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Coluna

O tradutor “fiel”

10 de abril de 2025

7 min de leitura

Dependência do contexto e da situação tornam a fidelidade da tradução uma causa perdida

A fidelidade do tradutor é e sempre será uma causa perdida e sem reparação. Apesar de essa frase soar bruta, ela exprime a mais pura realidade. Nenhum tradutor que se preze — profissional e financeiramente — irá fazer uma tradução palavra por palavra e ao pé da letra, pois a tradução é dependente do contexto e da situação do texto-fonte (original) e do texto-alvo (traduzido). Com isso, cria-se a necessidade da localização e da adaptação cultural como estratégias tradutórias, sem as quais o resultado pode ser a perda das nuances culturais e linguísticas, prejudicando a compreensão por parte do público-alvo e a propagação do conteúdo.

É comum ouvir que qualquer pessoa bilingue pode atuar como tradutor. Além de essa sugestão desvalidar anos de estudo e prática de um profissional da área, a realidade não poderia estar mais longe disso, porque saber um idioma não faz da pessoa um tradutor, e sim um detentor de conhecimento.

Traduzir exige um aglomerado de habilidades e conhecimentos específicos que vão além do domínio dos dois idiomas. O papel do tradutor é avaliar a necessidade de compreensão e acessibilidade do público-alvo, e seguir os conhecimentos da língua, que não se limitam aos fatores linguísticos — compreensão cultural e técnica e habilidades de escrita e/ou fala —, levando também em consideração pontos como localização, adaptação de personagens, fatores humorísticos, naturalidade de diálogos e fatores culturais. Sendo que esses últimos, muitas das vezes, não se substituem igualmente entre o original e o traduzido.

O problema principal permanece sob o fato de que, na linguagem, tudo é culturalmente produzido, inclusive ela mesma. Para Nord (1997), o tradutor atua como uma ponte de comunicação entre a cultura-fonte e a cultura-alvo, transferindo essa comunicação a partir do seu conhecimento prévio e sendo responsável por definir qual é o escopo. A interpretação, por sua vez, depende fortemente da experiência pessoal e conhecimento de mundo do tradutor.

Como exemplo, podemos pegar o reality show “Chegou a Honey Boo Boo”, da rede TLC, que traz a realidade de uma família do interior da Georgia, nos Estados Unidos. Na versão dublada, Francisco Brêtas, responsável pela tradução e dublagem de um dos personagens principais, optou por se orientar pelo sotaque caipira mineiro para a adaptação da obra. Quando questionado sobre a escolha, o dublador afirmou que a própria produção do reality queria manter a essência caipira da família e que, para que isso ocorresse, ele optou pelo apoio daquilo que já domina desde a infância: ser mineiro.

A tradução muitas vezes é um desafio, pois é necessário considerar as especificidades de cada língua e o processo de tradução, principalmente quando tratamos da delicadeza da área audiovisual. É necessário, também, considerar as circunstâncias em que o texto-alvo foi criado, que podem diferir das do texto-fonte. Por isso, o profissional da tradução há de priorizar o “para que” frente ao “como”, fazendo o objetivo prevalecer sobre como ele é alcançado.

Para Bezerra (2012), os processos de recodificação interlingual não podem ser explicados se forem isolados de todo o conjunto de relações entre língua-fonte e língua-alvo. É necessário avaliar a singularidade dos múltiplos modos de linguagem e cultura. A tradução há de se basear em fatores extralinguísticos, simbolizando uma transição no paradigma do processo tradutório.

Abrasileirar vs americanizar

É importante entender que a tradução e as relações interculturais funcionam de maneira dinâmica, a partir da premissa de que dois elementos não mantêm a mesma relação durante um período de tempo considerável. Nesse enredo, a tradução e dublagem do Brasil se destacam positivamente no contexto mundial, por priorizar o método de “abrasileirar” as obras, aproximando o público brasileiro da obra original de forma suave e natural.

Uma tradução “bem-feita” ressoa e repercute com o público, perpetuando-se de diferentes maneiras. Abaixo trago alguns exemplos dentro de filmes e livros em que a tradução atuou de maneira assertiva na conquista do público-alvo e na propagação da obra no Brasil, impactando o produtor financeiramente, e a audiência, afetivamente.

O primeiro é o filme “Shrek 2”: em uma das cenas, o personagem Burro está passando por um arbusto relativamente grande ao lado de seu companheiro, Shrek. No original, Burro se expressa dizendo “There’s a bush that shaped like Shirley Bassey” (tem esse arbusto que é igual à Shirley Bassey). O erro de concordância gramatical no inglês é proposital e traz uma naturalidade para a fala do personagem, e a menção à cantora Shiley Bassey imprime um tom humorístico na cena.

O tradutor tinha a opção de manter o nome da cantora na versão em português, principalmente em razão de ela ter ganhado evidência na indústria musical na segunda metade do século XX — dando voz às trilhas sonoras da franquia James Bond. Porém, para aproximar o público brasileiro da obra, a tradução foi finalizada como “E esse arbusto aqui que é a cara da Fafá de Belém”, o que fez com que o fator humorístico fosse aplicado com maestria. Por isso, a cena se mantém icônica e é constantemente relembrada, mesmo depois de 20 anos desde a estreia do filme.

O segundo exemplo é alocado dentro do contexto financeiro, onde a tradução superou o impacto da obra original e foi adotada como a “melhor versão” pelo público lusófono – evento raro dentro da comunidade literária brasileira. Em 2014, segundo uma notícia publicada por Marcelo Hessel (crítico e jornalista) no portal Omelete, o Brasil arrecadou cerca de US$ 41,5 milhões logo após a estreia do filme “Amanhecer – Parte 2” (da saga adolescente de livros e filmes “Crepúsculo”), que foi visto por mais de 1 milhão de espectadores no dia de lançamento.

Esses números se originaram a partir do consumo prévio dos livros traduzidos, que, segundo as opiniões dos participantes das discussões em plataformas on-line como Reddit, transmitiram uma profundidade maior aos personagens e localizaram a linguagem de acordo com a idade correspondente de cada um, apesar de a obra ser “americanizada” em todos os aspectos: costumes, cidades e nomes. Esse sucesso posicionou o Brasil como o terceiro mercado do filme no mundo apenas duas semanas após sua estreia nas telonas.

Ao contrário do que parece, a maioria das mudanças feitas na tradução costumam ser tão suaves que o expectador não tem tempo de assimilar que está consumindo uma tradução.

O terceiro e último exemplo é retirado da obra mencionada no início do texto, o reality show “Chegou a Honey Boo Boo”, da emissora TLC, televisionado em 2012. A obra conta com diversas estratégias de tradução que não cabem aqui, mas há uma cena em que o tradutor foi perspicaz ao fazer a escolha final. A família está comprando abóboras para a chegada do Halloween quando a personagem principal, Alana, avista uma abóbora grande e pede à sua mãe para comprá-la. A mãe, June, preocupada com o possível valor, exclama: “That pumpkin probably costs fifty dollars” (aquela abóbora provavelmente custa 50 dólares).

A fala não requeria, necessariamente, um processo de localização muito específico, pois o show cita constantemente a rotina e os costumes das famílias no interior da Georgia, mas o tradutor optou por adaptar o original para “Deve custar 50 pila”. A simples troca de “dólares” para “pila” trouxe uma nova avaliação à cena em tela, o que posicionou o público como pertencente, mesmo sem a presença da palavra “reais” na tradução.

Globalização e itens culturais

Segundo Aixelá (1996), a assimetria cultural entre duas comunidades linguísticas reflete-se inevitavelmente nos discursos de seus membros. Quando analisada em perspectiva, diante de uma ampla gama de elementos culturais capazes de desafiar ou questionar as concepções de vida de um grupo, a tradução desempenha um papel fundamental ao oferecer ao público-alvo diversas estratégias de mediação. Essas estratégias variam desde a conservação, que mantém a alteridade ao reproduzir os sinais culturais presentes no texto de origem, até a naturalização, que adapta esses sinais à cultura de chegada, tornando o outro uma representação cultural familiar. A escolha entre essas abordagens, em conjunto com outros fatores, evidencia tanto o grau de tolerância do público-alvo quanto a sua disposição para a solidariedade intercultural.

Há também, dentro do contexto de globalização e adoção da língua inglesa como o novo esperanto, uma grande tendência de americanizar a narrativa, principalmente nas séries, para facilitar a comercialização nos Estados Unidos. Esse processo de “americanização” de textos e sinais culturais prejudicou mundialmente a propagação das obras de raízes culturais.

No enredo do processo tradutório de textos de séries e filmes, a estrangeirização tende a ser mais presente, enquanto para textos literários, a domesticação da tradução tem mais liberdade de ser explorada, por não depender necessariamente de áreas mais arbitrárias de cada sistema linguístico, como ruas, figuras histórias ou nomes de lugares — a expressão “arbitrárias”, nesse caso, significa que não há uma relação lógica ou natural entre a palavra e o objeto que ela representa. A presença de trechos que exigem explicação devido a diferenças interculturais leva o tradutor a precisar expandir sua visão.

Estratégias

Para Gambier (2009), as estratégias de tradução dependem da cultura, da língua e de como elas podem ser adaptadas nas obras traduzidas. O autor define a tradução como um “complexo ato linguístico-cultural de comunicação, recontextualizando a mensagem dentro de outro contexto” e, frente aos diversos itens culturais específicos (CSIs) que precisam ser tratados, é comum tradutores utilizarem estratégias diferentes dentro do mesmo texto. O tradutor pode também, segundo a teoria funcionalista, resolver os desafios tradutórios se baseando na função do texto-alvo, não havendo mais a necessidade de retornar ao texto-fonte com muita frequência.

Não há, necessariamente, uma maneira correta ou errada de realizar uma tradução. Apesar da existência de diversas estratégias e formas de percorrer o processo tradutório, a recodificação cultural fica disponibilizada a partir do próprio conhecimento de mundo do tradutor e de sua visão (às vezes a do seu cliente também).

A atuação do tradutor, portanto, vai além da simples transposição linguística, configurando-se como um exercício constante de mediação cultural e de tomada de decisão estratégica. Em um cenário de crescente globalização, no qual as trocas culturais ocorrem de maneira acelerada e dinâmica, a formação profissional do tradutor se torna essencial para que ele possa lidar com a complexidade dos discursos e a diversidade dos elementos culturais presentes nos textos.

A competência tradutória não se restringe ao domínio das línguas de partida e chegada, mas envolve também uma compreensão profunda das nuances culturais, dos efeitos pragmáticos do discurso e das expectativas do público-alvo. Assim, para que o tradutor possa exercer seu papel como ponte entre culturas de forma eficaz e ética, é necessário um olhar atento às transformações socioculturais que moldam as relações globais.

A tradução segue sendo uma obra viva que, no mundo contemporâneo, há de deixar de ser conhecida como um simples processo resultante da globalização para passar a ser encarada como seu ponto inicial.

Este conteúdo foi produzido por:

Isabela Talita Segredo

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Gerente de projetos e tradutora na Skylar, onde desempenha sua função em demandas relacionadas à frente Skylar Business. Trabalhou como professora de língua inglesa por quatro anos antes de migrar para o campo da tradução e legendagem. Seu foco de pesquisa e interesse está na Tradução Audiovisual, com especial destaque para a dublagem e a transposição cultural em aspectos extralinguísticos.

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