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Acessibilidade digital como diferencial competitivo: um estudo com e-commerces brasileiros

15 de abril de 2025

16 min de leitura

DOI: 10.22167/2675-6528-2024049
E&S 2025, 6: e2024049

Talita Matos dos Santos Gonçalves e Demétrio de Mendonça Júnior

A acessibilidade digital é a eliminação de barreiras na web para a garantia de acesso, compreensão e interação igualitária para todas as pessoas. Em um primeiro momento, pode-se pensar que ambientes digitais acessíveis são benéficos apenas para pessoas com deficiência, principalmente visual. No entanto, sua abrangência pode impactar positivamente cenários sem relação direta com deficiências — como, por exemplo, pessoas idosas com limitações sensoriais e motoras, ou situações temporárias, como lesões ou cirurgias. Por isso, é importante frisar que tecnologias digitais acessíveis não beneficiam somente pessoas com deficiência, mas todas as pessoas, em algum momento ou situação específica da vida[1].

Apesar de cerca de 18,6% da população brasileira ter declarado possuir alguma deficiência[2], uma pesquisa de 2020[3] realizada em ação conjunta entre a BigData Corp. e Movimento Web Para Todos (MWPT), apontou que apenas 0,89% dos mais de 14,65 milhões de sites brasileiros tiveram sucesso em todos os testes de acessibilidade aplicados.

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência[4], a exclusão social de pessoas com deficiência viola seus direitos, impedindo-as de participar plenamente da sociedade, privando-as de acessar serviços e informações, assim como qualquer outro cidadão.

Investir em acessibilidade digital pode ser uma estratégia inteligente para as empresas pois, entender profundamente o mercado em que operam e adotar estratégias que sejam difíceis de serem imitadas por concorrentes, pode proporcionar uma vantagem competitiva[5]. De acordo com pesquisa realizada pela Gartner[6], até o fim de 2023, os produtos digitais que estiverem em total conformidade com as diretivas da Web Content Accessibility Guidelines (WCAG)[7] superarão os concorrentes de mercado em 50%. O relatório da pesquisa[6] lista maneiras pelas quais a conformidade com acessibilidade oferece às empresas uma vantagem competitiva sobre aquelas que ignoram a acessibilidade, sendo: maximização do mercado total endereçável, valorização da marca, classificações Search Engine Optimization (SEO) mais altas e redução de riscos de ações legais.

Segundo pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo[8], consumidores portadores de deficiência movimentam, anualmente, cerca de R$5,5 bilhões e, de acordo pesquisa amostral, 95% preferem comprar on-line. Esses dados indicam, mais uma vez, que a acessibilidade digital é um tema de grande importância e relevância com inúmeras vantagens tanto do ponto de vista social como do ponto de vista econômico.

Nesse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo analisar a acessibilidade digital em empresas que se destacam no comércio eletrônico no Brasil. Para tanto, ela foi estruturada como uma pesquisa documental, que abrangeu livros, artigos acadêmicos, pesquisas de mercado e outros materiais, físicos e digitais, relevantes para o tema em questão. Além disso, foi utilizada uma abordagem quantitativa, na qual, por meio de ferramentas de análise de acessibilidade e desempenho, foram obtidos dados que permitiram destacar algumas diferenças entre as empresas, no que diz respeito à acessibilidade, ao comparar a quantidade de falhas apresentadas durante a jornada de compra do mesmo produto em cada um dos websites. No entanto, a interpretação e discussão dos resultados também incluíram aspectos qualitativos

Para os estudos de caso, foram selecionadas três empresas do mesmo setor: Americanas, Magazine Luiza e Mercado Livre. Essas empresas são concorrentes diretas e estão entre as maiores no comércio eletrônico no Brasil. Além disso, elas estão em consonância com o perfil de consumo identificado na pesquisa amostral da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo[8], que foi utilizada como fonte de dados para obter o panorama de consumo das pessoas com deficiência no país.

Para a coleta de dados, foi utilizada a ferramenta IBM Equal Access Accessibility Checker[9] — que permite executar testes de acordo com as diretrizes da Web Content Accessibility Guideline (WCAG)[7]. Com ela, foi possível avaliar a acessibilidade dos websites das empresas selecionadas em relação a diferentes aspectos, como: tamanho de fontes, utilização de imagens alternativas, contraste e hierarquia das informações. A seguir apresenta-se uma síntese da operacionalização dessa etapa (Figura 1):

Figura 1. Operacionalização do uso da ferramenta IBM Accessibility Checker[12]
Fonte: Dados originais da pesquisa.

Também foram realizados testes manuais seguindo o mesmo fluxo de compra para os três websites estudados. Os critérios escolhidos para essa etapa de testes, envolviam a necessidade do uso do teclado e um leitor de tela. Como leitor de tela foi utilizado o VoiceOver, tecnologia assistiva nativa de um laptop modelo Apple MacBook Pro do ano de 2019. Uma ferramenta nativa do navegador Google Chrome, chamada Google Lighthouse, foi utilizada para apontar, previamente, pontos que teriam de ser testados manualmente. A seguir apresenta-se uma síntese da operacionalização da ferramenta (Figura 2):

Figura 2. Operacionalização do uso da ferramenta Google Lighthouse
Fonte: Dados originais da pesquisa.

A pesquisa foi organizada (Tabela 1) em quatro fases, cada uma com objetivos específicos e ferramentas apropriadas para sua execução. Inicialmente, a pesquisa documental visou coletar informações de documentos existentes, como relatórios financeiros, leis e pesquisas de mercado. Na segunda fase, o teste manual foi utilizado para identificar possíveis violações de acessibilidade, empregando ferramentas como o Google Lighthouse, leitor de tela e teclado. O teste automatizado seguiu, com o intuito de quantificar as violações e avaliar sua criticidade, utilizando o IBM Accessibility Checker. Por fim, a fase de discussão e conclusão integrou os resultados obtidos nas fases anteriores, promovendo uma análise crítica para formular as conclusões do estudo.

Tabela 1. Síntese da operacionalização da pesquisa

Ordem de execuçãoFases da pesquisaObjetivosFerramentas
PrimeiroPesquisa documentalColeta de informações por meio de documentos existentesAnálise de relatórios financeiro, leis, pesquisas de mercado e referências bibliográficas
SegundoTeste manualIdentificar possíveis violações de acessibilidadeGoogle Lighthouse, Leitor de tela e teclado.
TerceiroTeste automatizadoIdentificar quantidade de violações de acessibilidade e seus níveis de criticidadeIBM Accessibility checker
QuartoDiscussão e conclusãoAnálise dos resultados e formulação de conclusõesComparação de resultados gerais coletados na pesquisa e discussão de implicações
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

No censo realizado em 2022[20] pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira foi estimada em 203,1 milhões de pessoas. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) realizada em 2022[2] considerou cerca de 18,6 milhões de brasileiros como pessoa com algum tipo de deficiência. Uma pesquisa realizada em 2024[8] pela Fundação de Proteção e  Defesa do Consumidor de São Paulo intitulada “Pesquisa Comportamental: Pessoa com Deficiência x Mercado de Consumo” entrevistou 957 consumidores com deficiência, revelando que 77,02% dos participantes costumam realizar compras on-line. Quando perguntados se a deficiência havia impedido a compra de algum produto e/ou a contratação de algum serviço nas lojas virtuais, 66,67% declarou que sim.

Pensar em tecnologias digitais acessíveis é pensar na garantia de acesso igualitário à informação e ao conhecimento para todas as pessoas, independentemente de suas capacidades ou habilidades. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência[4], a exclusão social de pessoas com deficiência viola seus direitos, impedindo-as de participar plenamente da sociedade e privando-as de acessar serviços e informações, como qualquer outro cidadão.

A lei supracitada identifica como barreiras tecnológicas aquelas que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias. A ausência de acessibilidade digital pode acarretar não apenas consequências éticas, afetando negativamente a reputação da empresa, mas também implicações legais, com possíveis sanções financeiras, afetando diretamente a sua saúde econômica.

O Gross Merchandise Value —Valor Bruto de Mercadorias (GMV) em português — desempenha um papel fundamental no comércio eletrônico, pois é utilizado para avaliar o desempenho do negócio por meio da soma dos valores brutos das vendas realizadas em um determinado período. O relatório referente ao segundo trimestre de 2022[10][11][12], disponibilizado para investidores, mostra o alto desempenho das três principais empresas do setor de e-commerce no Brasil (Tabela 2). Ao analisar os dados fica evidente que há uma intensa competição no setor, uma vez que os indicadores demonstram valores muito próximos. Considerando o potencial impacto econômico da acessibilidade digital, as empresas poderiam se valer de uma provável vantagem competitiva para impulsionar ainda mais seus resultados e abrir margem de distância em relação a seus competidores.

Tabela 2. Gross Mass Value (GMV) referente ao segundo trimestre de 2022

E-commerceGMV¹
Lojas AmericanasR$ 10,4 bilhões
Magazine LuizaR$ 10,0 bilhões
Mercado LivreR$ 8,5 bilhões*
Fonte: Adaptado dos relatórios financeiros de cada uma das empresas[10][11][12].
Nota: ¹GMV: Gross Mass Value (Valor bruto de mercadorias); *Cota referente ao Brasil

Para que se entenda os critérios avaliados, primeiramente é necessário saber o que é e como funciona a Web Content Accessibility Guidelines (WCAG)[7], um conjunto de diretrizes criado por iniciativa da organização de padronização da web, a World Wide Web (W3C). Tais diretrizes são consideradas de padrão global e utilizadas para nortear avaliações de acessibilidade, sendo estruturadas, segundo a própria organização[7], em quatro pilares de acessibilidade:

  • Perceptível: O conteúdo deve ser apresentado de maneira que possa ser percebido pelos sentidos, como visão e audição. Isso inclui fornecer alternativas para conteúdo não textual, como imagens, áudio e vídeo.
  • Operável: Os usuários devem ser capazes de interagir e navegar pelo site facilmente, usando diferentes dispositivos e métodos de entrada, como teclado, mouse, voz ou outros dispositivos assistivos.
  • Compreensível: O conteúdo e a operação do site devem ser compreensíveis, com organização lógica, linguagem clara e minimização de erros.
  • Robusto: O conteúdo da web deve ser robusto o suficiente para ser interpretado de maneira consistente por várias tecnologias, como navegadores, leitores de tela e dispositivos móveis, garantindo que permaneça acessível conforme a tecnologia evolui.

A WCAG[7] também explica que os seus critérios de sucesso são diretrizes detalhadas sobre como atender aos quatro pilares de acessibilidade citados acima, sendo eles classificados em três níveis de conformidade:

  • Nível A: É o nível básico de conformidade e inclui os critérios mais essenciais para melhorar a acessibilidade de um site. Atender a esses critérios é considerado o ponto de partida para tornar um site acessível.
  • Nível AA: É o nível intermediário de conformidade e inclui critérios adicionais além do nível A. Atender a esses critérios aumenta a acessibilidade do site, abrangendo um conjunto mais amplo de requisitos.
  • Nível AAA: Este é o nível mais alto de conformidade e inclui critérios ainda mais rigorosos e abrangentes.

Em suma, cada critério de sucesso tem um nível de criticidade, ancorado nos pilares de acessibilidade, e abordam aspectos específicos, como contraste de cores, legendas de vídeo, estrutura semântica, entre outros.

Para uma exemplificação sucinta da performance dos fluxos avaliados neste estudo, e sua conformidade com as diretrizes de acessibilidade, priorizou-se violações que estejam dentro do nível A, ou seja, as essenciais para que uma aplicação ou plataforma sejam minimamente acessíveis.

Testes Manuais

Para avaliar a acessibilidade digital das plataformas, foi adotado um fluxo de compra padrão aplicado a um mesmo produto, iniciando a navegação pela página inicial e, em seguida, indo para a página de listagem de produtos após realizar uma busca utilizando a palavra-chave “Aspirador de pó robô”. A partir da seleção de um dos produtos, foram analisadas as páginas de detalhes do produto, página de checkout e, por fim, a página de pagamento.

A fase inicial do processo envolveu a realização de uma avaliação manual em cada um dos websites, com atenção especial à navegação por meio do teclado, uma vez que a experiência aconteceria, de forma simulada, da perspectiva de uma pessoa com deficiência visual.

De acordo com Cunningham[13], a maioria dos esforços para tornar um site acessível se concentra na acessibilidade visual, o que não é surpreendente, uma vez que a internet é predominantemente visual. Por isso, pessoas usuárias com deficiência ou dificuldade visual são particularmente mais afetadas por tecnologias que não respeitam os padrões de acessibilidade. Entre as tecnologias assistivas de acesso, está o uso de leitores de tela. Esses leitores, como definido pelo Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico[14], são softwares que fornecem informações sobre os elementos apresentados na tela do computador por meio de síntese de voz. Eles interagem com o sistema operacional, percorrendo a página para capturar as informações exibidas e retorná-las de forma falada, o que requer semântica adequada e estrutura de código robusta para funcionarem adequadamente.

Antes de iniciar de fato os testes manuais, foi utilizada uma ferramenta chamada Google Lighthouse, presente nas opções do desenvolvedor do navegador Google Chrome. Ela é uma ferramenta amplamente utilizada, principalmente para medição de desempenho da página no que tange velocidade, SEO, segurança e acessibilidade. Para o propósito desta etapa do trabalho, a ferramenta foi utilizada para sugerir os pontos de atenção para revisão manual de prováveis falhas relativas à acessibilidade digital. Tais pontos de atenção, não oferecem detalhamentos das violações de acessibilidade específicas para cada uma das páginas mapeadas, mas sim uma lista fixa de itens que testes automatizados costumam não cobrir.

O critério de Sucesso 2.4.3 de nível A, denominado pela WCAG como “Ordem de Foco”, orienta que a tabulação dos elementos da página siga uma ordem lógica. Isso garante que a navegação seja estruturada de forma que o leitor de tela consiga apresentar o conteúdo de maneira compreensível e confortável para o usuário, promovendo uma experiência de navegação acessível e eficiente.

A partir dos resultados obtidos no teste manual, avaliou-se a conformidade das plataformas com o critério de Sucesso 2.4.3 (Tabela 3). A navegação entre os elementos foi analisada para verificar se havia coerência nas informações retornadas pelo leitor de tela, o que só seria possível caso a estrutura da página estivesse organizada de forma a permitir uma navegação fluída. Com exceção do Magazine Luiza, as demais jornadas analisadas não atenderam ao critério de sucesso de ordem de foco ao longo de toda a jornada percorrida para a pesquisa.

Tabela 3. Avaliação manual do critério de Sucesso 2.4.3 Ordem de Foco

Comércio eletrônicoPágina principalPágina de listagem de produtosPágina de detalhes do produtoPágina de confirmação do pedidoPágina de pagamento
AmericanasNão passouPassouPassouPassouPassou
Magazine LuizaPassouPassouPassouPassouPassou
Mercado LivrePassouPassouPassouNão passouNão passou
Fonte: Resultados originais da pesquisa 

Além da falha de acessibilidade observada (Tabela 3) na página principal das Lojas Americanas, sobre o critério de sucesso da ordem de foco, também foi identificada (Figura 3) falha de acessibilidade no critério 1.1.1 de nível A, denominado “Conteúdo não textual”, no qual a WCAG preconiza que qualquer conteúdo “não textual” e relevante para compreensão da informação, deve trazer fornecer uma descrição alternativa em texto (visível ou não) para identificar o conteúdo, permitindo novamente que a tecnologia assistiva faça o seu papel. A partir do teste manual, foi possível observar (Figura 3) que o texto transmitido pelo leitor de tela para o banner foi limitado apenas ao texto ‘Ofertas para você’, enquanto visualmente o banner continha outras informações importantes a serem informadas ao usuário.

Figura 3. Página principal de categoria com problema de acessibilidade
Fonte: Resultados originais da pesquisa. 

Se um usuário utilizando a tecnologia assistiva de leitor de tela, ao interagir com o teclado, não consegue navegar por todos os elementos clicáveis sem qualquer bloqueio ou interrupção, então não consegue sucesso em sua jornada. Essa violação de acessibilidade é denominada pela WCAG como critério 2.1.2 de nível A chamado “Sem armadilha de teclado”. Os testes realizados mostraram como cada uma das empresas se desempenhou nesse quesito (Tabela 4).

Tabela 4. Avaliação manual do critério de Sucesso 2.1.2 Sem armadilha de teclado

Comércio eletrônicoPágina principalPágina de listagem de produtosPágina de detalhes do produtoPágina de confirmação do pedidoPágina de pagamento
AmericanasPassouPassouPassouPassouPassou
Magazine LuizaPassouPassouPassouPassouPassou
Mercado LivrePassouPassouNão passouNão passouNão passou
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

De acordo com os resultados, os e-commerces Lojas Americanas e Magazine Luiza atenderam ao requisito em todas as páginas analisadas, enquanto o Mercado Livre, por sua vez, não atendeu completamente (Figura 4).

Figura 4. Página de pagamento de produto com problema de acessibilidade
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

O problema de acessibilidade observado (Figura 4) está relacionado ao critério 2.1.2 do pilar operável, no qual a WCAG preconiza que, ao interagir via teclado, a navegação por todos os elementos clicáveis deverá ocorrer sem qualquer bloqueio ou interrupção. No entanto, na página de pagamentos do Mercado Livre, uma vez selecionada a opção de pagamento via PIX, não foi possível alternar para o pagamento via cartão de débito usando apenas o teclado. A única maneira de realizar essa operação foi por meio do uso do mouse, o que restringe a acessibilidade e a capacidade de navegação do usuário.

Os testes manuais realizados neste estudo consideraram um fluxo de compra de um mesmo produto nos três comércios eletrônicos analisados. Com isso, foi possível concluir que, mesmo que um website seja acessível na maior parte de sua jornada, uma única falha importante em algum ponto no fluxo de compra — falhas essas que as diretrizes WCAG chamam de nível A — comprometem toda a experiência do usuário, podendo ocasionar a perda de clientes para concorrentes que proporcionam uma experiência de navegação mais eficiente. Nessa etapa, pode-se inferir que as Lojas Americanas e o Magazine Luiza conquistariam uma vantagem competitiva significativa junto ao público-alvo que necessita de recursos acessíveis. Isso ocorre porque critérios de sucesso de alta criticidade foram atendidos, permitindo que o fluxo de compra seguisse até o checkout — considerado neste estudo como a etapa final no fluxo de compras.

Testes Automatizados

Para a realização da etapa de testes automatizados, foi utilizada uma ferramenta chamada Accessibility Checker, desenvolvida pela empresa IBM. Essa ferramenta tem como objetivo auxiliar na avaliação e correção de problemas de acessibilidade e proporciona a categorização destes, disponibilizando não somente as diretrizes da WCAG, como também diretrizes com particularidades locais.

Diretrizes de acessibilidade digital foram desenvolvidas, e são constantemente atualizadas, com o objetivo de tornar a web um ambiente mais democrático, abrangendo as deficiências visual, auditiva, física, de fala, intelectual, de linguagem, de aprendizagem e neurológica. Embora essas mesmas diretrizes cubram uma ampla diversidade de situações, elas não são capazes de abordar as necessidades das pessoas com todos os tipos, graus e combinações de deficiências[15].

Portanto, neste estudo, o teste automatizado foi utilizado para obter resultados quantitativos e servir como base para as discussões, mais do que aprofundar em cada uma das falhas apresentadas.

 Os dados coletados se referem ao resultado total de falhas em acessibilidade e quantas destas falhas foram classificadas como nível A, considerando uma jornada completa de compra nos websites das lojas Americanas, Magazine Luiza e Mercado Livre (Tabela 5). As jornadas passaram por página principal, página de listagem de busca, página de detalhes do produto escolhido, página de confirmação do pedido e página de pagamento.

Tabela 5. Consolidado do número de problemas mapeados na jornada de compra

E-commerceTotal de problemas Total de problemas nível A
Americanas771509
Magazine Luiza1917992
Mercado Livre1076825
Fonte: Resultados originais dos relatórios de mapeamento de acessibilidade.

Recentemente, o governo federal lançou o Guia de boas práticas para acessibilidade digital[16], que apresenta uma série de conceitos, informações e recomendações, e representa um marco importante no estímulo à transformação digital acessível. Uma das mensagens chave do guia é a ênfase na importância de levar a acessibilidade em consideração desde a concepção de um projeto, se tratando de abordagem mais benéfica do que a correção em estágios posteriores. 

O resultado do mapeamento dos comércios eletrônicos estudados mostra um alto volume de violações de nível crítico — atingindo até 76% do total de falhas, como no caso do Mercado Livre. Isso significa um risco não mitigado de acessibilidade que pode se desdobrar em diversos transtornos para a pessoa usuária e para a companhia. Pensando nos riscos em questão, constata-se a relevância do proposto pelo guia do governo federal, uma vez que caso fossem considerados desde a concepção dos websites, tais riscos não existiriam. Essa constatação também reforça a tese de que a acessibilidade digital não deve ser vista apenas como uma responsabilidade de algumas áreas específicas dentro da empresa, mas sim como parte integrante da estratégia de negócio, tornando a acessibilidade um critério de aceite no desenvolvimento de produtos digitais.

No mapeamento feito com o teste automatizado, observou-se que houve uma repetição majoritária de algumas violações de acessibilidade e com isso foi possível descrever, quais impactos tais violações têm sobre o usuário e qual seria a solução técnica para correção (Tabela 6).

Tabela 6. Principais violações de acessibilidade, seus impactos e soluções

ViolaçãoImpactoSolução  
Contraste entre texto e fundo da tela abaixo dos requisitos mínimos do WCAGO usuário tem dificuldade na leitura do conteúdo textual do website devido a contraste insuficienteAjustar o contraste entre texto e fundo
Ausência de etiquetas de entrada de formulárioO leitor de tela se torna incapaz de transmitir as instruções do que se espera que seja preenchido em cada campo do formulário.Associar descrição (rótulo) para cada um dos campos de formulário
Ausência de texto alternativo para imagensO leitor de tela se torna incapaz de descrever as imagens do website.Inclusão da descrição da imagem
Links e botões vaziosO leitor de tela se torna incapaz de informar ao usuário se o componente se trata de um botão ou link.Utilização de atributos corretos para que o leitor de tela possa transmitir corretamente a função de links e botões
Fonte: Resultados originais da pesquisa.

Destaca-se também que as violações identificadas (Tabela 6) não afetam apenas pessoas com deficiência. Isso porque qualquer pessoa pode ser impactada pela falta de recursos disponíveis. As soluções propostas demonstram que as resoluções desses problemas são simples, especialmente se essas práticas fossem amplamente adotadas pelas empresas desde a fase inicial de desenvolvimento dos websites.

Com base nos resultados quantitativos dos testes automatizados, a Americanas se destaca como a plataforma que menos apresentou barreiras em acessibilidade na jornada de compra mapeada, seguida pelo Mercado Livre e por último, com pior performance, Magazine Luiza.

Embora a internet não seja uma necessidade fisiológica básica na hierarquia de Maslow[17], é inegável seu papel cada vez mais relevante nas áreas da informação, educação, comunicação e trabalho; portanto, promover a acessibilidade digital é uma responsabilidade social importante pois permite que todos tenham igualdade de oportunidades para satisfazer necessidades sociais, educacionais e de autorrealização.

Barney[18] argumenta que uma empresa deve possuir recursos e capacidades valiosos, raros, inimitáveis e insubstituíveis para alcançar e manter uma vantagem competitiva. Esses recursos e capacidades são chamados de recursos estratégicos e podem ser uma fonte de vantagem competitiva sustentável. Ao, hipoteticamente, aplicar o conceito de Barney ao tema apresentado neste trabalho e considerando que a acessibilidade digital vai além de questões técnicas, pode-se inferir que as vantagens na criação de um ecossistema consistente de recursos estratégicos, com a acessibilidade digital sendo um fator crucial, não seriam efetivas apenas para o usuário, mas também poderiam resultar em um crescimento sustentável a longo prazo para a empresa/e-commerce que assim o fizesse.

Neste estudo, constatou-se que, nos três comércios eletrônicos analisados — Lojas Americanas, Mercado Livre e Magazine Luiza — existem falhas críticas em acessibilidade. No entanto, as falhas identificadas no Mercado Livre são de alta criticidade, uma vez que têm um impacto direto nas métricas do produto, ao impedir que um usuário conclua uma compra por ser dependente de uma tecnologia assistiva. Em contrapartida, os outros players estudados obtiveram resultados ligeiramente melhores (ainda que não ideais), o que lhes confere uma vantagem inicial, permitindo-lhes focar na construção de uma estratégia sólida, sem a necessidade de abordar pontos críticos que exigiriam ajustes imediatos. Medidas como ajustes para melhor funcionamento de leitores de tela, inserção de textos alternativos e outras medidas de acessibilidade, não só proporcionariam uma experiência mais satisfatória para os consumidores com deficiência, mas também impulsionariam o crescimento financeiro.

Conclui-se que em um mercado cada vez mais competitivo e volátil, ao considerarem medidas de acessibilidade em suas estratégias, todas as empresas estudadas podem obter vantagem competitiva, destacando-se de seus competidores. Investir em acessibilidade digital, portanto, não apenas é uma estratégia inteligente, mas principalmente uma responsabilidade compartilhada para construir uma sociedade mais inclusiva, permitindo que todos participem plenamente da era digital.

Referências

[1]Ferraz, R. 2020. Acessibilidade na Web. Casa do Código, São Paulo, SP, Brasil.

[2]Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. 2022. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2102013. Acesso em: 22 maio 2023.

[3]Bigdata Corp., Movimento Web para Todos. 2023. Estudo de Acessibilidade do Movimento Web para Todos nos Sites Brasileiros. Disponível em: https://mwpt.com.br/2o-estudo-de-acessibilidade-do-movimento-web-para-todos-nos-sites-brasileiros/. Acesso em: 10 fev. 2023.

[4]Brasil. Lei nº 13.146, artigo 3º, no inciso IV – F, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 16 mar. 2023.

[5]Porter, M.E. 1989.Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Editora Campos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

[6]Gartner. 2021. A CIO’s Guide to IT Accessibility: Making IT Accessible for All Users. Disponível em: https://www.gartner.com/en/documents/3986300. Acesso em: 16 mar. 2023.

[7]Web Content Accessibility Guidelines [WCAG]. 2022. Accessibility Fundamentals [Internet]. Disponível em: https://www.w3.org/WAI/standards-guidelines/wcag/. Acesso em: 04 maio 2023.

[8]Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo [SBVC]. 2019. O varejo e o consumidor com algum tipo de deficiência. Disponível em: https://sbvc.com.br/estudo-o-varejo-e-o-consumidor-com-algum-tipo-de-deficiencia-fisica/. Acesso em: 22 maio 2023.

[9]International Business Machines Corporation [IBM]. 2021. IBM Accessibility Requirements. Disponível em: https://www.ibm.com/able/requirements/requirements/. Acesso em: 30 ago. 2023.

[10]Americanas S.A. 2022. Relatório financeiro consolidado do segundo trimestre de 2022. Disponível em: https://ri.americanas.io/. Acesso em: 04 maio 2023.

[11]Magazine Luiza S.A. 2022. Relatório financeiro consolidado do segundo trimestre de 2022. Disponível em: https://ri.magazineluiza.com.br/. Acesso em: 04 maio 2023.

[12]Mercado Livre S.A. 2022. Relatório financeiro consolidado do segundo trimestre de 2022. Disponível em: https://investor.mercadolibre.com/. Acesso em: 04 maio 2023.

[13]Cunningham, K. 2012. Accessibility Handbook: Making 508 Compliant Websites. O’Reilly Media, Sebastopool, CA, USA.

[14]Governo Eletrônico [eMAG]. 2023. Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico. Disponível em: https://emag.governoeletronico.gov.br/. Acesso em: 29 maio 2023.

[15]Sales, M. 2023. Guia WCAG. Disponível em: https://guia-wcag.com. Acesso em: 31 jan. 2023.

[16]Governo Digital. Guia de Boas Práticas para Acessibilidade Digital. Disponível em: https://www.gov.br/governodigital/pt-br/acessibilidade-digital. Acesso em: 26 set. 2023.

[17]Maslow, A.H. 1943. Theory of Human Motivation. BN Publishing, Araras, SP, Brasil.

[18]Barney, J. 1991. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management 17(1):99-120. Disponível em: https://josephmahoney.web.illinois.edu/BA545_Fall%202022/Barney%20(1991).pdf. Acesso em: 10 fev. 2023.

[19]Fundação de Proteção e  Defesa do Consumidor de São Paulo [PROCON-SP]. 2024. Pesquisa Comportamental: Pessoa com Deficiência x Mercado de Consumo. Disponível em: https://www.procon.sp.gov.br/as-dificuldades-das-pessoas-com-deficiencia-na-hora-de-consumir/. Acesso em: 18 fev. 2025.

[20]Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. 2022. Censo. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/. Acesso em: 18 fev. 2025.

Como citar

Gonçalves, T.M.S.; Mendonça Júnior, D./ Acessibilidade digital como diferencial competitivo: um estudo com e-commerces brasileiros. Revista E&S. 2025; 6: e2024049.

Sobre os autores

Talita Matos dos Santos Gonçalves – Especialista em Digital Business. Avenida Paulista, 300, Bela Vista, 01310-300, São Paulo/SP, Brasil
Demétrio de Mendonça Júnior – Doutor em Administração. Rua Urbano Lopes, 60, Cristo Rei, 80050-520, Curitiba, Paraná, Brasil

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Luiz Eduardo Giovanelli

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DOI: 10.22167/2675-6528-20240024E&S 2024, 5: e202400024 Rodrigo Augusto da Silva; Dayane Freire Romagnolo A Quarta Revolução Industrial, conhecida como In...

Luiz Eduardo Giovanelli

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