Sem filtro: reflexões sobre autenticidade, autoestima e o impacto das redes sociais
24 de janeiro de 2025
4 min de leitura
Desativação de filtros no Instagram expõe sua influência na criação de um padrão estético digital irreal

Em 14 de janeiro de 2025, o Instagram anunciou a desativação de todos os filtros de terceiros na plataforma, marcando o fim de uma era de edição digital que transformou a maneira como os usuários do aplicativo interagem com suas imagens nas redes sociais.
Os filtros, em particular os de realidade aumentada (RA), permitiram uma personalização instantânea de fotos e vídeos, criando um ambiente digital mais dinâmico, criativo e, por que não dizer, mais divertido. No entanto, a popularização de tais recursos também gerou discussões sobre os impactos no que diz respeito à autoestima e à forma como as pessoas se veem, especialmente os jovens.
Uma pesquisa do Comitê Gestor de Internet no Brasil com dados de 2022 mostrou que 92% da população com idade entre 9 e 17 anos era usuária de internet no país (cerca de 24,4 milhões de crianças e adolescentes) naquele ano. Entre esses usuários, 86% tinham perfil em alguma rede social. A maioria dos respondentes na faixa dos 15 aos 17 anos (51%) afirmaram que o Instagram era a principal rede que acessavam.
O uso de filtros nas redes sociais, especialmente no Instagram, sempre foi uma maneira lúdica e criativa de alterar a aparência de fotos e vídeos. Com a RA, tornou-se possível até adicionar elementos digitais a uma imagem real, criando efeitos visuais cada vez mais sofisticados e, muitas vezes, engraçados.
A Meta, empresa responsável pelo Instagram, foi uma das pioneiras ao lançar a plataforma Spark, em 2017, permitindo que usuários e marcas criassem seus próprios filtros personalizados. Inicialmente, os filtros eram uma novidade divertida, mas logo se tornaram uma tendência predominante, com milhões de filtros disponíveis para download e compartilhamento, alguns prometendo “realçar a beleza”. Essa expansão levou a uma mudança significativa nos padrões de beleza e nas interações sociais dentro da plataforma. Afinal de contas, quem nunca usou um filtro para se sentir melhor ou mais bonito naquele post?
Impactos sociais e emocionais
Embora os filtros possam ser usados de maneira criativa, eles também têm gerado discussões quanto às implicações para a autoestima. Um estudo da Allergan Aesthetics (2022) realizado no Brasil revelou que 98% dos entrevistados acreditavam que as redes sociais têm impacto na autoestima, sendo que 24% dos participantes consideravam esse impacto negativo. A pesquisa foi feita com 650 pessoas na faixa dos 18 a 50 anos, em oito capitais brasileiras, das quais 76% eram mulheres, e 24%, homens.
Nesse sentido, será que o uso excessivo de filtros, especialmente os de beleza, não tem contribuído para a criação de padrões estéticos irreais, que muitas vezes não refletem a aparência natural das pessoas, especialmente das mulheres? Essa questão pode levar a uma outra reflexão que está centrada na comparação constante entre a realidade e o filtro, o que pode gerar sentimentos de inadequação e insegurança.
Além disso, os filtros contribuem para a construção de uma estética digital que prioriza a perfeição visual, em detrimento da realidade. E sabemos que a perfeição é inalcançável. Além disso, a pressão para manter uma imagem impecável nas redes sociais – onde tudo tem que ser perfeito e rodeado de felicidade – é apontada como uma das principais causas de transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão, especialmente entre os mais jovens, que se veem cada vez mais expostos a um mundo virtual em que a aparência é altamente idealizada. Em alguns casos, além de usar muitos filtros, os influenciadores digitais também incentivam esse comportamento focado na perfeição visual.
Dados alarmantes
De acordo com o estudo da Allergan Aesthetics, 93% dos participantes afirmaram que o uso excessivo de filtros tem criado um nível de cobrança estética difícil de atingir, e 63% disseram conhecer ou ter ouvido falar de pessoas que já haviam deixado de sair de casa ou participar de encontros para não serem vistas sem filtros. Esse comportamento reflete uma dependência crescente dos filtros para manter a imagem pública nas redes sociais. Além disso, 40% dos entrevistados afirmaram que usavam filtros frequentemente para melhorar sua aparência nas postagens, informação que destaca como a utilização dessas ferramentas se tornou uma prática comum e esperada.
Mais autenticidade?
Autenticidade não tem sido um tema novo nas redes sociais. Há algum tempo já estamos falando da importância de conteúdos e imagens reais que gerem mais representatividade para a audiência. O fim dos filtros de terceiros pode parecer apenas mais uma decisão empresarial, mas essa decisão traz consigo uma série de reflexões sobre o uso das redes sociais.
Nos últimos anos, vimos um movimento crescente em direção à celebração da diversidade e à promoção de uma imagem pessoal mais verdadeira nas plataformas digitais. Surgiram mais influenciadores diversos, perfis que celebram as diferenças e marcas abraçando campanhas nesse sentido. Isso tudo porque uma parcela de quem está no Instagram se sente pouco representada, inclusive, pelo “excesso de beleza e felicidade” constantemente exposto na rede. Ainda que tímidos, movimentos para que haja mais imperfeições e vulnerabilidades têm surgido e se tornado importantes para desestigmatizar a busca por um padrão de beleza perfeito e incentivar os usuários a se aceitarem como são.
Nesse sentido, será que o fim dos filtros de terceiros pode representar uma mudança positiva, de maneira que as redes sociais promovam um ambiente mais saudável? Será que estamos diante de uma oportunidade para repensarmos a forma como nos vemos e como nos mostramos no Instagram?
Sabemos que as redes sociais têm o poder de influenciar nossas percepções e comportamentos. À medida que avançamos em um mundo digital cada vez mais conectado, é importante refletir sobre o impacto que as imagens que compartilhamos têm sobre nós mesmos e sobre os outros.
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