Distribuição de alimentos no transporte rodoviário
23 de março de 2023
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DOI: 10.22167/2675-6528-20230015
E&S 2023,4: e202300015
Ana Carolina da Angela Guastali
A circulação de produtos no Brasil depende em mais de 60% do transporte rodoviário de carga, incluindo itens essenciais, como alimentos e combustíveis. Apenas caminhões de carga conseguem realizar entregas de produtos na porta do consumidor final, fazendo com que esse tipo de transporte seja indispensável[1].
A importância dos caminhões é ainda maior em países que investem pouco em malha ferroviária, como é o caso do Brasil. Praticamente todo transporte ferroviário é utilizado basicamente para cargas de minério e grãos, o percurso é mais lento e o custo elevado e manutenção diminui sua força competitiva em relação ao modal rodoviário[2]. Dessa maneira, os consumidores dependem do transporte por caminhões para receber todos os itens indispensáveis em seus logradouros[3].
Em 2018, caminhoneiros fizeram uma paralização de 10 dias em rodovias de todo território nacional brasileiro, como forma de protesto, por conta de aumento no valor do óleo diesel, dificultando o fluxo de produtos e causando desabastecimento de mercadorias, principalmente os perecíveis, reafirmando o quanto a economia brasileira depende do transporte rodoviário para o escoamento dos produtos e alimentos[4].
O recente surto do coronavírus, iniciado em 2020, ocasionou grande aumento na demanda dos veículos de transporte rodoviários para manter o fornecimento de alimentos, pois havia receio da falta de alimentos e racionamento[5]. Ao mesmo tempo, havia o medo dos motoristas por conta da exposição em locais de grande circulação de pessoas, nos quais o risco de contaminação ainda é grande. As pequenas transportadoras tiveram que adotar maiores medidas de segurança e higiene para proteger os motoristas do risco da doença, implantando o uso de etiquetas (tags) nos pedágios, cartões alimentação, cartões abastecimento, para que o funcionário tivesse o mínimo de contato com outras pessoas e com dinheiro[6].
Devido ao alto custo de investimento em equipamentos e softwares voltados para a logística, é quase inviável que pequenas e médias empresas instalem tais sistemas para todos os seus veículos e funcionários. As pequenas e médias empresas definem suas operações de negócios como aquelas que excedem os padrões de uma microempresa e ainda ficam aquém de ser uma grande empresa[7]. Nas fronteiras interestaduais o uso de tecnologias também é arcaico, fazendo com que o motorista tenha que ter contato com os agentes, situação que muitas vezes, pela falta de um sistema integrado, gera atrasos nas viagens, e com isso gera mais despesas para as empresas de transporte[8]. Ante o exposto, é fundamental a análise das empresas na busca em diminuir custos, sem perder a qualidade dos serviços.
A empresa estudada, para fins de preservação de identidade será tratada neste estudo como EggEgg. Fundada em 1996, é uma organização de porte médio que atua no setor de transportes de cargas rodoviárias. A transportadora possui uma frota com 20 veículos de carga, com 30 funcionários diretos e 15 prestadores de serviços indiretos. A empresa enquadra-se como empresa de pequeno porte, situada na cidade de Iacri no interior do Estado de São Paulo, próxima a cidade de Bastos, onde estão localizadas as empresas atendidas pela EggEgg.
A cidade de Bastos é um grande polo avicultor, referência no país, conhecida como a capital nacional dos ovos. A região de Bastos tem um dos planteis de aves poedeiras de tamanho expressivo dentro do Brasil, desde 2017 responde por cerca de 20% da produção brasileira e produz atualmente 20 milhões de ovos por dia, cenário onde foi realizada essa análise. Para o escoamento dessa produção para todo o Brasil, utiliza-se o transporte rodoviário, considerando todas as empresas instaladas na cidade, tem-se mais de 1000 caminhões, entre trucks, bitrucks e semirreboques, o que faz que a concorrência seja alta diante das oportunidades[9].
A EggEgg atende as regiões Sul e Sudeste do Brasil, do qual presta serviço a grande número de clientes. Possui forte posição de mercado na região em que atua, com influência direta na precificação e, por possuir uma frota de 20 veículos seminovos, é bem-conceituada entre as empresas contratantes por oferecer serviços de segurança e qualidade, e busca constantemente de melhorar os processos e o atendimento ao cliente.
O estudo foi fundamentado em observação direta qualitativa, pesquisas documentais feitas em sites e documentos da empresa, visando registrar e sistematizar uma abordagem metodológica de implementação de uma ferramenta estratégica, a matriz SWOT (“Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats”). O período analisado foi de outubro de 2021 a março de 2022. A pesquisa teve a colaboração de uma profissional que acompanha a rotina da empresa por mais de 7 anos e tem expertise no assunto.
A ferramenta de análise matriz SWOT foi escolhida porque permite à organização ter um plano de ação para diminuir os riscos, aumentar a produtividade e a receita, sendo útil ao empreendedor, pois ele se sentirá incentivado a analisar sua empresa a partir de uma variedade de perspectivas de maneira fácil, objetiva e construtiva[10][11].
Setores como a agricultura utilizam o transporte rodoviário para trafegar seus produtos, frutas, verduras, perecíveis e lacticínios para o abastecimento da cadeia, mesmo sendo um dos meios de transporte mais caros[12]. O preço do diesel oscilando desde 2018, aumentou a concorrência no mercado, com isso, a cadeia de suprimentos pressiona por preços mais altos e pedidos de compras com prazos de pagamento mais curtos. Os consumidores estão cada vez mais exigentes, sendo importante considerar a demanda de preço, qualidade e disponibilidade. O setor mais exigido em toda a operação, acaba sendo o transporte, que tem sua lucratividade reduzida e sobrecarga de trabalho de motoristas e operadores[13].
O transporte ferroviário ainda é subutilizado no país, apesar de custar cinco vezes menos, respondendo por menos de 20% do setor de cargas. De acordo com o relatório da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a malha ferroviária brasileira era de apenas 29.165 quilômetros de extensão em 2016[14]. Isso faz com que o segmento de transporte rodoviário seja um mercado atrativo, onde o fluxo sai do interior do país, abastecendo grandes centros. As empresas tem buscado tecnologias de gestão que melhorem o atendimento dos clientes quanto às suas necessidades e garantir a construção de um caminho que fidelize essa parceria no futuro, impulsionados pela evolução e competitividade do mercado. Dado que as decisões de hoje podem afetar o desempenho de amanhã, é fundamental estar preparado para uma situação comercial desconhecida[15].
Hoje no Brasil vigora uma das maiores cargas tributárias do mundo[16] apesar das adversidades, e sendo um setor que sofre com falta de infraestrutura adequada, seguem trabalhando por todo o período de quarentena, ainda assim dentre os setores com menor carga tributária encontra-se o de transportes[17]. A maior concentração de transporte de cargas rodoviárias entre as principais economias do mundo, é encontrada no Brasil, os números são a maior confirmação desse fato: 60 % das mercadorias no país têm seu transporte feito pela malha rodoviária[18][19]. Apesar de existirem outros tipos de transporte no país, esse ainda acaba sendo a opção mais utilizada[19]. De acordo com a CNT [20], o transporte rodoviário é o principal sistema logístico do país. O Brasil é o quarto maior em malhas rodoviárias, contando com cerca de 1,7 milhão de quilômetros de estradas. Apesar dos números positivos, apenas 12,4% das estradas estão pavimentadas, enquanto que os 87,6% não são: uma estatística alarmante, que exige maior atenção das autoridades[20]. A gestão de abastecimento da cadeia de alimentos perecíveis é complexa , porque as dificuldades aumentam na fase de distribuição para manter a qualidade do produto, sobretudo num país continental e condições geoeconômicas e de infraestrutura tão variadas[21]. Esse estudo usou a matriz SWOT como ferramenta relevante para auxiliar no desenvolvimento da estratégia, enfatizando a necessidade de diagnosticar adequadamente os ambientes internos e externos para construir um caminho orientado pelo pensamento estratégico e congruente com as necessidades futuras (Figura 1).
Figura 1. Matriz SWOT com informações do estudo de caso realizado na EggEgg
Fonte: Elaborado pelo autor.
Com base na análise de dados documentais, e com o objetivo de melhorar os problemas da empresa através do uso da matriz SWOT, descobriu-se que determinados pontos podem apresentar uma natureza complexa, necessitando de debate constante dentro da organização por meio do planejamento estratégico. Duas relações foram estabelecidas durante o período estudado, cujo foco da pesquisa foi primeiramente no ambiente interno, uma delas denominada como forças e outra para as fraquezas. No caso da EggEgg as forças que foram destacadas, demonstram a preocupação em atender com qualidade, segurança e agilidade, prezando a parceria de longo prazo com os clientes.
Na EggEgg, as fraquezas estão sendo tratadas com treinamento, criação de processos, no caso da alta rotatividade de funcionários. Por se tratar de um setor que não pode parar, o rodízio de horário também passou a ser adotado, para que fosse diminuída a carga horaria dos funcionários do administrativo. A empresa procurou parcerias com grandes empresas, fixando quantidade mínima de cargas por semana, essa decisão ajudou a ter um maior fôlego no fluxo de caixa, pela assiduidade das cargas, movimentando a frota de veículos parados, não deixando-os parados no pátio. Para diminuir custos com manutenção, foram vendidos 3 veículos com mais de dez anos de uso, para investimento na renovação da frota.
Sobre as influências dos ambientes externos, destacamos o bom relacionamento com os parceiros, o que ajuda na indicação boca a boca, bom planejamento de rotas, para não haver perda de tempo, aumentando a agilidade dos serviços prestados. Outro fator importante, é o desempenho da equipe de motoristas, que gosta do que faz, e desempenha um excelente trabalho nas estradas, sendo motivo de muito orgulho da empresa, pois o comportamento nas estradas, por vezes, pode prejudicar e muito um trabalho de uma vida toda. Entretanto ameaças existem, apesar da empresa EggEgg, pertencer a um setor de extrema importância na economia brasileira, ela pode sofrer perdas significativas em função dos encargos, os altos valores dos insumos, o descontrole no preço do diesel, a legislação da carga horária de motoristas, os maus equipamentos de pesagem nas estradas, podem ser altamente prejudiciais para a empresa. Uma pequena empresa sofre demais com as leis trabalhistas, pois precisa ter motoristas reservas para não haver excesso de horas, andar com peso abaixo da capacidade do veículo para não receber multa de peso no entre eixo do veículo.
Todos esses detalhes oneram o pequeno empresário, fazendo com que encareça o custo do serviço, e nem sempre esses valores podem ser repassados para o cliente. Então, mesmo sendo o setor que movimenta o comércio brasileiro, é o mais atingido por não ter uma política pública que ajude o transportador. Para EggEgg a pesquisa foi importante, fez com que o planejamento estratégico agisse com pequenos ajustes, para ter melhorias significativas na saúde financeira da empresa. Também foi esclarecedor para a gestão mostrando os pontos a serem melhorados, e os que necessitam de maior cuidado, para evitar problemas futuros.
Com base na análise feita nessa pesquisa, foi alcançado o objetivo de evidenciar que a empresa para ter melhores ganhos, precisa diminuir a frota com a venda de veículos antigos, que geram muitos gastos com manutenção, e com isso reduzir a folha de pagamento, pois o cenário atual com altos preços de diesel, fica inviável o crescimento nesse momento. Ações de acompanhamento serão realizadas para que no momento oportuno a aquisição de veículos novos seja feita. Com esse trabalho visualizamos a importância de aplicar ferramentas estratégicas para definir metas e elaborar um planejamento financeiro para permanecer ativo no mercado.
Referências
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Como citar
Guastali A.C.A. Distribuição de alimentos no transporte rodoviário. Revista E&S. 2023; 4: e20230015.
Sobre os autores
Ana Carolina da Angela Guastali, Graduada em Tecnologia em Processamento de Dados, Especialista em Gestão de Negócios, Iacri, SP, Brasil.
Link para download: https://revistaes.com.br/wp-content/uploads/2023/03/ES_23015.pdf