Conexões que transformam: o evento científico como propulsor do conhecimento
22 de agosto de 2024
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Natureza interdisciplinar dos encontros permite que ideias de diversos campos se cruzem, gerando inovações
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Essa frase do poeta Vinicius de Moraes destaca a importância de buscar e valorizar as conexões com outras pessoas, mesmo em uma sociedade repleta de desafios e diferenças. Promover o encontro de ideias sempre foi um desafio para a humanidade.
Na Idade Média, a Rota da Seda, que conectava o Oriente ao Ocidente para facilitar o comércio, também promovia o intercâmbio cultural e filosófico (LEHG, 2023). Ideias de matemática, medicina e filosofia, além de crenças e culturas, espalharam-se por essas rotas, influenciando civilizações em ambos os lados do continente.
Na era contemporânea, os eventos científicos assumiram um papel similar, criando pontes entre o conhecimento e as nações. Seja através de conferências internacionais, simpósios, workshops, congressos ou seminários, essas reuniões continuam a ser cruciais para a divulgação científica e o fomento de colaborações.
Assim como as antigas rotas de comércio, os eventos científicos atuais facilitam o fluxo de informações e promovem o avanço coletivo. As implicações epistemológicas e socioconstrutivistas, evidenciadas pelo recente estudo de Ramos (2024), reafirmam que a construção do saber e o desenvolvimento estão intrinsecamente ligados às interações sociais e interdisciplinares da ciência.
Foi em conferências científicas, por exemplo, que muitos avanços em física quântica e genética ocorreram, graças ao intercâmbio de ideias e à diversidade de pensamentos. O Projeto Genoma Humano, um esforço internacional de pesquisa para determinar os pares de bases que compõem o DNA humano, é um dos casos mais célebres.
O programa – uma das maiores pesquisas contínuas já realizadas – começou nos anos 80 e foi desenvolvido por meio de várias conferências internacionais entre diversos pesquisadores do mundo todo, até que, em 2003, o genoma humano foi declarado sequenciado (Jornal USP, 2018). Até hoje o projeto mobiliza diversos cientistas globalmente. Sem essa conexão entre pesquisadores, cientistas, países e tecnologias diferentes, talvez o estudo não tivesse alcançado o êxito que teve.
Esses encontros proporcionam oportunidades para que cientistas apresentem suas pesquisas, tenham contato com descobertas de vanguarda e estabeleçam parcerias globais (Ministério da Educação, 2017). Além disso, a crescente especialização dos profissionais em temas específicos pode acarretar uma limitação na visão geral; por outro lado, a natureza interdisciplinar dos eventos científicos permite que ideias de diversos campos se cruzem, gerando inovações inesperadas.
Ainda assim, esses eventos não estão livres de desafios, como, por exemplo, assegurar a adesão das mais diversas vozes do conhecimento (Spiess e Mattedi, 2019). Durante o período da pandemia de Covid-19, a maioria dos congressos passou a ser oferecida na modalidade à distância, o que amenizou essa lacuna. E essa tendência se mantém até hoje, já que a mescla entre eventos presenciais e transmitidos on-line otimiza a experiência do usuário e permite a reunião de pessoas das mais diversas regiões geográficas.
Na medida em que promovem a democratização do conhecimento, os eventos científicos devem continuar a evoluir, utilizando tecnologias digitais para ampliar seu alcance e assegurar que cada vez mais mentes brilhantes possam contribuir com perspectivas únicas. Em essência, eles são um testemunho do valor contínuo da colaboração humana na busca por compreender e melhorar o mundo.
Panorama atual e desafios
Os congressos visam também estabelecer a integração entre ciência e educação, para contribuir com o desenvolvimento dos países. Foi nessa seara que a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) foi realizada, no início de julho de 2024, em Brasília (DF). Os debates se aprofundaram no tema “Ciência para a Educação e a Educação para a Ciência”, abordando, entre outras questões, a conexão entre o fomento à pesquisa e o desenvolvimento econômico e social do país, ou seja, com os propósitos de suprir as demandas do mercado e ajudar na formação de uma população mais consciente a respeito da importância da ciência.
Essa discussão contrasta com os números divulgados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que apontam uma queda na produção científica brasileira nos últimos anos (veja quadro abaixo); outro dado preocupante é o fato de que, desde 2013, os investimentos públicos federais em pesquisa e desenvolvimento vêm caindo no país.
Segundo um relatório da editora Elsevier e da Agência Bori divulgado no primeiro semestre de 2024, o dispêndio público federal em pesquisa e desenvolvimento atingiu o ápice em 2012, quando o investimento atingiu R$ 50 milhões. Desde então observa-se uma queda acentuada nos números e, em 2022, o valor não ultrapassou R$ 35 milhões. Esse panorama impactou a publicação de artigos no Brasil. O gráfico abaixo mostra os Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, com a quantidade de artigos brasileiros que foram indexados pela Scopus – maior base de dados mundial de resumos e citações de literatura revisada por pares – e o percentual em relação ao mundo entre 1996-2023.
A queda nos investimentos tem impacto direto também na realização dos eventos científicos, o que evidencia ainda mais o pouco incentivo para a pesquisa no país (Spiess e Mattedi, 2019). Dentro desse cenário, os congressos científicos se tornam ainda mais relevantes, funcionando como catalisadores para a discussão sobre os rumos da pesquisa no país e a sua revitalização.
É a partir desses eventos que fica evidente a importância da comunicação na ciência, para que pesquisadores compartilhem descobertas, discutam as dificuldades enfrentadas devido ao corte de investimentos e planejem medidas para superá-las. Além de apresentar pesquisas atuais, os congressos são fundamentais para fomentar colaborações, pois, para muitos alunos recém-graduados, apresentar trabalhos em congressos representa a primeira oportunidade de angariar experiências e contribuições dos avaliadores e, com isso, aumentar suas chances de publicação em periódicos científicos.
Além de promover um ambiente onde a ciência e a educação se encontrem, os congressos também devem ter um papel de influenciar políticas públicas que assegurem o financiamento contínuo para a ciência, de maneira que o Brasil possa não apenas aumentar seu legado científico, mas também expandir sua influência no cenário global.
O congresso na prática
Um dos mais longínquos eventos científicos da área de ciências sociais do Brasil, o Congresso da Sociedade Brasileira de Administração, Economia e Sociologia Rural (Sober) realizou sua 62ª edição no final de julho de 2024, na Universidade Federal do Tocantins (região norte do Brasil). O congresso deste ano focou no tema “Bioeconomia, cadeias de valor e desafios do desenvolvimento regional”.
Estiveram presentes pesquisadores, alunos de graduação e de especialização, mestres e doutores, representando instituições das cinco regiões do Brasil. Um total de 456 trabalhos foram apresentados dentro dos cinco dias do evento. Além disso, o congresso contou com 20 painelistas e seis painéis conduzidos por especialistas de diversos setores.
O presidente da Sober, Alcido Elenor Wander, afirmou que “o evento foi muito positivo, com trabalhos de altíssima qualidade, painéis e discussões muito ricas”, destacando seu apoio para a divulgação científica. O coordenador científico da instituição, Lucílio Aparecido Alves, foi além e disse que o congresso tem papel, inclusive, na formação de profissionais. “Nós temos representantes da graduação e da pós-graduação; profissionais que vão desde os menos aos mais experientes”, afirmou. O evento reúne, segundo ele, “especialistas distribuídos pelo Brasil inteiro, que se encontram uma vez por ano para tratar de diferentes temáticas, levando melhorias para as políticas públicas”.
Congressos como o da Sober reforçam a importância da comunicação eficaz na ciência e oferecem uma plataforma para que todos os envolvidos, desde alunos de graduação até profissionais experientes, contribuam e se beneficiem mutuamente. O impacto positivo desses eventos no cenário científico nacional não se limita à divulgação de pesquisas existentes, mas também catalisa novas colaborações e traça um panorama do que está sendo pesquisado nas instituições pelo país, o que pode influenciar significativamente as discussões de problemas regionais, sociais e econômicos apresentados durante os eventos, afinal, os encontros que a vida proporciona devem ser aproveitados.
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Este conteúdo foi produzido por:
Luiz Eduardo Giovanelli
Editor-assistente da Revista Estratégias e Soluções. Mestrando em Administração pela Universidade de São Paulo. Especialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e graduado em Administração pela Universidade Estadual do Norte do Paraná.