
10 de dezembro de 2025
Candidaturas religiosas e de segurança nas eleições brasileiras para deputados (2014-2022): investigando a probabilidade de ser eleito(a)
Autor: Denis Berté Sálvia — Orientadora: Larissa Giardini Simões
Resumo elaborado pela ferramenta ResumeAI, solução de inteligência artificial desenvolvida pelo Instituto Pecege voltada à síntese e redação.
Este estudo verificou se candidatos a deputado estadual e federal com nomes de urna ou ocupações nas áreas religiosa e de segurança, entre 2014 e 2022, tiveram maior probabilidade de eleição. A análise mensurou o efeito dessas identidades em relação a variáveis sociodemográficas e contextuais, comparando o desempenho de uma técnica de aprendizado de máquina (Random Forest) com uma estatística tradicional (Regressão Logística Binária) para determinar a mais adequada ao problema. O impacto dessas identidades foi comparado a um conjunto de preditores como gênero, escolaridade, idade, estado civil, raça, posição política e macrorregião.
No Brasil, nomes de urna funcionam como heurísticas eleitorais, sendo atalhos cognitivos para influenciar o eleitorado (Boas, 2014). Marcadores como “Doutor” ou “Professor” associam o candidato a competências percebidas como positivas, simplificando a escolha em um ambiente de informação limitada (Amorim, 2023; Graça et al., 2025). Nesse contexto, candidaturas ligadas ao campo religioso e ao setor de segurança pública ganharam proeminência, refletindo a centralidade de pautas morais e de ordem no debate eleitoral.
O crescimento de candidaturas religiosas é documentado, com um aumento de 225% entre 2000 e 2024, sendo os nomes ligados a denominações evangélicas os mais proeminentes (Agência Brasil, 2024). Estudos analisam o fenômeno por meio da comunicação digital (Barba e Massuchin, 2024), campanhas municipais (Mezzomo e Pátaro, 2017) e classificações baseadas em nome de urna e ocupação para entender a influência da religião na política (Reis et al., 2022, 2024).
Paralelamente, a atenção às candidaturas da área de segurança se intensificou, com um crescimento de 36% no número de eleitos que utilizaram patentes militares no nome de urna entre 2000 e 2024 (Nexus, 2024b). Pesquisas têm traçado o perfil desses candidatos (Plácido e Gallo, 2021; Piazza e Landy, 2024) e modelos de regressão encontraram efeitos positivos no número de votos para eles em 2018 (Graça et al., 2025), reforçando a relevância do tema.
A investigação conjunta dos grupos religioso e de segurança se justifica por ambos emergirem de um contexto político de valorização de discursos conservadores e de ordem. Embora a relação entre religião e política seja mais estudada, a ascensão de candidaturas da segurança é um fenômeno mais recente. Este estudo realiza uma análise simultânea e comparativa do impacto de ambos na probabilidade de eleição ao longo de três ciclos (2014, 2018 e 2022), controlando por variáveis relevantes apontadas na literatura (Miguel, 2003; Junckes et al., 2015).
A pesquisa é quantitativa, explicativa e retrospectiva, comparando o desempenho da regressão logística binária (RLB) com o random forest (RF). Utilizou-se dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das eleições de 2014, 2018 e 2022. Os dados de 2014 e 2018 foram usados para treinamento e validação dos modelos, e os de 2022 como base de teste para avaliar a capacidade preditiva. As análises foram conduzidas separadamente para os cargos de deputado estadual e federal.
A classificação dos candidatos como “religioso” ou “segurança” seguiu critérios de estudos anteriores (Reis et al., 2022; Instituto Sou da Paz, 2024; Graça et al., 2025), baseando-se nas variáveis “NOMEDEURNA” e “OCUPAÇÃO” do TSE. Para a categoria “segurança”, foram utilizados termos como “cabo”, “capitão”, “coronel”, “delegado”, “policial” e “sargento”, e ocupações como “policial militar” e “membro das forças armadas”. Para “religioso”, os termos incluíram “pastor”, “padre”, “bispo”, “missionário” e a ocupação “sacerdote ou membro de ordem ou seita religiosa”. Em caso de sobreposição, o nome de urna teve precedência.
As variáveis explicativas categóricas (sexo, raça/cor, faixa etária, escolaridade, estado civil, espectro político do partido e macrorregião) foram transformadas em variáveis dummy. A variável dependente, o resultado eleitoral, foi codificada de forma binária (0 para “não eleito” e 1 para “eleito”). O extremo desbalanceamento dos dados, com cerca de 6,5% de eleitos, foi um desafio metodológico mitigado com técnicas de balanceamento. No Random Forest, realizou-se um Grid Search com validação cruzada para otimizar hiperparâmetros com base no F-score, aplicando também o parâmetro class_weight=’balanced’ (Fávero & Belfiore, 2022; Chen et al., 2004). Na Regressão Logística Binária, aplicou-se uma técnica de ponderação de amostras. A avaliação final dos modelos na base de teste foi realizada com base nas métricas de Acurácia, Recall, Precisão, F1-score e a área sob a curva ROC (AUC-ROC).
Na base de deputados estaduais (47.646 candidatos), 2,64% foram classificados como “religioso” e 5,48% como “segurança”. O modelo de Random Forest atribuiu baixa importância relativa a essas variáveis: “religioso” foi a menos importante de todas (1,5%), enquanto “segurança” atingiu 3%. As variáveis mais preditivas foram características sociodemográficas como escolaridade (ensino superior e médio), gênero (masculino), cor/raça (branca) e estado civil (casado), além da região Nordeste. Isso sugere que os marcadores de identidade contribuem muito pouco para explicar o sucesso eleitoral em comparação com fatores estruturais.
A Regressão Logística Binária para deputados estaduais corroborou esses achados. A variável “segurança” não apresentou significância estatística (p > 0,05) e foi removida do modelo. A variável “religioso” foi estatisticamente significante, mas com um coeficiente negativo, indicando que ser um candidato com essa identidade estava associado a uma redução nas chances de eleição (Odds Ratio = 0,83), correspondendo a uma probabilidade de sucesso de 45,3%. As variáveis com os efeitos positivos mais fortes foram novamente as sociodemográficas, como ter ensino superior, ser do gênero masculino, da cor/raça branca e ser casado.
Na base de teste de 2022 para deputados estaduais, o desempenho dos modelos foi modesto e semelhante. O Random Forest alcançou uma acurácia de 0,70 e um F1-score de 0,22, enquanto a Regressão Logística obteve 0,66 de acurácia e 0,20 de F1-score. Ambos apresentaram um recall razoável (0,66 e 0,70, respectivamente), mas uma precisão extremamente baixa (0,13 e 0,12), o que significa que a grande maioria dos candidatos previstos como “eleitos” não o foram. Esse alto número de falsos positivos, refletido nos baixos F1-scores e nas métricas de AUC-ROC (0,747 e 0,741), confirmou que não houve superioridade clara de uma abordagem sobre a outra.
Para a base de deputados federais (24.160 candidatos), 2,4% foram classificados como “religioso” e 5,8% como “segurança”. O modelo de Random Forest para esta base foi consistente com os da base estadual, atribuindo baixa importância relativa às variáveis de interesse. As características mais importantes para prever a eleição foram, novamente, escolaridade superior, gênero masculino, cor/raça branca e estado civil casado, juntamente com as regiões Norte e Nordeste. Isso reforça que um perfil sociodemográfico específico é um preditor mais poderoso do que as identidades de nicho investigadas.
No modelo de Regressão Logística Binária para deputados federais, ambas as variáveis de interesse, “religioso” e “segurança”, foram estatisticamente significativas, mas apresentaram coeficientes negativos. Ser um candidato com identidade religiosa associou-se a uma probabilidade de eleição de 43,2% (OR=0,76), enquanto para a identidade de segurança, a probabilidade foi de 41,3% (OR=0,70). Este achado contraintuitivo sugere que, ao controlar por outras variáveis, essas identidades podem representar uma desvantagem. As variáveis com os maiores efeitos positivos foram novamente escolaridade superior, pertencer a um partido de esquerda ou direita (em comparação com o centro), ser do gênero masculino e da cor/raça branca.
A comparação de desempenho dos modelos na base de teste para deputados federais espelhou os resultados da análise estadual. As métricas foram próximas, com o Random Forest atingindo uma acurácia de 0,70 e um F1-score de 0,19, e a Regressão Logística alcançando 0,64 de acurácia e 0,17 de F1-score. Novamente, os modelos exibiram recall moderado (0,66 e 0,71) mas precisão muito baixa (0,11 e 0,10), indicando uma alta taxa de falsos positivos. As curvas AUC-ROC (0,747 e 0,741) confirmaram a ausência de um vencedor claro. A performance geral sugere que a previsão do sucesso eleitoral requer a inclusão de outras variáveis não disponíveis nos dados do TSE, como financiamento de campanha, tempo de televisão e status de incumbência.
Os resultados indicam que as identidades religiosa e de segurança, quando controladas por fatores demográficos e políticos mais robustos, não se mostraram como um trunfo para aumentar a probabilidade de eleição para deputado entre 2014 e 2022. Ao contrário, os modelos de regressão apontaram uma associação negativa. Este achado, aparentemente paradoxal frente à crescente visibilidade desses grupos, pode ser explicado pela heterogeneidade interna dos candidatos. O sucesso eleitoral de indivíduos desses grupos pode ser mais atribuível a fatores clássicos da ciência política, como capital político e financeiro, do que ao rótulo identitário em si. A força preditiva avassaladora de variáveis como escolaridade, gênero e raça pode ofuscar o impacto de atributos mais específicos.
Em suma, este estudo analisou a probabilidade de eleição de candidatos com perfis religioso e de segurança. As análises, utilizando tanto Random Forest quanto Regressão Logística Binária, demonstraram que, embora estatisticamente significantes em alguns modelos, essas identidades estão associadas a uma redução, e não a um aumento, na probabilidade de eleição para deputados estaduais e federais nas eleições de 2014, 2018 e 2022, quando controladas por variáveis sociodemográficas e contextuais mais influentes. A comparação entre os modelos analíticos não revelou uma vantagem clara de uma técnica sobre a outra, com ambas apresentando desempenho modesto e dificuldades em classificar corretamente os candidatos eleitos devido a uma alta taxa de falsos positivos.
As limitações do estudo incluem o desbalanceamento da variável dependente e a ausência de variáveis cruciais como gastos de campanha e status de reeleição. Para pesquisas futuras, sugere-se a incorporação dessas variáveis, bem como a exploração de modelos que capturem efeitos de interação entre as identidades de interesse e outras características. Análises longitudinais focadas em cada eleição separadamente poderiam revelar dinâmicas temporais específicas, e a aplicação dessas análises em eleições municipais poderia oferecer um contraponto interessante. Conclui-se que o objetivo foi atingido: demonstrou-se que as identidades religiosa e de segurança, ao contrário do esperado, estão associadas a uma redução na probabilidade de eleição para deputado federal e estadual no período analisado, quando controladas por outras variáveis sociodemográficas e políticas.
Referências:
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Resumo executivo oriundo de Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Data Science e Analytics do MBA USP/Esalq
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