Ações da gestão escolar a partir do reconhecimento do capital histórico-cultural de sua comunidade
31 de março de 2023
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DOI: 10.22167/2675-6528-20230019
E&S 2023,4: e202300019
Vera Maria Pupim Perdonatti; Milena Pedroso Ruella Martins
Muitas são as variáveis a serem levadas em conta ao se analisar a qualidade, equidade e igualdade no oferecimento da educação, uma vez que há de se ter claro que também são diversos os atores envolvidos e múltiplas as condições contextuais e circunstanciais em que desenvolvem suas ações no campo da escolarização. Inferindo-se assim que, quando a gestão escolar nas ações da dimensão pedagógica não considera a herança histórico-cultural familiar ela tende a excluir aqueles que não receberam a cultura dominante a qual legitima – tendendo, dessa feita, a colaborar com a reprodução das desigualdades sociais[1]. Esta é, por exemplo, a lógica reproduzida na instituição escolar que forma as pessoas como diferentes e acabam por produzir nelas diferenças que serão permanentes[2].
O projeto político pedagógico é a carta de intenções da escola. Nesse sentido, pode ser entendido como um instrumento instituinte de um conjunto de princípios, dentre eles o princípio educativo preconizado por uma gestão democrática. Diante desse pensamento, o projeto político pedagógico é um instrumento que possibilita materializar os anseios e sonhos onde cada escola vislumbra chegar – daí o termo “político”, que fortalece a ideia de autonomia e gestão. Na natureza do ato pedagógico, figura a autonomia e a gestão democrática e ao fazer suas escolhas, desenhar seus caminhos, vislumbrar os reflexos futuros, esta escola exercita a autonomia e faz uma opção política que legitima a comunidade escolar considerando o seu lugar[3]. Ou seja, sua territorialidade aqui defendida como uma forma de apropriação de espaços sociais que lhe são próprios, mobilizando-se em prol de uma ação coletiva e, portanto, valorizando o seu capital histórico cultural[4].
Nessa lógica, Paulo Freire[5], provoca a reflexão quando nos diz que em uma prática educativa progressista, não se pode desprezar a questão da identidade cultural dos estudantes – se referindo às dimensões individual e de classe. Estando aí o papel da gestão escolar em envolver democraticamente a sua comunidade interna e externa ao pensar e executar o projeto político pedagógico da escola. Portanto, nessa perspectiva, e focalizando a escolarização, cabe à escola considerar a identidade cultural dos seus estudantes, assim como também, levar em conta a história de toda trajetória da vida escolar de cada um, e ainda, considerar as variáveis e diversidade dos grupos de estudantes, agindo politicamente, em favor das aprendizagens que lhes são de direito[2].
Assim, sob tais fundamentações este trabalho de pesquisa teve por objetivo compreender, analisar, refletir e gerar sugestões para práticas em gestão escolar e sobre como esta identifica e reconhece o capital histórico-cultural da sua comunidade e como o considera nas propostas do projeto pedagógico da escola, visando a melhoria dos resultados das aprendizagens. A pesquisa levantou dados e informações contidos nas propostas pedagógicas de escolas de duas redes municipais e uma particular de educação, identificando nos registros desses documentos indicativos das características da comunidade escolar, como: perfil sócio histórico cultural, escolarização dos pais ou responsáveis, grau de formação dos pais, localização territorial da escola, costumes e hábitos da comunidade, entre outros e, propostas de ação pedagógica que as considerassem, visando a melhoria dos resultados das aprendizagens.
A coleta de dados ocorreu por meio de questionário on-line com os respectivos gestores escolares, levantando indicadores de formação profissional, tempo na profissão, percepção sócio-histórico-cultural da comunidade escolar – incluindo os docentes e, ações gestoras geradas a partir dessa percepção, que visassem a melhoria e garantia dos direitos de aprendizagem e a consequente qualidade do ensino ofertado. Os projetos pedagógicos pertenciam à oito escolas da rede municipal e particular de ensino, circunscritas a quatro micros regiões do estado de São Paulo – Araraquara, Barretos, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. São elas, quatro unidades escolares de redes municipais de educação conveniadas com um determinado sistema de ensino as quais, uma escola de educação infantil e três escolas de ensino fundamental, sendo uma de anos iniciais e duas de anos finais.
Das escolas da rede de ensino particular, são quatro as participantes da pesquisa, que funcionam: uma com educação infantil, ensino fundamental inicial, final e médio e três com o ensino fundamental inicial, final e médio. Essa análise buscou detectar as características e peculiaridades de cada escola em favor da equidade, igualdade e o direito a uma aprendizagem de qualidade, considerando para isso o capital histórico-cultural de sua comunidade e a compreensão das características do território em que a escola se localiza.
A análise documental dos projetos político pedagógicos de cada escola selecionada foi pautada por questões norteadoras, a saber: 1. Há nos registros dos documentos a consideração das características sócio-histórico-culturais da comunidade escolar?; 2. Há ações propostas para promover a aproximação das famílias dos estudantes à escola com a finalidade de reconhecimento do seu capital histórico-cultural?; e 3. Há propostas de ação pedagógica envolvendo práticas gestoras e docentes que consideram o capital histórico-cultural da comunidade escolar, visando a melhoria dos resultados das aprendizagens dos estudantes?
Quanto à pesquisa de campo foi aplicado questionário “on-line”, através de plataforma digital com os gestores escolares das escolas mencionadas, doravante, diretores de escolas, coordenadores pedagógicos e técnicos educacionais, totalizando aproximadamente vinte e dois participantes convidados. Foram propostas cinco questões, sendo: 1. Qual a sua formação profissional e quanto tempo atua na gestão escolar*? *(Direção Escolar ou Coordenação Pedagógica); 2. Você reside no bairro ou região da escola? Isso facilita ou dificulta a possibilidade de conhecer as características culturais, sociais e econômicas da comunidade escolar? Por quê?; 3. Qual a sua percepção quanto ao capital histórico cultural (história de vida, cultura familiar) da comunidade escolar (famílias/estudantes, funcionários da escola e docentes)?; 4. Que tipo de ações a escola realiza para promover a aproximação das famílias dos estudantes à escola com a finalidade de reconhecimento do seu capital histórico-cultural de vida e cultura familiar)?; e 5. O que você, gestor escolar, considera ao formular e sistematizar propostas de ações gestoras no projeto pedagógico, visando a melhoria das aprendizagens dos estudantes?
As características sócio-histórico culturais das escolas correspondem aos critérios de análise dos projetos pedagógicos das escolas das redes municipais – Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) e rede particular – Centro Educacional (CE), denominados de plano de gestão escolar. A partir das análises registradas e tomando-se o primeiro critério de análise (Registros da consideração das características sócio-histórico-culturais da comunidade escolar), na EMEB 1, identifica-se a condição socioeconômica, situação de trabalho das famílias, características das relações sociais da comunidade e condições de moradia. Observa-se que em três das escolas das redes municipais analisadas EMEB 2, 3 e 4, é evidenciada a consideração da comunidade apenas no quesito oferecimento de vagas.
Das escolas da rede privada, no CE 1 e CE 3 evidencia-se a localização de habitação dos estudantes, o percentual de estudantes com isenção de mensalidades por baixa renda, enquanto em uma das escolas CE 4, é evidenciada a característica socioeconômica e cultural e a sua relação com as aprendizagens e, em uma delas o CE 2, não foi identificada consideração das características sócio-histórico-culturais da comunidade escolar.
Quanto ao segundo critério (Propostas para promover a aproximação das famílias dos estudantes à escola com a finalidade de reconhecimento do seu capital histórico cultural), as propostas das escolas das redes municipais tendem, no caso da EMEB, ao envolvimento da comunidade escolar local e pais na participação de assuntos escolares, convidar a comunidade a participar de reuniões para programação de atividades festivas e culturais, fortalecer o vínculo com a família e a comunidade em parceria no processo de formação dos alunos, medidas de orientação aos pais e alunos referentes às faltas e os prejuízos que esta resulta para os alunos. Na EMEB 2, aproximação com as famílias para melhoria de comunicação sobre incidentes e experiências das crianças. Na EMEB 3, a proposta de aproximação se refere a problemas com a indisciplina e, na EMEB 4, há proposta de projeto da família na escola, projeto frequência e, aproximação por meio de festa junina.
Da rede privada a escola CE 1, as propostas de aproximação com as famílias se dão com a finalidade de, por meio de pesquisas, levantar fragilidades e potencialidades para tratar sobre o desempenho e as aprendizagens dos estudantes. A escola CE 2, apresenta a proposta de meta para intensificar a parceria escola e família para conscientizar do seu papel, assim como também para apoiar sobre a melhoria do interesse dos estudantes para os estudos e as aprendizagens. A escola CE 3, a proposta de aproximação se dá no sentido de oferecer oportunidade para as famílias expressarem sua visão da escola e, para a escola CE 4, a aproximação se fará por meio de reuniões para entrega de resultados e informação das dificuldades, avanços e desempenho global dos estudantes, e por meio de atendimentos às famílias na solução de problemas.
Em relação ao terceiro critério de análise (Propostas de ação pedagógica envolvendo práticas gestoras e docentes que consideram o capital histórico cultural da comunidade escolar visando a melhoria dos resultados das aprendizagens dos estudantes), as escolas das redes municipais como a EMEB 1, com o intento da escola cidadã, propõe resgatar a identidade do aluno enquanto sujeito do processo de aprendizagem, favorecer a participação dos alunos nos espaços da vida social e política da comunidade e fortalecer o domínio ético nas relações interpessoais e grupais. EMEB 2, apresenta meta de tornar a escola um espaço de convivência e construção de identidade e de oportunidades educacionais entre as diferentes classes sociais, no que se refere ao acesso aos bens culturais e às possibilidades de vivência da infância. A EMEB 3, propõe compromisso em elaborar situações de aprendizagem que partam dos conhecimentos que os estudantes possuem e meta de valorizar os espaços culturais da cidade e da região como espaços de aprendizagem e, a EMEB 4, também apresenta proposta de elaborar situações de aprendizagem que partam dos conhecimentos que os estudantes possuem, estabelecimento de comunicação com a comunidade escolar e com a sociedade, atenção aos estudantes com dificuldades de aprendizagem e às suas famílias.
Quanto as escolas da rede privada o CE 1, apresenta proposta de estudos da equipe gestora e docentes sobre o desempenho dos estudantes, levantamento de informações contextuais da escola e seu entorno para oferecer subsídios ao avanço das aprendizagens, responsabilizando todos os envolvidos no processo educativo. O CE 2, propõe identificar fatores que dificultam o envolvimento da família no cotidiano escolar e apoiar e contribuir na formação do estudante como cidadão consciente que se reconhece como sujeito capaz de intervir na realidade social, consolidando seus planos em um projeto de vida e para a sociedade. O CE 3, apresenta proposta de contribuir com a elevação do capital histórico-cultural da comunidade escolar e, o CE 4, propõe ampliar os meios de comunicação entre escolas e família como os momentos de escuta com as famílias e realizar pesquisa de satisfação.
Partindo da análise documental dos projetos pedagógicos e plano de gestão escolar das escolas das redes de educação referenciadas nesta pesquisa, de modo mais abrangente, é possível inferir que embora se identifique em todos os documentos a preocupação em considerar a comunidade ou as famílias dos estudantes, esta consideração se expressa ora em buscar auxílio focalizando apenas o processo de ensino ou formação geral, ora para questões comportamentais e de frequência dos estudantes, ora para participação em propostas de festividades, ou se verifica com menor evidência para envolve-las em assuntos escolares, ou para observar a sua satisfação ante ao que a escola propõe nos seus processos de ensino.
Observa-se que, no caso de três das quatro escolas da rede particular em que foi possível identificar registros para o primeiro critério, há preocupação em apresentar a característica da comunidade escolar, mas, no entanto, essas características identificadas pouco se mostram nas propostas da gestão escolar em favor de considerá-las no processo de ensino e aprendizagem, como se pode observar por meio da análise do segundo e terceiro critérios. No caso de três das quatro escolas da rede municipal, a consideração das características sócio-histórico-cultural da comunidade se dá no atendimento ao oferecimento de vagas, que de acordo com os registros, são consideradas como necessidades da comunidade, e em uma delas, o reconhecimento se apresenta levando em conta outros fatores como moradia, emprego e características sociais das famílias. Assim como nas escolas da rede particular, essas características pouco se demonstram explicitadas nos projetos pedagógicos em favor de propostas da gestão escolar considerando os critérios de análise 2 (Propostas para promover a aproximação das famílias dos estudantes à escola com a finalidade de reconhecimento do seu capital histórico cultural) e 3 (Propostas de ação pedagógica envolvendo práticas gestoras e docentes que consideram o capital histórico cultural da comunidade escolar visando a melhoria dos resultados das aprendizagens dos estudantes).
Quanto ao segundo critério que trata da aproximação das famílias junto a escola com a finalidade de reconhecer seu capital histórico-cultural em favor da busca de propostas curriculares que viabilize a melhoria das aprendizagens, tanto nos registros das escolas das redes municipais quanto da rede particular, a consideração da escola às famílias dos estudantes se apresenta, grosso modo, como intencionalidade de viabilizar melhores condições de desempenho dos estudantes. No entanto, ao analisar mais detidamente as propostas, nas escolas da rede particular, essa aproximação se apresenta em três das quatro escolas como possibilidade de informação sobre os resultados das aprendizagens, parceria em resolver problemas de ensino ou envolvimento das famílias no acompanhamento aos estudantes e, em uma das escolas a aproximação se mostra em ouvir as famílias sobre suas percepções quanto as ações da escola.
Nas escolas das redes municipais, a aproximação ocorre em propostas de festividades e eventos escolares, para a solução de problemas de assiduidade, indisciplina, melhoria da comunicação sobre incidentes e com vistas as vivências escolares dos estudantes e, em apenas uma das escolas identifica-se a intenção de valorizar a comunidade como parceira na formação deles. À vista dos registros, em ambos os casos a forma de aproximação entre escola e família distancia-se da ação de reconhecimento do capital histórico-cultural delas em favor de propostas escolares para a melhoria das aprendizagens.
Ao analisar os registros com base no terceiro critério que aborda a ação pedagógica envolvendo práticas gestoras e docentes que consideram o capital histórico-cultural da comunidade em favor da melhoria dos resultados das aprendizagens, observa-se que essa preocupação está presente para as escolas das duas redes de ensino. Todavia, ao analisar detalhadamente cada uma das escolas, constata-se que nas escolas da rede particular, as ações pedagógicas propostas se apresentam no sentido de levantar informações contextuais da escola e entorno, identificar fatores familiares que dificultam o apoio ao estudante em seu projeto de vida e sua formação como cidadão, melhoria da comunicação e escuta das famílias e, uma das quatro escolas aponta a intenção de contribuir com a elevação do capital histórico cultural da comunidade escolar.
Nas escolas das redes municipais, as ações pedagógicas indicam intencionalidade em resgatar a identidade do estudante como sujeito do processo de aprendizagem, favorecendo sua participação na vida social e política da comunidade, tornar a escola local de convivência e construção de identidade e oportunidades educacionais entre as diferentes classes sociais, compromisso em partir dos conhecimentos dos estudantes, valorizar os espaços culturais como espaços de aprendizagem, estabelecer processo de comunicação com a comunidade e sociedade.
Assim, ao relacionar os aspectos apontados pelas escolas da rede particular, bem como das redes municipais ao terceiro critério de análise, não se verificam propostas efetivas de ação pedagógica envolvendo práticas gestoras e docentes que busquem identificar e levar em consideração as características do capital sócio-histórico-cultural da comunidade escolar. As proposições apontam para a possível existência de percepção da necessidade de considerar as peculiaridades e características da comunidade e território, mas, no entanto, se apresentam generalistas e pouco aproximadas às intenções de planejamento de práticas pedagógicas que possibilitem melhores condições de aprendizagem aos estudantes.
O questionário aplicado aos gestores escolares das escolas em estudo totalizou dezenove respondentes dos vinte e dois gestores escolares convidados das duas redes de ensino municipais e da rede particular de ensino. Ao analisar os dados a partir da primeira questão proposta aos participantes da pesquisa representados, identifica-se que 94,73% dos profissionais que atuam na gestão escolar nas duas redes de educação possuem licenciatura em pedagogia. Além da formação pedagógica informam que possuem bacharelado ou licenciatura em arte, ciências biológicas, ciências da computação, letras, história e matemática. Também informam ter cursado pós-graduação 40% dos gestores escolares das redes municipais e, 33,3% dos gestores da rede particular.
Quanto ao tempo de atuação na gestão escolar, atuam em média aproximada de nove anos, sendo que a média de anos de atuação dos gestores das escolas das redes municipais são de 5,2 anos e, das escolas da rede particular são de 12,7 anos. Tais dados se compõem como indicadores importantes, visando compreender a percepção dos gestores escolares sobre a sua comunidade e a propositura de ações e práticas gestoras em prol da melhoria das aprendizagens dos estudantes.
Ao analisar as respostas dos participantes das duas redes de educação à questão 2, observa-se que 84,2% dos gestores informaram que não residem no bairro da escola e 15,8% informam que sim, residem. Dos que responderam por completo a questão, todos afirmam que não morar no bairro da escola não dificulta as possibilidades de conhecer as características culturais, sociais e econômicas da comunidade escolar. Embora, os que informaram residir no bairro afirmarem facilitar esse conhecimento.
Ante ao questionamento, identifica-se pelas respostas dadas pelos participantes que 84,2% considerando as duas redes de educação, demonstram ter percepção clara do capital histórico-cultural da comunidade escolar, confirmando o que afirmaram ao responderem à questão 2. As respostas à questão 4, possibilitam pistas de como essa percepção se constrói a partir das propostas de ação das escolas para aproximação das famílias em favor do conhecimento do seu capital histórico-cultural.
Conforme respostas apresentadas por 94,73% dos gestores escolares à questão 4, evidenciam o relato de ações com a finalidade de favorecer a aproximação das famílias à escola como: trazer os pais para discutir sobre as necessidades da escola como reformas, resolver situações de alunos, problemas com docentes e funcionários, esporte e ações de cidadania; projeto escuta família para perceber as condições sócio econômicas das famílias; reuniões de pais, exposições e apresentações, confraternizações, palestras, reuniões de conselho de escola; comunicação aberta e democrática buscando a melhor relação família-escola; interação através dos grupos de mídias; interação através das reuniões online; ligações telefônicas, envio de mensagens, convites à família para ir à escola; projetos abertos como: projeto relativo ao esporte, mostra cultural, reuniões; propostas de valorização da cultura de todos; reflexões nas reuniões com as famílias, escuta ativa das necessidades da comunidade escolar; pesquisas de necessidades específicas; analise para tomada de decisão coletiva e validação com os pais em reuniões; avaliação institucional identificando com as famílias os impactos das ações desenvolvidas pela escola ao longo do ano letivo; análise dos dados coletados nas pesquisas; projeto para aproximar a leitura das famílias; valorização dos artistas locais; utilização de canais de comunicações oficiais.
Por meio das ações relacionadas infere-se que são muitas as possibilidades para que os gestores escolares reconheçam, levantem indicadores de análises e construam conhecimentos sobre o capital histórico-cultural da sua comunidade. E, por intermédio destes, reverbere em ações de estudos, reflexões, análises e proposições do projeto político pedagógico em conjunto com professores, funcionários, pais, estudantes e demais membros que vise propostas de melhoria dos resultados das aprendizagens dos estudantes.
Ao analisar as respostas dadas por 100% dos participantes da pesquisa à questão 5 verifica-se que de acordo com suas intencionalidades e contextos, apresentam em suas narrativas múltiplos aspectos da comunidade escolar que levam em consideração ao formular e sistematizar as propostas de ações gestoras para o projeto político pedagógico visando a melhoria das aprendizagens dos estudantes. Assim como, demonstram por meio das mesmas narrativas possuir conhecimentos que podem ter sido construídos por meio da própria formação profissional, formação continuada oferecida por suas redes de educação ou, empiricamente no cotidiano escolar ao longo do tempo de atuação na gestão das escolas. O que se presume possibilitar o reconhecimento, análise e reflexões sobre as necessidades pedagógicas da escola de acordo com a abrangência do entendimento de cada um, bem como propor ações no projeto político pedagógico tal qual observado nas tabelas analisadas.
No entanto, tomando para análise as respostas e o critério 3, que abordam elementos do projeto político pedagógico das escolas, identifica-se que as narrativas apresentadas nem sempre se traduzem em propostas efetivas de ações do projeto pedagógico, como se pode observar por meio dos registros. Igualmente propuseram diversas ações gestoras para aproximação da família à escola as quais possibilitam gerar indicadores importantes das características do capital histórico-cultural das famílias. Porém, esses possíveis indicadores e dados, que podem ser colhidos nesses eventos, não se revelam articulados aos projetos político pedagógicos na forma de ações voltadas às práticas pedagógicas que favoreçam a melhoria das aprendizagens dos estudantes, tal como descrito no critério 3 para as escolas das duas redes de educação.
Logo, à guisa de breve conclusão das análises apresentadas, o projeto político pedagógico deve ser compreendido pela gestão escolar como uma oportunidade valiosa de envolvimento e consideração de toda a comunidade na e para a tomada de consciência da realidade do capital sócio histórico cultural e da territorialidade em que se constitui a escola reverberando, de acordo com Azanha[6], em reflexões sobre os seus problemas e dificuldades, na busca de solução e identificação dos compromissos coletivos e individuais em favor de proposições de ações e práticas pedagógicas que proporcionem a melhoria do ensino e aprendizagem dos estudantes.
A pesquisa identificou que há pelos gestores escolares o reconhecimento ou valorização do capital histórico-cultural da comunidade escolar, mas que nem sempre, se traduz em ações efetivas para as melhorias das aprendizagens, nas propostas educativas dos projetos pedagógicos das escolas públicas e particulares que foram objeto de estudo. Destarte, o que se torna questão essencial mediante essa constatação é a necessidade de que haja para os gestores, clareza sobre o que revelam os dados colhidos ou levantados sobre capital histórico-cultural da comunidade que constitui a escola.
Para que assim, possam em conjunto com todos os envolvidos na construção do projeto político pedagógico, refletir sobre a qualidade das informações e dados que podem ser coletados. Nessa perspectiva, os dados levantados por meio dos instrumentos dessa pesquisa, apontam para um paradoxo entre as propostas dos projetos pedagógicos e a realidade das escolas, ou seja, observou-se que a competência analítica e reflexiva dos gestores escolares, sobre o que revelam as características do contexto da comunidade escolar impactam em propostas pedagógicas muitas vezes desconectadas com as reais necessidades de aprendizagem dos estudantes. Posto isto, conclui-se relevante a compreensão de que há estreita ligação entre a consideração do capital histórico cultural da comunidade escolar e as aprendizagens dos estudantes, pois, uma vez considerado no projeto pedagógico das escolas, na transposição do currículo prescrito para o currículo em ação no chão da sala de aula, este poderá se ajustar às necessidades de aprendizagem, porém não o reduzindo à superficialidade, mas favorecendo o alcance e a legitimação dele para todos os estudantes, tendo como consequência a melhoria da qualidade das aprendizagens.
Portanto, conclui-se sobre a necessidade de que os gestores escolares analisem crítica e reflexivamente o que revelam os dados levantados sobre o capital histórico-cultural da sua comunidade, para que possam, em conjunto com os envolvidos na construção do projeto político pedagógico refletir e tomar decisões sobre o que eles indicam e que merece atenção, como os seis caminhos ou hipóteses que seguem: 1. necessidades apontadas a serem cuidadas em favor da permanência e êxito dos estudantes na trajetória escolar; 2. ajustes curriculares que devem ser feitos na transposição do currículo prescrito para o currículo em ação nas práticas do professor no chão da sala de aula; 3. aproximar os saberes legitimados pela escola aos saberes dos estudantes para que se tornem também legítimos a eles; 4. valorizar e considerar em suas propostas educativas o território e territorialidades do qual a escola se constitui e faz parte; 5. propor estratégias necessárias para que as famílias participem das decisões da escola e validem os atos escolares e, 6. identificar quais crenças precisarão ser revistas dentro do universo escolar em favor da qualidade das aprendizagens dos estudantes. À vista dessa análise é certo que caberá ao gestor escolar a disposição para liderar e conduzir o processo de reflexão de si e para si da escola, como também é certa a necessidade de disposição de políticas públicas e de políticas internas das redes de educação a esse favor, logo, sendo tema que urge ser mais amplamente explorado.
Referências
[1] Bourdieu P.; Passeron J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 7ed. Petrópolis (RJ): Editora Vozes. 2014.
[2] Bourdieu P. O campo econômico. Política e Sociedade. 2005; 4(6): 15-57.
[3] Gadotti M. Escola Cidadã. 12ed. São Paulo (SP): Editora Cortez. 2008.
[4] Barroso J. A emergência do local e os novos modos de regulação das políticas
educativas. Educação: Temas e problemas. 2013; 12: 13-25.
[5] Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.19ed. São Paulo (SP): Editora Paz e Terra.1996.
[6] Azanha J.M.P. Proposta Pedagógica e autonomia da escola. In: FIESP, SESI e SENAT. O que muda na educação brasileira com a nova lei de diretrizes e bases. 1997. Disponível em: <http://www3.fe.usp.br/secoes/inst/novo/acervo_jmpa/PDF_SWF/176.pdf>.
Como citar
Perdonatti V.M.P.; Martins M.P.R. Ações da gestão escolar a partir do reconhecimento do capital histórico-cultural de sua comunidade. Revista E&S. 2023; 4: e20230019.
Sobre os autores
Vera Maria Pupim Perdonatti, Supervisora de Ensino, Especialista em Gestão Escolar, Monte Alto, SP, Brasil.
Milena Pedroso Ruella Martins, Mestre em Educação e Coordenadora Pedagógica, São Paulo, SP, Brasil.
Link para download: https://revistaes.com.br/wp-content/uploads/2023/04/ES_23019.pdf