O papel da legenda no audiovisual
18 de outubro de 2024
6 min de leitura
Além de ser crucial para a inclusão social, a legendagem evoluiu para atender a um público cada vez mais exigente e diversificado
Para assistir a qualquer tipo de material audiovisual produzido num idioma diferente do que é nativo para o espectador, é indispensável o uso de algum recurso de tradução – a menos que haja fluência no idioma de partida. Infelizmente, essa ainda não é a realidade da maioria dos brasileiros. De acordo com o British Council, 5% da população do Brasil consegue se comunicar em inglês, e apenas 1% é fluente.
A fim de sanar essa necessidade, há muito tempo a indústria cinematográfica incorporou diversos recursos para tornar os materiais audiovisuais acessíveis em vários idiomas. Os principais são a dublagem e a legendagem. Ok, nada de novo até aqui.
Até alguns anos atrás, o recurso mais comum e difundido era a dublagem, por conta da ampla acessibilidade dos canais de TV aberta à população em geral. Só era possível assistir a um filme com legenda nos cinemas (comprando ingresso para a sessão legendada) ou possuindo uma assinatura de TV a cabo. Na época existia até uma rixa entre os que preferiam assistir a filmes dublados e os que gostavam mais dos legendados. É provável que ainda exista.
Essa história mudou quando as plataformas de streaming começaram a se difundir, personalizando a experiência do usuário. A partir daí passou a ser possível assistir o quê, onde e quando a pessoa quiser, com direito também a “como”: dublado ou legendado? Respeito os defensores da dublagem; de fato, é um recurso que facilita a compreensão e ajuda o espectador a prestar mais atenção aos detalhes da cena. Mas meu xodó sempre será a legenda, e aqui está a explicação: optando por assistir legendado, o usuário tem um áudio 100% original – e até clean de certa forma –, o que proporciona uma imersão autêntica na cultura do conteúdo produzido. É possível, por exemplo, identificar os sotaques, os dialetos e as variações regionais de uma mesma língua.
O espectador consegue ainda aprimorar a habilidade de escuta em outro idioma e tem a seu dispor uma tradução muito mais fiel ao original, já que, na dublagem, a tradução precisa priorizar a sincronia labial, o que diminui a fidelidade ao conteúdo original.
Closed caption
Além das legendas disponíveis em idiomas diferentes daquele que figura na versão original, existe outra opção chamada closed caption, representada nos streamings pelas letras “CC”. Os termos em inglês significam literalmente “legenda fechada”. Em síntese, é uma transcrição descritiva de tudo o que for sonoro no conteúdo audiovisual (falas, músicas, sons, ruídos). Além disso, o que também caracteriza a legenda como sendo CC é a inclusão dos nomes ou denominações dos personagens em suas falas.
Pode parecer simples, mas acrescentar todos esses detalhes de closed caption em cada segmento de legenda, em cada fala, som e música que toca em um filme com duração de uma hora e meia exige que o profissional tenha um senso muito detalhista, sem o qual definitivamente não serviria para o ramo.
O closed caption é uma legenda no mesmo idioma do vídeo, isto é, uma transcrição descritiva no idioma original do conteúdo audiovisual. Então, se um filme for brasileiro (e, consequentemente, em português), o closed caption será uma transcrição em português de tudo o que for sonoro. Se o filme for americano, o CC será em inglês, e assim por diante.
É por esse motivo que, na maioria das vezes, existe uma única opção de CC disponível em cada conteúdo audiovisual, mesmo que haja cenas e personagens com falas em outros idiomas. Também pode acontecer de haver mais de uma opção de closed caption para diferentes variações de um idioma, como, por exemplo, português brasileiro e português de Portugal, inglês americano e inglês britânico, entre outros. Não é tão comum, mas ainda assim, o idioma é o mesmo.
O principal objetivo do closed caption é proporcionar acessibilidade e inclusão audiovisual a pessoas com deficiência ou dificuldade auditiva. O recurso também pode ser utilizado para auxiliar idosos e pessoas em processo de alfabetização, além de espectadores com dificuldade no idioma de forma geral, como, por exemplo, no caso de um usuário que está acostumado com um dialeto diferente daquele utilizado pelos atores do filme. Além disso, assim como a legenda comum, o CC ajuda o espectador a aprimorar a fluência da escuta e da leitura em outro idioma, servindo como um complemento para auxiliar no aprendizado de um novo idioma.
Apesar da semelhança, legenda e CC não “disputam” entre si pela escolha do espectador. Pelo contrário, o closed caption é uma ramificação da legendagem, ou uma legenda “mais elaborada”, por assim dizer. Basicamente, ambas as ferramentas têm o mesmo propósito, mas são recursos usados por públicos-alvo diferentes. Grosso modo, o espectador que necessitar de tradução vai escolher entre dublagem e legendagem. Já o espectador que precisar de acessibilidade auditiva vai optar pelo CC.
O cliente
Apesar de todos os benefícios para o espectador, que é o consumidor final do conteúdo audiovisual, ele não é o principal cliente desse ramo. O contratante do serviço de legendagem e dublagem é o verdadeiro público-alvo do setor; é quem disponibiliza esses recursos para os espectadores. E onde o cliente entra nessa história?
Exemplo prático: toda vez que uma série americana está prestes a ser lançada no Brasil, a plataforma de streaming tem a responsabilidade de disponibilizar a dublagem e a legendagem ao assinante (o espectador), assim como o closed caption em produções brasileiras. É nesse momento que esses serviços são contratados. Para o cliente, ou seja, a plataforma de streaming, os mais vantajosos são a legenda e o CC, pois são mais baratos e envolvem menos etapas para serem produzidos. Isso porque, ao contrário da dublagem, que na maioria das vezes exige tradutor, atores e estúdio de gravação, a legenda pode ser produzida integralmente pelo tradutor ou profissional de CC, que geralmente faz os dois.
De acordo com o Business Research Insights, a pandemia da COVID-19 teve um impacto expressivo no mercado de legendagem, aumentando consideravelmente a opção pela inclusão de legendas em diversos âmbitos para além da indústria cinematográfica, como é o caso do campo educacional. Várias instituições têm oferecido cursos totalmente à distância (EaD), em aulas gravadas e legendadas, muitas vezes em mais de um idioma. Isso faz com que estrangeiros ou pessoas não falantes do idioma local tenham acesso e possam participar dos cursos sem que o idioma prejudique o aprendizado. Esse ambiente fomentou o surgimento de empresas como a Skylar, startup que atua com foco total em legendagem. Fundada em 2015, a empresa é responsável por legendar as aulas dos cursos internacionais dos MBAs USP/Esalq nos idiomas português, inglês e espanhol, tornando-as inclusivas e acessíveis, principalmente para alunos estrangeiros.
O profissional
O profissional de legendagem precisa ter senso detalhista, além de domínio do inglês, que é o idioma mais utilizado no mundo todo nesse mercado.A proficiência em outras línguas é certamente um diferencial muito valorizado no ramo. Porém, o domínio do idioma estrangeiro não é o suficiente. É de suma importância que o profissional disponha de vasto conhecimento das regras e dos aspectos envolvidos na legendagem.
No Brasil, a formação desse profissional pode ser feita por vários caminhos. Existem os cursos de graduação em letras com habilitação em tradução e a possibilidade de adquirir a formação de especialista em tradução audiovisual, em cursos que têm disciplinas com foco na prática da legendagem. É possível ainda se tornar um profissional em legendagem fazendo cursos livres voltados para a área.
Nenhum dos cursos mencionados, porém, é obrigatório para exercer a profissão. Isso porque é possível adquirir experiência estudando o assunto por conta própria e, eventualmente, buscando a oportunidade de entrar para o mercado de trabalho como freelancer num primeiro momento. Independentemente do caminho que o profissional escolher, o que importa é a dedicação. A experiência adquirida em cada trabalho é o que vai torná-lo um excelente profissional em legendagem.
O futuro da legenda
Além de contar com uma equipe responsável por projetos de legendagem e closed caption com revisão humana, a Skylar desenvolveu uma tecnologia de tradução e legenda em tempo real, gerada instantaneamente por inteligência artificial (IA). A IA capta tudo o que for dito e reproduz instantaneamente como legenda em uma tela. Além de transformar um evento presencial, uma live ou uma videochamada em experiências inclusivas, eliminando a barreira linguística, o uso dessa tecnologia substitui a necessidade de cabine e serviço de interpretação simultânea ou consecutiva. A Skylar também desenvolveu uma solução para vídeos gravados, o aplicativo Legenda.ai, recurso para legendar reels, vídeos de TikTok ou qualquer outro conteúdo audiovisual mobile.
Em resumo, o que antes era um recurso raro avançou tanto que já ultrapassou os limites dos streamings. Segundo dados do Business Research Insights, atualmente a acessibilidade multilíngue é imprescindível para diversos públicos, devido ao alcance global do conteúdo digital. Por isso, já é possível encontrar legendas em praticamente todo tipo de conteúdo audiovisual em todo lugar: streamings, cursos on-line, eventos ao vivo, redes sociais, televisão, jogos, vídeos gravados, vídeos institucionais e muitos outros. Além de desempenhar um papel crucial no âmbito da inclusão social, a legendagem evolui constantemente para atender a um público cada vez mais exigente e diversificado. Em consequência, a legenda definitivamente se expandiu nos últimos anos e vem ganhando ainda mais força com as tecnologias e recursos aplicados a ela. Já temos acesso e estamos vivenciando todas as soluções existentes no segmento. E ainda assim, em pouco tempo, podemos esperar soluções ainda mais modernas e sofisticadas com as proporções que a tecnologia vem tomando. O futuro da legenda é agora.
Este conteúdo foi produzido por:
Leticia Contini
Gerente de projetos e tradutora da Skylar, atua no ramo da legendagem desde 2020. Pós-graduada em tradução. É entusiasta da tradução audiovisual acessível e, atualmente, exerce a função nos idiomas espanhol, inglês e português.