Avaliação do nível de maturidade em sustentabilidade de um projeto de mineração
25 de agosto de 2025
18 min de leitura
DOI: 10.22167/2675-6528-2025015
E&S 2025, 6: e2025015
Amanda do Nascimento Silva; Beatriz Cristina de Freitas
O desenvolvimento das civilizações está inteiramente atrelado à história da mineração. Essa atividade é responsável pelo fornecimento de bens minerais, matérias-primas e insumos imprescindíveis ao progresso[1]. O avanço industrial, especialmente em setores de alta tecnologia e na transição para uma economia de baixo carbono, tem provocado uma demanda sem precedentes por minerais[2,3]. A tendência é que a produção mineral continue a crescer, impulsionada pelo ritmo acelerado do desenvolvimento industrial, o que acarreta diversos impactos socioambientais e econômicos associados a essa atividade[3,4].
Os recursos minerais geralmente se dividem em duas categorias: metálicos e não metálicos. Recursos metálicos são aqueles que contêm metais (como ouro e ferro), enquanto os recursos não metálicos englobam os demais, como areia e calcário[5]. Esses recursos são encontrados em depósitos minerais e, quando há presença de múltiplos metais, o depósito é classificado como polimetálico[3].
As mudanças que ocorrem no setor mineral resultam de uma pressão social crescente por maior sustentabilidade socioambiental e pelo avanço tecnológico. Após as tragédias do rompimento de barragens em Mariana-MG, em 2015, e em Brumadinho-MG, em 2019, intensificaram-se os debates e as exigências em torno da sustentabilidade e da segurança em projetos de mineração no Brasil. Esses eventos expuseram fragilidades nos processos de gestão de riscos socioambientais e evidenciaram a necessidade de uma atuação mais responsável, transparente e integrada por parte das empresas do setor[6]. Além disso, o licenciamento ambiental tornou-se mais rigoroso e passou a demandar das mineradoras uma análise mais aprofundada dos projetos de disposição de rejeitos e estéreis[7].
Assim, guiados pela necessidade global de um desenvolvimento mais sustentável, os líderes da Organização das Nações Unidas (ONU) publicaram, em 2015, a nova agenda de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[8]. Nesse contexto, o engajamento efetivo do setor mineral com os ODS tem potencial para gerar empregos dignos, reduzir a desigualdade social, impulsionar o crescimento econômico, promover avanços em inovação e atrair elevados investimentos em infraestrutura. No entanto, na ausência desse engajamento, a consequência esperada é o agravamento da desigualdade social e a ocorrência de grandes desastres ambientais, como já observado no passado[9].
A mensuração das métricas relacionadas aos ODS constitui um passo fundamental para a efetiva implementação de uma governança regulatória no setor mineral. Sem indicadores claros e dados confiáveis, torna-se inviável avaliar o desempenho socioambiental das empresas, identificar lacunas e orientar políticas públicas ou ações institucionais de forma transparente e eficaz. A adoção de métricas alinhadas aos ODS permite integrar objetivos globais às práticas locais, o que fortalece os mecanismos de responsabilização, viabiliza o monitoramento contínuo e orienta a tomada de decisão baseada em evidências. Além disso, o uso sistemático dessas métricas contribui para a construção de uma cultura organizacional voltada à sustentabilidade, ao promover maior alinhamento entre os interesses públicos e privados e ao preparar o caminho para uma governança mais legítima, participativa e orientada por resultados.
Nesse contexto, a adoção do framework da Global Reporting Initiative (GRI) pelo setor mineral revela-se essencial para mensurar de forma robusta as métricas associadas aos ODS e, consequentemente, viabilizar uma Governança Regulatória (GR) mais eficaz e orientada por evidências[8].
A GRI disponibiliza um conjunto padronizado de indicadores que abrangem as dimensões ambiental, social, econômica e de governança, complementado por suplementos setoriais específicos, como o voltado para mineração e metais, o que permite a elaboração de relatórios mais consistentes, comparáveis e alinhados às melhores práticas internacionais. Desenvolvida com base no conceito de triple bottom line, a GRI integra os pilares da sustentabilidade — econômico, social e ambiental — e promove maior transparência e responsabilidade corporativa. Seu uso consolidou-se entre empresas comprometidas com a sustentabilidade e constitui uma ferramenta estratégica para orientar esforços, alinhar iniciativas aos ODS e fortalecer o diálogo com stakeholders[8].
Em fevereiro de 2024, a GRI lançou um padrão de relatório para o setor mineral[8]. Dada sua relevância mundial atual, esse padrão tornou-se vital para a avaliação interna do nível de maturidade em sustentabilidade das mineradoras e para o desenvolvimento de estratégias de curto, médio e longo prazo com vistas ao alinhamento progressivo a essas normas. Empresas engajadas em atender à GRI (e, consequentemente, alinhadas aos ODS), bem como aquelas que ainda não o estão, sentirão efeitos econômicos cada vez mais profundos[9]. As vantagens competitivas alcançadas por empresas que buscam conformidade com essas estratégias são significativas e podem resultar em redução dos custos de produção e aumento dos lucros a médio e longo prazos [10].
Dessa forma, analisou-se o alinhamento de uma mineradora de classe mundial aos ODS, a partir das três vertentes da sustentabilidade (econômica, social e ambiental). Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso[11]. O trabalho foi conduzido em uma empresa com sede no Canadá, que opera minas polimetálicas em diversos países e foi selecionada por conveniência. A coleta de dados ocorreu por meio de pesquisa documental[12], com base no relatório de sustentabilidade publicado no início de 2023, o qual abrange todas as unidades de produção.
Para avaliar a mineradora objeto deste estudo quanto ao seu alinhamento com os ODS, nas vertentes econômica, social e ambiental, utilizou-se a GRI 14, padrão setorial referente ao setor mineral, para determinar o nível de conformidade aos ODS. O relatório foi examinado e todos os temas abordados foram elencados para comparação com as exigências da GRI. Os tópicos analisados no relatório da empresa são apresentados no Quadro 1.
Quadro 1. Tópicos analisados no relatório da empresa
Seção | Tópicos abordados |
Gestão ambiental | Gerenciamento de rejeitos e gestão de resíduos |
Gestão de água | |
Descarbonização, resiliência climática e energia | |
Qualidade do ar | |
Biodiversidade e gerenciamento de propriedades | |
Compliance ambiental | |
Comunidades prósperas | Desenvolvimento da economia local |
Saúde e bem-estar da comunidade | |
Força de trabalho capacitada | Segurança e saúde no ambiente de trabalho |
Higiene industrial e saúde ocupacional | |
Planejamento de gerenciamento de crises e preparação para emergências | |
Atração e retenção de talentos | |
Diversidade e inclusão | |
Boa governança | Integridade empresarial e transparência |
Gerenciamento de riscos | |
Direitos humanos | |
Recuperação e fechamento | |
Resiliência empresarial | Performance econômica |
Produção responsável e cadeia de suprimentos | |
Inovação em mineração |
A GRI disponibiliza gratuitamente no seu website todos os materiais relacionados às boas práticas em relatórios de sustentabilidade empresarial. Esses recursos de suporte dividem-se em três categorias principais: normas universais, setoriais e temáticas (Figura 1).
Fonte: Dados extraídos do Global Report Iniciative (GRI)[8].
Na GRI 14 estão contidos todos os tópicos que devem ser abordados no relatório de sustentabilidade de empresas do setor mineral e eles estão atrelados de forma clara aos ODS, de modo a facilitar a conexão entre a GRI e as ODS (Figura 2).
Fonte: Dados extraídos do Global Report Iniciative (GRI)[8].
A partir dos tópicos estabelecidos pela GRI 14 como melhores práticas, foi verificado se o relatório de sustentabilidade atendia a todos eles. Atribuiu-se uma cor segundo o nível de atendimento dos tópicos da GRI, conforme ilustrado na Figura 3.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Os resultados da análise do relatório quanto à conformidade encontram-se apresentados na Tabela 1.
Tabela 1. Resultados da análise do relatório de sustentabilidade da empresa conforme GRI 14
Norma GRI 14 | Foco da norma | Avaliação do relatório | Seção | Tópico do relatório |
Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) (14.1) | 1. Emissões de GEE diretas (escopo 1) e indiretas (escopos 2 e 3) 2. Metodologias usadas para calcular emissões 3. Metas de redução de emissões de GEE e ações tomadas 4. Informações sobre a gestão de riscos climáticos | Gestão ambiental | Descarbonização, resiliência climática e energia | |
Adaptação e resiliência climática (14.2) | 1. Avaliação de riscos climáticos 2. Planos de adaptação e mitigação 3. Medidas para aumentar a resiliência das operações e das comunidades afetadas pelas mudanças climáticas | Gestão ambiental | Descarbonização, resiliência climática e energia | |
Emissões atmosféricas (14.3) | 1. Emissões de poluentes atmosféricos que não sejam GEE 2. Medidas de mitigação 3. Monitoramento e controle | Gestão ambiental | Qualidade do ar | |
Biodiversidade (14.4) | 1. Áreas protegidas ou de alta biodiversidade afetadas 2. Medidas para mitigar impactos 3. Restauração de habitats 4. Preservação de espécies e ecossistemas | Gestão ambiental | Biodiversidade e gerenciamento de propriedades | |
Resíduos (14.5) | 1. Quantidade de resíduos gerados 2. Práticas de redução, reciclagem, reuso e disposição segura 3. Gerenciamento de rejeitos e resíduos perigosos 4. Conformidade com regulamentações | Gestão ambiental | Gerenciamento de rejeitos e gestão de resíduos | |
Rejeitos (14.6) | 1. Gerenciamento de rejeitos (barragens, disposição etc.) 2. Mitigação de riscos relacionados 3. Conformidade com normas de segurança | Gestão ambiental | Gerenciamento de rejeitos e gestão de resíduos | |
Água e efluentes (14.7) | 1. Gestão da captação e uso da água 2. Tratamento e disposição de efluentes 3. Impactos nas fontes hídricas e na qualidade da água 4. Mitigação de riscos de escassez e contaminação | Gestão ambiental | Gestão de água | |
Fechamento e reabilitação (14.8) | 1. Planejamento de fechamento de minas 2. Reabilitação e restauração de terrenos 3. Monitoramento pós-fechamento 4. Conformidade com regulamentações | Boa governança | Recuperação e fechamento | |
Impactos econômicos (14.9) | 1. Desempenho econômico 2. Desenvolvimento econômico local 3. Investimentos comunitários 4. Geração de empregos e contribuição para infraestrutura | Comunidades prósperas Resiliência empresarial | Desenvolvimento da comunidade local Performance econômica | |
Comunidades locais (14.10) | 1. Engajamento das comunidades locais 2. Mitigação de impactos negativos 3. Contribuições positivas 4. Programas de engajamento comunitário e resolução de conflitos | Comunidades prósperas | Saúde e bem-estar da comunidade | |
Direitos dos povos indígenas (14.11) | 1. Reconhecimento e respeito aos direitos culturais, territoriais e de autodeterminação 2. Engajamento com as comunidades indígenas 3. Mitigação de impactos negativos 4. Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) | Boa governança | Direitos humanos | |
Direitos sobre terras e recursos (14.12) | 1. Respeito à propriedade sobre terras e recursos naturais 2. Prevenção e mitigação de impactos relacionados à aquisição e uso de terras 3. Engajamento das partes interessadas 4. Conformidade legal e estudos de impacto | Gestão ambiental | Biodiversidade e gerenciamento de propriedades | |
Mineração artesanal e de pequena escala (14.13) | 1. Reconhecimento e gestão de impactos 2. Engajamento e apoio a comunidades locais 3. Mitigação dos riscos sociais, econômicos e ambientais 4. Promoção de práticas responsáveis | – | – | |
Práticas de segurança (14.14) | 1. Segurança no local de trabalho 2. Treinamento em saúde e segurança 3. Prevenção e mitigação de riscos 4. Relatório de desempenho de segurança | Força de trabalho capacitada Boa governança | Segurança e saúde no ambiente de trabalho Gerenciamento de riscos | |
Gestão de incidentes críticos (14.15) | 1. Plano de resposta a emergências 2. Prevenção e preparação para incidentes 3. Comunicação e coordenação 4. Relatório de incidentes | Força de trabalho capacitada | Gerenciamento de crises e preparação para emergências | |
Saúde e segurança ocupacional (14.16) | 1. Proteção da saúde e segurança dos trabalhadores 2. Treinamento regular 3. Monitoramento de riscos 4. Relatório de incidentes de segurança 5. Promoção do bem-estar | Força de trabalho capacitada Boa governança | Segurança e saúde no ambiente de trabalho – higiene industrial e saúde ocupacional Gerenciamento de riscos | |
Práticas de emprego (14.17) | 1. Condições de trabalho justas 2. Políticas de contratação e retenção 3. Relações trabalhistas e cumprimento de normas 4. Bem-estar dos funcionários | Força de trabalho capacitada | Atracão e retenção de talentos | |
Trabalho infantil (14.18) | 1. Políticas e práticas para prevenção 2. Monitoramento e auditoria 3. Ações corretivas | Boa governança | Direitos humanos | |
Trabalho forçado e escravidão moderna (14.19) | 1. Políticas e práticas para prevenção 2. Monitoramento, auditoria e due dilligence 3. Ações corretivas e suporte 4. Conformidade com normas internacionais | Boa governança | Direitos humanos | |
Liberdade de associação e negociação coletiva (14.20) | 1. Políticas e práticas 2. Medidas para prevenir discriminação 3. Engajamento com sindicatos 4. Conformidade com normas trabalhistas internacionais | Boa governança | Direitos humanos | |
Não discriminação e igualdade de oportunidades (14.21) | 1. Políticas e práticas 2. Medidas para prevenir discriminação 3. Monitoramento e ações corretivas 4. Promoção da diversidade | Força de trabalho capacitada | Diversidade e inclusão | |
Anticorrupção (14.22) | 1. Políticas e práticas para prevenção 2. Treinamento de funcionários 3. Auditorias e monitoramento 4. Medidas corretivas | Gestão ambiental Boa governança Resiliência empresarial | Compliance ambiental Integridade empresarial e transparência Produção responsável e cadeia de suprimentos | |
Pagamentos a governos (14.23) | 1. Pagamentos financeiros ao governo 2. Transparência financeira 3. Relatórios por país ou projeto | Resiliência empresarial | Produção responsável e cadeia de suprimentos | |
Política pública (14.24) | 1. Envolvimento em políticas públicas e advocacia 2. Posicionamento sobre regulamentações 3. Participação em associações e grupos 4. Transparência sobre contribuições políticas | Gestão ambiental Boa governança Resiliência empresarial | Compliance ambiental Integridade empresarial e transparência Produção responsável e cadeia de suprimentos | |
Áreas afetadas por conflito e de alto risco (14.25) | 1. Operações em áreas de conflitos e alto risco 2. Medidas de due dilligence 3. Engajamento com comunidades locais 4. Prevenção e mitigação de riscos | Comunidades prósperas Boa governança | Saúde e bem-estar da comunidade Direitos humanos e gerenciamento de riscos |
A análise do relatório de sustentabilidade da empresa aponta que 20 dos 25 tópicos estabelecidos pela GRI 14 foram abordados e discutidos de forma clara, conforme os requisitos exigidos por essa norma.
Dentre os cinco tópicos não abordados, três foram mencionados, porém a empresa não aprofundou a discussão, o que impossibilitou o cumprimento dos requisitos da GRI. O tópico “adaptação e resiliência climática” foi citado, mas a empresa poderia apresentar maior especificidade nas medidas para aumentar a resiliência das operações e das comunidades afetadas pelas mudanças climáticas, o que fortaleceria o relatório. A adaptação e a resiliência climática são temas centrais na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, especialmente no ODS 13: ação contra a mudança global do clima. Este ODS reconhece a urgência de combater as alterações climáticas e seus impactos; a adaptação e a resiliência são componentes cruciais dessa ação[8,13].
O tópico “direitos dos povos indígenas” também foi mencionado; contudo, o direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) não foi detalhado, embora esse aspecto seja exigido pela GRI. A inclusão do tema em uma análise de conformidade de sustentabilidade no setor de mineração representa um avanço importante. No entanto, a ausência de informações sobre o CLPI configura uma lacuna significativa, que demanda aprofundamento. Trata-se de um direito fundamental dos povos indígenas e comunidades tradicionais, reconhecido por instrumentos internacionais como a Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP). Esse direito garante a essas populações o poder de conceder ou recusar consentimento a projetos ou atividades com potencial de impacto sobre suas terras, territórios, recursos e meios de subsistência[13,14].
Além disso, as ações e políticas direcionadas aos povos indígenas não foram devidamente detalhadas. Essa diretriz destaca a necessidade de as empresas reconhecerem e respeitarem os direitos desses povos, com atenção aos aspectos territoriais, culturais e sociais. O tópico “direito sobre terras e recursos” também foi mencionado; porém, a empresa não apresentou informações específicas sobre os direitos de posse de terras e recursos, tampouco sobre a gestão dos direitos de propriedade — temas exigidos pela GRI 14.
Dois tópicos não foram contemplados pela empresa. O primeiro, “Mineração Artesanal e de Pequena Escala (MAPE)” não foi considerado conforme a GRI 14. Embora o relatório mencione a relação com a comunidade, não há discussão específica sobre o MAPE. A relevância desse tópico se justifica pela sua complexidade e impacto em dimensões sociais, ambientais e econômicas, o que torna sua inclusão essencial nos relatórios de sustentabilidade.
Situação semelhante foi observada no tópico “áreas afetadas por conflito de alto risco”; entretanto, a empresa afirma, em seu relatório, que não atua em regiões sob tais condições, o que justifica a ausência de abordagem específica. O tópico de “inovação em mineração”, embora não esteja listado na GRI 14, foi incluído no relatório de sustentabilidade da empresa, o que evidencia uma iniciativa própria de destacar práticas inovadoras no setor.
Também foi analisada a aplicação de cada norma da GRI às três vertentes da sustentabilidade (triple bottom line) para avaliar o relatório da mineradora nos âmbitos social, ambiental e econômico, conforme apresentado na Tabela 2.
Tabela 2. Correlação entre GRI 14 e as três vertentes de sustentabilidade
Tópicos GRI 14 | Econômica | Social | Ambiental | Avaliação do relatório |
Emissões de GEE (14.1) | ||||
Adaptação e resiliência climática (14.2) | ||||
Emissões atmosféricas (14.3) | ||||
Biodiversidade (14.4) | ||||
Resíduos (14.5) | ||||
Rejeitos (14.6) | ||||
Água e efluentes (14.7) | ||||
Fechamento e reabilitação (14.8) | ||||
Impactos econômicos (14.9) | ||||
Comunidades locais (14.10) | ||||
Direitos dos povos indígenas (14.11) | ||||
Direitos sobre terras e recursos (14.12) | ||||
Mineração artesanal e de pequena escala (14.13) | ||||
Práticas de segurança (14.14) | ||||
Gestão de incidentes críticos (14.15) | ||||
Saúde e segurança ocupacional (14.16) | ||||
Práticas de emprego (14.17) | ||||
Trabalho infantil (14.18) | ||||
Trabalho forçado e escravidão moderna (14.19) | ||||
Liberdade de associação e negociação coletiva (14.20) | ||||
Não discriminação e igualdade de oportunidades (14.21) | ||||
Anticorrupção (14.22) | ||||
Pagamentos a governos (14.23) | ||||
Política pública (14.24) | ||||
Áreas afetadas por conflito e de alto risco (14.25) |
Nota. *As marcações em preto apontam as vertentes de sustentabilidade (econômica, social e ambiental) às quais os tópicos da GRI 14 estão relacionados. As marcações em verde, amarelo e vermelho correspondem à avaliação resumida apresentada na Tabela 1.
Pode-se observar que nenhuma das três vertentes foi atendida em sua totalidade no relatório, com destaque para a dimensão social, identificada como a menos contemplada. Esse resultado evidencia deficiências na forma como a empresa comunica ou gerencia impactos em sustentabilidade. A situação sugere que o relatório carece de informações suficientemente abrangentes ou detalhadas, ou que a mineradora ainda precisa avançar de maneira significativa em suas práticas sustentáveis. Para uma empresa do setor, o pilar social é de extrema importância, dado que suas operações costumam impactar diretamente comunidades locais, povos indígenas, trabalhadores e a sociedade em geral.
Dos tópicos abordados na GRI 14, treze tratam de sustentabilidade social, oito de sustentabilidade ambiental e sete de sustentabilidade econômica. Esse dado reforça que a dimensão ambiental deixou de ser o único foco dentro da temática. Além disso, o maior número de tópicos voltados às questões sociais evidencia o impacto que os projetos de mineração exercem não somente sobre os stakeholders internos, mas sobre a sociedade como um todo, que busca respaldo[5].
Os tópicos “direito sobre terras e recursos”, “direito dos povos indígenas” e “mineração artesanal e de pequena escala” tratam de questões sensíveis no setor mineral, que ainda geram discussões sobre a atuação das empresas de mineração no mundo[2]. O fato de a empresa mostrar déficit de profundidade nas abordagens relacionadas ao campo social indica que essa é a área com maior necessidade de desenvolvimento para que a empresa atenda às melhores práticas internacionais em sustentabilidade.
O consentimento da sociedade para a abertura de uma mina, também conhecido como licença social, tem ganhado cada vez mais importância. As comunidades próximas a projetos de mineração demandam das mineradoras uma gestão que ultrapasse os padrões tradicionais, nos quais o poder de decisão estava concentrado na empresa e no governo. A ausência de aceitação da comunidade pode resultar na paralisação e, consequentemente, na inviabilização desses projetos[10].
Ao considerar que o objetivo dessa pesquisa foi analisar uma mineradora de classe mundial quanto ao seu alinhamento aos ODSs, com base nos tópicos exigidos pela GRI 14 e nas três vertentes da sustentabilidade (econômica, social e ambiental), pode-se afirmar que o relatório da mineradora está, em parte, alinhado com os ODSs.
Pode-se concluir que a análise do relatório de sustentabilidade da mineradora, à luz dos ODSs e das diretrizes da GRI 14, aponta para um alinhamento parcial, com a identificação de áreas que requerem aprimoramento estratégico.
Embora a pesquisa demonstre que a mineradora tenha atendido 20 dos 25 tópicos da GRI, com dados detalhados, discussões pertinentes e, quando aplicável, medidas de mitigação de impactos, a ausência de conformidade em cinco tópicos merece atenção. Desses, três deixaram de abordar o conteúdo esperado, enquanto dois não apresentaram qualquer informação relevante, o que indica lacunas no reporting ou nas práticas subjacentes.
A principal conclusão é que, apesar dos esforços e da base estabelecida, nenhuma das três vertentes do Triple Bottom Line (econômica, ambiental e social) foi atendida em sua totalidade no relatório. Em especial, a dimensão social se destacou como a mais negligenciada. Para uma mineradora de classe mundial, cujas operações geram impactos diretos e significativos sobre comunidades e direitos humanos, essa fragilidade no pilar social representa um importante sinal de alerta.
Recomenda-se que a empresa priorize a revisão e o fortalecimento de suas práticas e do reporting no que diz respeito à dimensão social da sustentabilidade. Isso inclui, mas não se limita, a uma atenção especial aos tópicos não atendidos, para que o CLPI e outras questões sociais críticas não sejam apenas mencionados, mas tratados com profundidade, transparência e evidências de gestão eficaz. O aprimoramento contínuo nesse aspecto é fundamental para que a mineradora não apenas atenda às expectativas globais de sustentabilidade, mas também fortaleça sua licença social para operar, reduza riscos futuros e avance em direção a um alinhamento mais sólido com os ODSs e com as melhores práticas de mercado.
REFERÊNCIAS
[1] Almeida, I.T. 1999. A poluição atmosférica por material particulado na mineração a céu aberto. Dissertação de mestrado. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 194p.
[2] Ministério de Minas e Energia. Nota Técnica nº 11/2024/DTTM/SNGM. disponível em: https://antigo.mme.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=fdfc17a1-b167-25e7-e13f-8de24ea3fa92&groupId=36108. Acesso em: 06 jul.2025.
[3] Ministério de Minas e Energia. Caderno: Minerais críticos e estratégicos para a transição energética – EPE. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-877/Caderno_Minerais_Final.pdf). Acesso em: 06 jul.2025.
[4] Church, C.; Crawford, A. 2020. Minerals and the metals for the energy transition: exploring the conflict implications for mineral-rich, fragile states. In: Hafner, M.; Tagliapietra, S. (orgs). The geopolitics of the global energy transition. 279-304. Springer, Londres, Inglaterra. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-030-39066-2_12.
[5] Johnson, C.; Affolter, M.D.; Inkenbrandt, P.; Mosher, C. 2017. An Introduction to Geology. 1ed. Salt Lake City, UT, EUA: Salt Lake Community College.
[5] Fernandez-Feijoo, B.; Romero, S.; Ruiz, S. 2014. Commitment to corporate social responsibility me asured through global reporting initiative reporting: factors affecting the behavior of companies. Journal of Cleaner Production 81: 244-254. DOI: 10.1016/j.jclepro.2014.06.034.
[6] Braga, M.C.R.; Fonseca, A.F. C. 2021. Aperfeiçoamentos reativos de políticas ambientais: lições dos desastres de Mariana e Brumadinho. Sustainability in Debate. 12(3): 197-213. https://doi.org/10.18472/SustDeb.v12n1.2021.39412.
[7] Melo, L.C.F.; Vieira, F.A. 2019. Licenciamento ambiental brasileiro e a reedificação de lugares como Brumadinho. Revista Internacional Consinter de Direito. 5(9): 177–196. https://doi.org/10.19135/revista.consinter.00009.09.
[8] Global Reporting Initiative (GRI). 2024. Diretrizes para relatório de sustentabilidade. Disponível em: <https://www.globalreporting.org/>. Acesso em: 09 abr. 2024.
[9] Oliveira, G.D.; Morong, F.F. 2020. A mineração brasileira à luz dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Colloquium Socialis. 4(1): 31-45. 10.5747/cs.2020.v04.n1.s088.
[10] Tachizawa, T. 2022. Gestão Ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. 8ed. São Paulo, SP, Brasil: Atlas.
11 Gil, A. C. 2008. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ed. São Paulo, SP, Brasil: Atlas.
12 Prodanov, C.C.; Freitas, E.C. 2013. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2ed. Novo Hamburgo, RS, Brasil: Feevale.
[13] Prno, J.; Slocombe, D.S. 2012. Exploring the origins of ‘social license to operate’ in the mining sector: perspectives from governance and sustainability theories. Resources Policy. 37(3): 346–357. https://doi.org/10.1016/j.resourpol.2012.04.002.
[14]Organização Internacional do Trabalho (OIT). Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes. Genebra, 1989. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—sro-brasilia/documents/publication/wcms_246029.pdf. Acesso em: 01 jul. 2025.
COMO CITAR
Silva, A.M.; Freitas, B.C. Avaliação do nível de maturidade em sustentabilidade de um projeto de mineração. Revista E&S. 2025; 6: e2025015.
SOBRE AS AUTORAS
Amanda do Nascimento Silva – Especialista em Gestão de Projetos. Engenheira de Planejamento de Lavra. Centrumvägen 1, 696 76, Zinkgruvan, Örebro, Suécia.
Beatriz Cristina de Freitas – Doutora em Odontologia. Especialista em Gestão de Projetos. Professora orientadora. Rua Cezira Giovanoni Moretti, 580, Santa Rosa, 13414-157, Piracicaba, São Paulo.