Espiritualidade organizacional: características e valores na percepção dos funcionários
4 de agosto de 2025
16 min de leitura
DOI: 10.22167/2675-6528-2024067
E&S 2025, 6: e2024067
Priscila Luciana Garret Simões da Silva; Adriana Pavarina
O ambiente de trabalho tem passado por mudanças intensas[1], uma vez que as organizações estão inseridas em um contexto de constante e acelerada transformação de valores. Essas mudanças incluem preocupações com a igualdade social e a compreensão de que as organizações têm responsabilidade social e compromisso com o bem-estar de seus funcionários[2,3].
Uma evidência desse movimento de mudança é o manifesto lançado pelo Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, em 2019[4]. O documento afirma que, nos tempos atuais, o propósito de uma companhia não deve ser apenas o de gerar riquezas, mas também o de atender às aspirações humanas e sociais. Entre os compromissos destacados, estão o tratamento respeitoso e digno aos funcionários, a valorização da diversidade, a melhoria contínua das condições de trabalho e a promoção do bem-estar dos trabalhadores.
Além disso, observa-se um despertar, por parte das pessoas, por um sentido no trabalho, por satisfação pessoal, autoconhecimento, autoexpressão, desenvolvimento pessoal[5] e pela priorização da qualidade de vida[6]. Há também o desejo de pertencer a uma comunidade e estabelecer conexões[7]. Essas transformações exigem uma gestão mais humanizada[8].
Nesse contexto, torna-se fundamental que as organizações adotem uma visão holística dos indivíduos[9], uma vez que o ser humano é complexo, constituído de corpo, mente e espírito[7]. Essas dimensões são interdependentes[10] e indissociáveis, o que torna a espiritualidade parte integrante da condição humana[11].
O tema da espiritualidade nas organizações pode, inicialmente, causar estranhamento. Isso possivelmente se deve à ideia de que religiosidade e espiritualidade possuem significados equivalentes[12]. No entanto, segundo Karacas[13], a distinção entre os termos está no fato de que a religiosidade pressupõe a adesão às crenças e práticas de uma instituição ou tradição religiosa, enquanto a espiritualidade refere-se a um sentimento humano de caráter privado, inclusivo e universal.
A espiritualidade pode ser definida como um constructo multifacetado que engloba valores pessoais, crenças filosóficas, propósito de vida, virtudes e características individuais que motivam comportamentos e atitudes altruístas e moralmente elevadas[14,15]. Dessa forma, a espiritualidade pode ter espaço no ambiente organizacional, pois os colaboradores trazem consigo não apenas seus corpos, mente e habilidades, mas também sua dimensão espiritual[1].
Nas organizações, a espiritualidade pode ser observada sob três perspectivas: a do indivíduo, que compreende os valores espirituais pessoais que o funcionário traz para o trabalho; a espiritualidade organizacional (EO), que abrange os valores espirituais da organização refletidos no clima espiritual; e a perspectiva interativa, que envolve a interação entre os valores espirituais pessoais do indivíduo e os da organização[16]. Com base nessa abordagem, este trabalho se concentra na EO.
Diversos conceitos de Espiritualidade no Ambiente de Trabalho (EAT) coexistem e, por vezes, tornam-se complementares. Assim, a EAT pode ser entendida como o reconhecimento, por parte da organização, de que os funcionários possuem vida interior, a qual merece respeito. Essa vida interior nutre-se e é nutrida por um trabalho significativo, desenvolvido no contexto de uma comunidade[7]. Para isso, a organização deve ter um conjunto de valores, refletidos na cultura organizacional, que promovam experiências de excelência aos funcionários em todos os processos de trabalho, valorizem o sentido de conexão com outras pessoas e gerem sentimentos de completude e alegria[2,17].
A temática da espiritualidade abrange tanto os indivíduos quanto as organizações. Organizações espirituais proporcionam melhorias na qualidade de vida dos funcionários, oferecem um senso de segurança psicológica e emocional, fazem com que se sintam valorizados em suas dimensões intelectual, emocional e espiritual, o que lhes confere a experiência de propósito e pertencimento[17,18]. Um ambiente organizacional verdadeiramente espiritual favorece índices maiores de comprometimento[16], desempenho[7], satisfação, envolvimento no trabalho, cooperação e trabalho em equipe, além de reduzir a frustração e os atritos no ambiente laboral[16]. Ademais, pode diminuir a rotatividade[16], o absenteísmo[19] e aumentar a eficácia organizacional[2]. Segundo Milliman et al.[19], o desenvolvimento da espiritualidade é benéfico tanto para os empregados quanto para a organização.
Guillory[20] defende que a espiritualidade pode ser o elemento que possibilita o sucesso de uma organização, desde que esta a reconheça e a incorpore de forma consciente em seu ambiente. Dessa forma, a espiritualidade nas organizações torna-se um instrumento relevante para a gestão[21].
Dada a relevância do tema, o presente estudo teve como objetivo investigar a percepção de funcionários de diferentes organizações sobre a presença (ou ausência) de características e valores indicativos de Espiritualidade Organizacional (EO) em seus ambientes de trabalho.
Segundo Marchesi[22] e Vieira[23], os funcionários (clientes internos) são os melhores avaliadores e possuem grande credibilidade para qualificar suas organizações e são verdadeiros porta-vozes de suas políticas e reputação. A partir desse entendimento, buscou-se captar a opinião de clientes internos de diversas organizações por meio de uma pesquisa de opinião pública. Para Weber e Pérsigo[24], a pesquisa de opinião pública constitui uma ferramenta útil para conhecer a realidade e os comportamentos de um grupo social.
O estudo se caracteriza como descritivo, que visa descrever características de uma determinada população através de técnicas padronizadas de coleta de dados[25], com procedimento técnico misto: pesquisa bibliográfica e levantamento “survey”. Este último se caracteriza por interrogar diretamente as pessoas as quais se deseja conhecer opiniões ou comportamentos[25]. A abordagem utilizada foi quantitativa, a fim de que as opiniões e informações fossem traduzidas em números, para assim serem classificadas e analisadas[26]. Para isso foi aplicado um questionário composto por dez questões relativas a dados sociodemográficos dos respondentes e de suas respectivas organizações, além de 18 questões fechadas respondidas em escala Likert de 5 pontos (1 = discordo totalmente; 5 = concordo totalmente).
A construção das questões ocorreu a partir de características e valores indicativos de espiritualidade organizacional identificados na literatura. Como critério para inclusão na elaboração das perguntas, consideraram-se apenas aqueles mencionados por pelo menos dois autores em diferentes artigos e/ou livros, conforme disposto no Quadro 1.
Quadro 1. Correlação de características e valores de espiritualidade e autores
Características e valores indicativos de espiritualidade organizacional | Autores |
O lucro é também uma forma de promover o bem-estar geral | Vasconcelos[3], Arruda[18], Robbins[27] |
Responsabilidade social | Vasconcelos[3], Ashmon e Duchon[7], Rego et al.[17], Arruda[20], Milliman et al.[21] |
Preocupação com o meio ambiente | Vasconcelos[3], Arruda[18] |
Desenvolve seus funcionários, incentiva novas habilidades e dá oportunidade para uso de dons e talentos | Giacalone e Jurkiewic[2], Kolondinsky et al.[16], Arruda[18], Guillory[20], Robbins[27] |
Inclui funcionários nas tomadas de decisão, possui poder descentralizado e permite autonomia | Giacalone e Jurkiewic[2], Kolondinsky et al.[16], Arruda[18], Guillory[20], Robbins[27] |
Preocupa-se com o bem-estar dos funcionários valoriza o ser-humano | Vasconcelos[3], Ashmon e Duchon[7], Rego et al.[17], Kolondinsky et al.[16], Arruda[18], Milliman et al.[19], Guillory[20], Robbins[27] |
Trata com ética os funcionários e possui fortes políticas de RH | Vasconcelos[3], Kolondinsky et al.[16] |
Proporciona segurança no emprego (tranquilidade quanto ao futuro na organização) | Giacalone e Jurkiewic[2], Ashmon e Duchon[7], Robbins[27] |
Valoriza a diversidade e aceita diferentes pontos de vista e valores | Giacalone e Jurkiewic[2], Vasconcelos[3], Kolondinsky et al.[16], Arruda[18], Milliman et al.[19], Robbins[27] |
É orientada para o serviço | Giacalone e Jurkiewic[2], Ashmon e Duchon[7], Rego et al.[17], Kolondinsky et al.[16], Guillory[20]. |
Estimula a confiança mútua entre os membros e o compartilhamento de informações | Ashmon e Duchon[7], Kolondinsky et al.[16], Robbins[27] |
Estimula a conexão entre colegas de trabalho | Kolondinsky et al.[16], Milliman et al.[19] |
As questões geradas a partir desta base teórica foram organizadas em três seções, conforme apresentado no Quadro 2.
Quadro 2: Seções e respectivos itens
Seção | Descrição | Itens |
A organização e a comunidade | Percepção dos funcionários sobre a relação da organização com a comunidade externa. | 1 a 4 |
A organização e o funcionário | Percepção do funcionário sobre como a organização se relaciona com o indivíduo (funcionário). | 5 a 13 |
A organização e a relação entre os funcionários | Percepção do funcionário sobre o papel da organização na promoção das relações entre os pares. | 14 a 18 |
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário on-line, divulgado na plataforma LinkedIn®, em grupos de redes sociais e aplicativos de mensagens, e ficou disponível de 24 de abril a 10 de maio de 2023. Os dados brutos foram organizados e analisados com o uso do software Excel 365, por meio da aplicação de estatística descritiva tabular para determinar a frequência de respostas em cada item e seção do questionário.
A pesquisa contou com 219 participantes, dos quais 213 preencheram questionários válidos. Todos atuavam em alguma organização e foram informados sobre o objetivo do estudo, bem como da natureza anônima e voluntária de sua participação.
A amostra caracterizou-se por uma predominância de participantes com idade entre 27 e 42 anos (61,0%), nível superior de escolaridade (49,9%) e residentes na região Sudeste (85,4%). Quanto ao perfil profissional, 44,8% atuavam em regime presencial, 33,8% tinham mais de cinco anos de vínculo com a organização, 23,5% ocupavam cargos de gestão e 22,1% pertenciam ao departamento de recursos humanos.
No que diz respeito às características das organizações, 74,6% eram de natureza privada, com predominância do setor de serviços (67,1%). Empresas com mais de 500 funcionários representaram 55,9% da amostra. Para identificar a percepção predominante dos participantes sobre a EO em suas instituições, realizou-se uma análise de cada item e de cada uma das seções. Para isso, foi utilizada a escala descrita no Quadro 3.
Quadro 3. Equivalência entre pontuação e classificação
Pontuação na escala | Significado | Classificação da percepção de EO |
1 | Discordo totalmente | Baixo grau de espiritualidade organizacional |
2 | Discordo | |
3 | Nem concordo, nem discordo | Grau mediano de espiritualidade organizacional |
4 | Concordo | Alto grau de espiritualidade organizacional |
5 | Concordo totalmente |
A análise global dos resultados foi feita a partir das médias encontradas em cada uma das três seções,. Assim, 59,2% dos respondentes possuem percepção de que suas organizações apresentam alto grau de espiritualidade organizacional, 20,6% percebem um baixo grau e 20,2% avaliam como grau mediano de espiritualidade (Tabela 1).
Tabela 1. Resultado global
Respostas (pontos na escala) | 1 e 2 (Baixo grau) | 3 (Grau mediano) | 4 e 5 (Alto grau) |
1- A organização e comunidade | 22,1% | 17,6% | 60,3% |
2- A organização e o funcionário | 20,7% | 20,6% | 58,7% |
3- A organização e a relação entre os funcionários. | 18,9% | 22,4% | 58,7% |
Média | 20,6% | 20,2% | 59,2% |
A primeira seção analisada foi intitulada “A organização e a comunidade”. Atualmente, a boa relação entre a organização e a comunidade é considerada fundamental. Acredita-se que as organizações tenham o papel de atuar socialmente e que suas atividades devam gerar valor compartilhado. Dessa forma, o lucro, embora importante, não é o único nem o mais relevante valor da organização[27,28].
Vasconcelos[3] defende que uma organização baseada na espiritualidade retribui e mantém compromisso com a comunidade na qual está estabelecida. Na análise desta seção, que aborda a relação entre organização e comunidade, verificou-se que 60,2% dos participantes percebem que suas organizações apresentam alto grau de espiritualidade organizacional, enquanto 39,8% avaliam essa percepção como baixa ou mediana, conforme Tabela 2.
Tabela 2 – Classificação dos itens da seção “A organização e a comunidade externa”
Respostas (pontos na escala) | 1 e 2 (Baixo grau) | 3 (Grau mediano) | 4 e 5 (Alto grau) |
1- A organização desenvolve a comunidade em que atua (ex. projetos sociais, de saúde, educação, esportes). | 27,3% | 17,8% | 54,9% |
2- A organização tem iniciativas de proteção ao meio ambiente (ações internas e/ou externas) | 28,2% | 16,4% | 55,4% |
3- Na organização, as decisões gerenciais são inspiradas também pela consciência e responsabilidade social. | 24,9% | 21,6% | 53,5% |
4- A organização trabalha eticamente e possui boa e sólida reputação. | 8,4% | 14,6% | 77,3% |
Média | 22,2% | 17,6% | 60,2% |
O item 4 “A organização trabalha eticamente e possui boa e sólida reputação” foi o que obteve maior índice de concordância. Com 77,0% de respostas positivas, pode-se concluir que a maioria dos colaboradores acredita que sua organização possui boa reputação perante a sociedade e compartilha essa visão. Esse dado está alinhado com pesquisas recentes, que indicam que estar em uma organização com boa reputação é um desejo dos trabalhadores, pois a reputação é a segunda principal razão pela qual um indivíduo escolhe trabalhar e permanecer em uma empresa[29].
Os itens 1, 2 e 3 são voltados para as ações, intencionais, realizadas pela organização em relação a comunidade externa. Sobre este aspecto o Fórum Econômico Mundial[4] defende que as organizações devem: servir a sociedade; apoiar a comunidade em que operam e atuar como protetora do meio ambiente. E o resultados demonstraram que pouco mais da metade (55% em média) possuem a percepção de que sua organização é fortemente engajada em questões socio-ambientais.
A segunda seção, intitulada “A organização e o funcionário”, avaliou se os respondentes percebem uma perspectiva humanizada de gestão em suas organizações. Observou-se que 58,7% classificam suas organizações com alto grau de espiritualidade, enquanto 41,3% percebem a espiritualidade como baixa ou mediana (Tabela 3).
Tabela 3 – Classificação dos itens da seção “A organização e o funcionário”
Respostas (pontos na escala) | 1 e 2 | 3 | 4 e 5 |
(Baixo Grau) | (Grau mediano) | (Alto grau) | |
5- A organização entende que o aprendizado e o crescimento do indivíduo são contínuos. | 12,7% | 16,9% | 70,4% |
6- A organização estimula e propicia o desenvolvimento dos funcionários. | 14,5% | 19,2% | 66,2% |
7- Na organização, um erro pode ser admitido com sinceridade. | 16,9% | 18,8% | 64,3% |
8- Na organização existe inclusão e participação dos funcionários nas tomadas de decisão. | 36,1% | 25,4% | 38,5% |
9- A organização delega poderes, estimula a autonomia dos funcionários. | 26,3% | 23% | 50,7% |
10 -Na organização existe aceitação de diversos pontos de vista e valores. | 19,7% | 19,7% | 60,5% |
11- A organização trata os funcionários de forma justa, cuidadosa e compassiva. | 23,4% | 20,7% | 55,9% |
12- Na organização a diversidade é valorizada. | 15,5% | 20,7% | 63,9% |
13- Na organização existe segurança relacionada à permanência no emprego. | 21,6% | 20,7% | 57,8% |
Média | 20,7% | 20,6% | 58,7% |
A ideia de uma organização humanizada tem ganhado força no meio corporativo e passou a ser vista como uma forma de transformação social das organizações[30]. O reconhecimento do valor do ser humano representa um importante indicativo de EO, e essa valorização se expressa na forma como a organização trata seus funcionários, por meio de ações e políticas corporativas[17,18,20].
Os itens com melhor avaliação (5 e 6) tratam da percepção sobre as políticas e ações voltadas à aprendizagem contínua e ao desenvolvimento individual. Isso indica que uma parte significativa dos respondentes percebe apoio efetivo de suas organizações nesse aspecto. De acordo com Giacalone e Jurkiewicz[2], as organizações devem criar ambientes que apoiem o aprendizado, desafiem o crescimento e reconheçam a evolução e o aperfeiçoamento dos indivíduos. Essas ações valorizam o ser humano e estimulam o desenvolvimento dos funcionários.
Alguns itens, embora não tenham sido os mais bem avaliados, apresentaram resultados acima da média da seção (58,7%). É o caso do item 7 “Na organização, um erro pode ser admitido com sinceridade” e do item 10 “Na organização, existe aceitação de diversos pontos de vistas e valores”. Ambos refletem a percepção de liberdade dos respondentes para expressar opiniões e assumir suas ações, mesmo em situações de erro. Esse tipo de ambiente indica a presença de respeito e confiança, livre de temor e arbitrariedades[27].
Outro item que superou a média da seção foi o 12 “Na organização, a diversidade é valorizada”, isso mostra que a diversidade integra as políticas da maioria das organizações dos respondentes (63,9%). Práticas voltadas à diversidade são valorizadas, conforme estudo da consultoria Randstad,[31] que apontou que 88,0% dos trabalhadores entrevistados preferem organizações que adotam a diversidade como valor e objetivo. Além de desejável, a diversidade é benéfica para todos e para a própria organização, pois permite a convivência em torno de um objetivo comum. Isso favorece a troca de experiências e contribui para a inovação[3].
O item 13 trata da percepção dos funcionários quanto ao seu futuro na organização. E de acordo com diversos estudos e autores oferecer segurança de emprego é uma importante medida de espiritualidade organizacional[2,7,27]. E o resultado demonstrou que no grupo estudado a maioria (58%) tem segurança e perspectiva de permanência.
Os itens que tratam da participação no processo de decisão e da autonomia (8 e 9) tiveram os menores índices de concordância, o que reflete uma percepção de espiritualidade organizacional baixa ou mediana. Entre eles, destaca-se o item 8 “Na organização, existe inclusão e participação dos funcionários nas tomadas de decisão” que obteve o menor percentual de concordância não apenas da seção, mas de todo o questionário, com apenas 38,0%. Esse resultado pode revelar que, na visão dos trabalhadores participantes, a organização não lhes concede um poder efetivo. Para Kolodisnk et al.[16], incluir os funcionários na tomada de decisões proporciona a eles um sentimento de importância e empoderamento.
O segundo item com menor percepção de espiritualidade foi o 9 “A organização delega poderes, estimula a autonomia dos funcionários”. Essa percepção de baixa autonomia pode estar relacionada à também baixa percepção de inclusão na tomada de decisão. A autonomia é um importante critério para a satisfação no trabalho. Quando uma organização concede autonomia aos seus empregados, demonstra confiança em sua capacidade de tomar decisões de forma inteligente e prudente[27,32].
O item 11 obteve resultado pouco abaixo da média da seção. Seu objetivo foi verificar, na percepção dos respondentes, se a organização trata os funcionários com ética, o que envolve, entre outros aspectos, a noção de justiça[16].
A justiça nas organizações está relacionada à forma como os funcionários percebem os critérios e os processos utilizados para reconhecer seus resultados individuais[33]. Sentir-se tratado de maneira justa pode impactar positivamente o comprometimento, o desempenho e a confiança[34]. Por outro lado, a percepção de injustiça pode desencadear consequências negativas, como o desenvolvimento da síndrome de “Burnout”[27]. Esta síndrome é considerada um fenômeno ocupacional, resultado do estresse crônico no trabalho levando a exaustão, ao distanciamento mental do trabalho e a redução da eficácia profissional[35]. Diante disso, é possível afirmar que a presença ou ausência de justiça gera implicações relevantes tanto para as organizações quanto para os indivíduos.
Na terceira e última seção, analisou-se a percepção sobre as relações entre colegas de trabalho mediadas pela organização. Esse aspecto é relevante para a espiritualidade organizacional, pois fortalece nos funcionários o sentimento de comunidade e conexão mútua[13]. Para grande parte dos respondentes (58,7%), suas organizações apresentam alto grau de espiritualidade. Enquanto 22,4% apontaram um grau mediano e 18,9% um nível baixo, conforme demonstrado na Tabela 4.
Tabela 4 – Classificação dos itens da seção “A organização e a relação entre os funcionários”
Respostas (pontos na escala) | 1 e 2 | 3 | 4 e 5 |
(Baixo Grau) | (Grau mediano) | (Alto grau) | |
14- A organização estimula o compartilhamento de informações. | 16,4% | 24,4% | 59,2% |
15- A organização é orientada para o serviço (colaboração, servir ao outro, trabalho em equipe). | 15,0% | 15,5% | 69,5% |
16- Na organização, as pessoas estão ligadas por um propósito comum. | 16,9% | 19,7% | 63,4% |
17- Na organização, o ambiente de trabalho é marcado por apoio, empatia e cuidado genuíno. | 24,0% | 29,1% | 47,0% |
18- A organização cultiva o sentido de comunidade entre os funcionários. | 22,1% | 23,5% | 54,5% |
Média | 18,9% | 22,4% | 58,7% |
O item que alcançou a porcentagem mais alta (69,5%) foi o 15 “A organização é orientada para o serviço (colaboração, servir ao outro, trabalho em equipe)”. No entanto, o item que obteve o resultado mais baixo (47,0%) foi o 17 “Na organização, o ambiente de trabalho é marcado por apoio, empatia e cuidado genuíno”. O que evidencia menor percepção desses valores afetivos no ambiente organizacional.
A orientação para o serviço é uma característica marcante da espiritualidade, e o resultado do item demonstra que os respondentes podem estar inseridos em um ambiente que valoriza a colaboração. Apesar disso, os resultados também apontam que, no ambiente, o apoio, a empatia e o cuidado não se manifestam de maneira significativa. Isso pode indicar a ausência de uma conexão mais profunda entre as pessoas, uma vez que essas expressões (apoio, empatia e cuidado) são geradas na presença de vínculo real entre os pares[19].
A conexão profunda promove o sentido de comunidade[13]. O item que aborda esse tema é o 18 “A organização cultiva o sentido de comunidade entre os funcionários” que obteve a segunda menor pontuação da seção (54,5%). Esse resultado sustenta e se relaciona com o obtido no item 17 “Na organização, o ambiente de trabalho é marcado por apoio, empatia e cuidado genuíno” pois, para que alguém se sinta parte de uma comunidade, é necessário perceber, entre outras coisas, o zelo recíproco entre colegas de trabalho[17].
Os dois últimos itens desta análise são 14 e 16. O item 14 “A organização estimula o compartilhamento de informações” complementa a alta percepção de que as organizações dos respondentes são orientadas para o serviço, uma vez que o compartilhamento de informações denota colaboração.
O item 16 “Na organização, as pessoas estão ligadas por um propósito comum” foi classificado com percepção de alta espiritualidade. Este item aborda o propósito relacionado ao trabalho. Atualmente, o indivíduo deseja um trabalho que não seja apenas desafiador ou interessante, mas que ofereça significado e propósito. Quando esses propósitos individuais convergem para um propósito comum, que une os funcionários, ocorre o fortalecimento do senso de comunidade, o que reflete positivamente na percepção da espiritualidade da organização[7,19].
Conforme exposto no início desta seção, a relação entre os funcionários e o senso de comunidade é um elemento importante da EAT. Embora essa relação ocorra no âmbito do grupo e se estabeleça entre indivíduos, a organização tem a responsabilidade de proporcionar um ambiente favorável ao estabelecimento de boas relações, ao cultivar e incentivar valores espirituais[9].
O sentido de comunidade pode ser estimulado por meio de determinadas práticas organizacionais. De acordo com Bezerra e Oliveira[9], a diminuição da competição interna funciona como um instrumento para promover a conexão no ambiente de trabalho. Na prática, isso consiste em desestimular a cultura de competição interna, incentivar o companheirismo, promover interação, estimular respeito e a consideração entre colegas, além de oferecer treinamentos para prevenir atitudes preconceituosas e desrespeitosas.
O presente estudo investigou a percepção de funcionários de diversas organizações sobre a presença de características e valores indicativos de EO. E o objetivo proposto foi alcançado, no entanto apresentou como limitação a amostragem por conveniência, que não possui rigor estatístico[25]. Para futuras estudos se recomenda que sejam realizadas pesquisas com amostra probabilística, com funcionários de determinados setores e/ou organizações específicas. Também é sugerido que se faça uma comparação entre a percepção dos funcionários e as políticas e ações, relacionadas a espiritualidade organizacional, existentes e prescritas nas organizações.
Os resultados identificaram que a maioria dos participantes percebe alto grau de espiritualidade em suas organizações. No entanto, também apontaram para aspectos, como a percepção de baixa participação dos funcionários nos processos decisórios e o pouco estímulo à autonomia. Dessa forma nota-se que que as organizações precisam continuar avançando em uma perspectiva humanizada de gestão, na qual seus funcionários são valorizados enquanto seres-humanos multidimensionais.
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Como citar
Silva, P.L.G.S.; Pavarina, A. Espiritualidade organizacional: características e valores na percepção dos funcionários. Revista E&S. 2025; 6: e2024067
Sobre os autores
Priscila Luciana Garret Simões da Silva – Especialista em Gestão de Pessoas. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Adriana Pavarina – Mestre em Psicologia Educacional. Professora orientadora. Rua Cezira Giovanoni Moretti, 580, Santa Rosa, 13414-157, Piracicaba, São Paulo, Brasil