de experimentação serem bem-sucedidas ou não, as duas partes podem sair ganhando. De um lado, as empresas terão um dimensionamento melhor do investimento necessário para os testes, e os times envolvidos ganharão conhecimento em tecnologias emergentes e fluência para testes futuros com outros parceiros. Por sua vez, as startups poderão coletar feedback quanto à performance e à experiência de usuário, captar sugestões de melhorias e obter insights para dores que não estavam mapeadas.
Treino é treino; jogo é jogo
Na sabedoria popular, aquilo que é muito barato não costuma ser bem avaliado, e o que é de graça tende a ser subvalorizado. Também vem do conhecimento coletivo a afirmação de que “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. No entanto, experimentar as soluções das startups em ofertas subsidiadas por parceiros consolidados ou fornecedores tradicionais pode ser algo interessante do ponto de vista da cooperação e da geração de valor. Seria o “ver para crer” viabilizado por uma terceira parte, numa abordagem B2B2C (business-to-business-to-consumer).
É uma forma de oferecer acesso ao mercado e reduzir o custo de aquisição de clientes aos novos entrantes, mitigando o nível de desconfiança por parte dos adotantes iniciais em relação àquilo que ainda precisa ser provado. Claro que nessa mesa não existe almoço grátis. Big techs e fornecedores consolidados podem até ter maior margem para subsidiar testes gratuitos de startups parceiras que adicionem valor às suas ofertas, mas o custo costuma estar embutido nas entrelinhas das negociações comerciais e na participação nas vendas que se confirmarem. Teste é teste; contrato é contrato.
Ainda assim, esse exemplo de triangulação mostra como a inovação aberta se traduz em cooperação e resultado. Startups ganham escala, fornecedores consolidados atualizam e complementam seus portfólios, e seus clientes experimentam novidades que já foram qualificadas.
Antes PoC do que nunca
Entre os praticantes de inovação aberta no ambiente das corporações, há um senso comum de que experimentações de novas tecnologias devem ocorrer de forma estratégica e alinhada aos objetivos das empresas. Seja para incremento da eficiência operacional com foco no core business, seja para antecipar tendências que podem abrir o caminho para novos negócios ou novos mercados.
Para dar uma dimensão de como isso já ocorre no Brasil, de acordo com a plataforma 100 Open Startups, em 2024 foram realizadas mais de 62 mil parcerias de inovação aberta entre startups e empresas, resultando em R$ 10,8 bilhões em contratos, com um crescimento de 69% em relação a 2023. Entretanto, para quem já utiliza o potencial inventivo das startups para avançar na agenda do desenvolvimento tecnológico, manter os pés no chão é algo fundamental para evitar o desperdício de recursos (dinheiro, tempo e esforço), para mobilizar as áreas com potencial de adoção dentro das organizações e engajar as pessoas-chave para testar e implementar aquilo que tenha sinergia e ofereça uma boa relação entre investimento e retorno potencial.
Essa postura é uma forma de evitar aquilo que o ecossistema de inovação passou a chamar de “fábrica de PoCs”, onde empresas priorizam a esteira de inovação com várias experimentações, mas não necessariamente convertem em resultado prático e concreto.
De fato, é um desafio para profissionais de inovação fazer a gestão de projetos equilibrando a urgência de inovar, de sensibilizar pessoas e de comprovar resultados para soluções que ainda estão se consolidando no mercado.
Uma forma de equalizar essa balança é estruturar um portfólio de inovação com objetivos para curto e longo prazos, compondo um cesto com dois tipos de projeto: os de resultado rápido e os que demandam maior compromisso institucional. Seria algo como realizar uma maratona correndo vários sprints de 100 metros, para entregar valor imediato e obter um capital intangível, para não dizer político, necessário para seguir com iniciativas de maior ambição numa longa jornada de transformação e promoção da cultura de inovação.
Outra forma de dar visibilidade para os ativos gerados pela inovação aberta, que vale tanto para startups como para gestores de inovação, é consolidar resultados utilizando uma combinação de indicadores quantitativos e qualitativos. Alguns exemplos são:
- potencial de redução de custos;
- percentual de aumento em assertividade;
- diminuição de tempo para a execução de alguma atividade (quanti);
- índice de satisfação de usuários e clientes;
- atendimento à conformidade socioambiental;
- menor exposição de trabalhadores a riscos operacionais;
- redução de danos reputacionais (quali).
Depois de toda essa resenha, dá para notar que não tem receita pronta, muito menos grátis, para quem quer inovar ou precisa se manter inovador. Olhando o atual momento do mercado, em que a inovação tem sido renegada no planejamento e no orçamento das corporações, se você tiver que escolher entre fazer o rápido para entregar resultado ou priorizar os fundamentos para um business case relevante no longo prazo, prefira o caminho do meio. Para chegar longe, sem deixar de ser rápido.