A IA e as novas fronteiras no setor de seguros
30 de abril de 2025
5 min de leitura
Técnicas de ciência de dados melhoram a precisão das previsões, otimizam processos e criam produtos mais justos e sustentáveis

A era atual é baseada em análise de dados, o que impõe desafios e oportunidades inéditos para o setor de seguros. Fatores tradicionais continuam a influenciar a sinistralidade e a precificação das apólices, enquanto novas tecnologias, como a inteligência artificial, o sensoriamento remoto e a análise de dados telemáticos, transformam a avaliação e a gestão de riscos. Este artigo explora os avanços recentes na modelagem de sinistros e precificação de seguros, com foco em como técnicas de ciência de dados melhoram a precisão das previsões, otimizam processos e criam produtos mais justos e sustentáveis.
A indústria de seguros sempre esteve ligada à análise estatística. Durante décadas, a precificação de apólices e a previsão de sinistros foram fundamentadas em modelos tradicionais como regressões lineares e modelos lineares generalizados (GLM), que oferecem alta interpretabilidade em cenários com relações lineares entre variáveis.
Entretanto, a complexidade dos riscos modernos, impulsionada por mudanças climáticas, novos padrões de mobilidade e transformações tecnológicas, evidenciou as limitações dos métodos convencionais. Muitos fenômenos passaram a demandar modelos capazes de capturar relações complexas e padrões ocultos nos dados.
Nesse contexto, técnicas como Random Forest, XGBoost e redes neurais profundas começaram a ser incorporadas ao processo de previsão de sinistros, oferecendo ganhos relevantes em precisão. Outro movimento importante foi a ampliação das fontes de dados, incluindo telemetria, imagens de satélite e dados climáticos para enriquecer os modelos de risco.
A adoção ampla dessas metodologias ainda enfrenta desafios como a necessidade de garantir a interpretabilidade dos modelos, proteger dados sensíveis e adequar as práticas às exigências regulatórias.
Seguro automotivo
O setor de seguros automotivos tem sido um dos mais dinâmicos na adoção de novas tecnologias. Com dados telemáticos detalhados sobre velocidade, aceleração e padrões de direção, as seguradoras dispõem de uma base mais rica para compreender o comportamento dos motoristas.
Estudos recentes mostram que a integração de dados telemáticos supera variáveis tradicionais na previsão de acidentes. Gao, Meng e Wüthrich (2019) demonstraram que variáveis derivadas de heatmaps de velocidade e aceleração foram mais eficazes que fatores demográficos para modelar a frequência de sinistros. Posteriormente, Gao, Wang e Wüthrich (2022) mostraram que a combinação desses dados com aprendizado de máquina melhora significativamente a precisão preditiva.
Yu et al. (2021) utilizaram redes neurais otimizadas por algoritmos genéticos para prever indenizações automotivas, atingindo acurácia superior a 95%. Modelos baseados em árvores de decisão também se consolidaram como alternativas robustas, com Hanafy e Ming (2021) demonstrando que o Random Forest obteve 86,77% de acurácia na previsão de sinistros.
A busca por modelos que combinem precisão com interpretabilidade levou a arquiteturas como o TabNet. McDonnell et al. (2023) observaram que o TabNet superou modelos tradicionais em recall e F1-score, oferecendo equilíbrio entre desempenho e transparência.
O setor também incorpora fontes alternativas de informação, como redes sociais, que podem aumentar em até 21,9% a precisão na previsão de solicitações de garantia automotiva (Shokouhyar et al., 2021).
Seguro agrícola
No seguro rural, a assimetria de informações representa um desafio significativo. A imprevisibilidade climática e a dificuldade de monitoramento em larga escala limitam a eficiência dos modelos tradicionais. Nesse cenário, a combinação de inteligência artificial com sensoriamento remoto surge como solução inovadora.
Barros e Freitas (2023) integraram imagens de satélite com algoritmos de aprendizado de máquina para prever sinistros agrícolas. Analisando mais de 9.500 contratos no Paraná, o estudo identificou o Random Forest como o modelo mais eficaz, com acurácia de 71,35%.
O diferencial dessa abordagem está na redução das assimetrias informacionais. Com imagens de satélite e modelos preditivos adequados, é possível monitorar continuamente as lavouras e antecipar riscos com mais precisão que os métodos tradicionais.
Essa metodologia também promove práticas mais inclusivas, permitindo que pequenos e médios produtores sejam avaliados de forma mais justa, com base em evidências objetivas.
Seguro de vida e previdência
O segmento de seguro de vida e previdência também incorpora avanços na modelagem de riscos. Esses produtos exigem previsões de longo prazo, sensíveis a mudanças demográficas e econômicas.
Gonçalves e Pandolfi (2024) demonstraram a eficácia dos modelos de séries temporais ao comparar regressão linear e modelos ARIMA. Utilizando dados de dez anos de grandes seguradoras brasileiras, concluíram que o modelo de regressão apresentou menor erro quadrático médio, mostrando-se ligeiramente superior.
Já Neves, Fernandes e Melo (2014) propuseram um modelo estatístico mais elaborado para a previsão das taxas de resgate de investimentos, combinando diferentes técnicas: utilizaram modelos lineares generalizados (GLM) para entender como variáveis explicativas (aquelas que têm potencial de influenciar ou prever a resposta de um experimento) influenciam os resgates, processos ARMA-GARCH para modelar simultaneamente a tendência e a volatilidade dessas taxas ao longo do tempo, e cópulas elípticas para analisar a relação entre os resgates e o desempenho do mercado financeiro. Essa abordagem permitiu observar que as taxas de resgate aumentam quando o mercado acionário apresenta pior desempenho, indicando uma correlação inversa. O estudo reforçou a ideia de que modelagens estatísticas sofisticadas são essenciais para avaliar adequadamente os riscos financeiros associados a esses produtos.
Seguro marítimo e climático
No setor de seguros marítimos, a integração de dados em tempo real tornou-se essencial. Operações em ambientes dinâmicos são impactadas por condições climáticas e fatores que mudam rapidamente, exigindo modelos capazes de capturar essa volatilidade.
Adland et al. (2021) demonstraram o potencial de dados meteorológicos combinados com registros do Sistema de Identificação Automática de Navios para prever sinistros navais. Analisando mais de 42.000 viagens no Pacífico Norte, empregaram modelos como regressão LASSO e XGBoost, mostrando que a inclusão desses dados melhorou significativamente a capacidade preditiva.
Essa abordagem representa um salto qualitativo em relação às metodologias tradicionais. Com dados de alta frequência, é possível ajustar preços de forma mais precisa e implementar medidas de mitigação de riscos em tempo real. Essas práticas têm potencial de aplicação para outros tipos de seguros afetados por variáveis ambientais, apontando para um futuro com precificação e gestão mais adaptativas.
Tendências e desafios
A transformação tecnológica no setor de seguros aponta para um futuro dinâmico e desafiador. A adoção de modelos avançados oferece ganhos em eficiência e precisão, mas surgem questões relacionadas à ética, governança de dados e regulação.
Uma tendência promissora é o desenvolvimento de modelos livres de discriminação. Lindholm et al. (2024) propuseram redes neurais multitarefa para calcular preços sem utilizar variáveis sensíveis ou suas proxies, assegurando que os algoritmos não perpetuem vieses históricos.
Outro desafio é o equilíbrio entre personalização e robustez preditiva. Hosein (2024) destacou que, embora a personalização traga vantagens competitivas, ela aumenta o risco de overfitting (quando o modelo se ajusta demais aos dados de treino, perdendo capacidade de generalizar para novos dados) e pode reduzir a robustez dos modelos em cenários fora da amostra.
A interpretabilidade dos modelos também se torna cada vez mais relevante. Soluções como o TabNet demonstram que é possível desenvolver modelos precisos sem abrir mão da capacidade de explicar as decisões preditivas.
A utilização de fontes alternativas de dados exige gestão criteriosa da privacidade e segurança das informações. A conformidade com normas como LGPD e GDPR será cada vez mais central para a sustentabilidade dos modelos de negócios baseados em dados. Em síntese, a próxima fronteira para o setor não será apenas tecnológica, mas também ética e regulatória.
As evidências apresentadas mostram que a combinação entre ciência de dados e inovação tecnológica gera ganhos substanciais em precisão, eficiência e sustentabilidade. O setor avança para práticas mais personalizadas, justas e resilientes.
Entretanto, os avanços técnicos trazem novos desafios. A necessidade de garantir equidade algorítmica, proteção de dados, transparência dos modelos e conformidade regulatória impõe uma agenda estratégica além da mera adoção de tecnologia. Inovar significa não apenas melhorar a capacidade de previsão, mas construir modelos de negócios éticos e responsáveis.
Em um mercado cada vez mais competitivo e orientado por dados, as seguradoras que conseguirem alinhar inovação tecnológica com práticas sólidas de governança terão vantagem estratégica significativa.