IA e inadimplência no Brasil: novas ferramentas
5 de agosto de 2025
7 min de leitura
O uso de modelos preditivos já está revelando camadas ocultas nos dados, permitindo a identificação de padrões e a antecipação de comportamentos
O cenário econômico brasileiro no primeiro semestre de 2025 apresentou um aumento na inadimplência, uma tendência que se observa desde 2022 e que tem sido uma preocupação recorrente para governos e instituições financeiras ao longo das últimas décadas (Leite Filho, 2025).
Esse indicador reflete, em parte, as flutuações econômicas do paÃs, as polÃticas de crédito e as condições socioeconômicas. Em escala global, a estagnação econômica e as tensões comerciais têm elevado o risco de descumprimento de obrigações financeiras. Zhao et al. (2025), por exemplo, observaram um aumento notável — de 15.000% — da inadimplência nas dÃvidas de empresas na China entre 2014 e 2023.
Para as instituições financeiras, o atraso ou a falha no pagamento de contas pode gerar perdas substanciais e, em casos de grande volume de empréstimos em atraso, pode ameaçar a estabilidade financeira (Liu, 2025).
Nesse contexto, a previsão do risco de inadimplência torna-se essencial para bancos e outras entidades de crédito. Compreender como mitigar esse risco é fundamental para assegurar um funcionamento econômico estável e saudável. Este artigo explora como a Inteligência Artificial (IA) e o Aprendizado de Máquina (Machine Learning – ML) estão sendo aplicados para gerenciar a complexidade da inadimplência, buscando otimizar a compreensão e a gestão do risco de crédito no Brasil.
IA e a análise de crédito
A crescente escala de empréstimos pessoais e a complexidade dos dados de crédito, em rápido crescimento na era do desenvolvimento da internet e das ferramentas de big data, tornaram a avaliação precisa da pontuação de crédito e do risco de inadimplência de empréstimos pessoais um tópico central no campo financeiro (Liu, 2025).
Tradicionalmente, a análise do risco de crédito se apoiava em dados históricos e indicadores estáticos, o que dificultava a captura das dinâmicas de mercado e caracterÃsticas não lineares (Yi, 2025). Em contrapartida, a evolução do machine learning, especialmente a aplicação de Redes Neurais Recorrentes (RNNs) e suas variantes na análise de dados de séries temporais, tem fornecido novas perspectivas e métodos para mensurar o risco de inadimplência de crédito.
A IA tem se mostrado uma alternativa promissora, não apenas para prever a inadimplência, mas também para redesenhar a maneira como o risco de crédito é compreendido no Brasil. No contexto da educação superior, por exemplo, entidades como as Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICES) do Rio Grande do Sul têm empreendido esforços para manter o equilÃbrio econômico-financeiro frente à redução de alunos e à s condições macroeconômicas (Lima et al., 2025). Essas instituições, caracterizadas por alta complexidade de gestão e planejamento financeiro detalhado, demonstram que uma gestão criteriosa do capital de giro é fundamental para a precisão e segurança dos processos financeiros, mitigando a inadimplência.
A capacidade da IA de integrar e processar uma vasta gama de dados, para além do histórico de pagamentos ou renda declarada, permite a captura de relações complexas entre variáveis demográficas, comportamentais, contextuais e até psicométricas. Isso forma uma visão mais ampla e dinâmica do perfil de risco dos clientes. A acurácia na previsão de inadimplência de empréstimos tem sido crucial para a estabilidade do mercado financeiro e a prevenção de riscos sistêmicos (Huang et al., 2025).
O uso de modelos preditivos baseados em IA já está revelando camadas ocultas nos dados, permitindo a identificação de padrões e a antecipação de comportamentos antes que o atraso se consolide como inadimplência plena. Com isso, a análise de crédito, antes reativa, passa a funcionar como uma abordagem proativa, com potencial de impactar diretamente a lucratividade e a gestão de capital das instituições financeiras (Bhandary & Ghosh, 2025). A IA, nesse contexto, torna-se uma ferramenta indispensável para navegar em um ambiente econômico complexo e mutante.
Modelos que aprendem com os dados
A principal transformação trazida pela IA para o estudo da inadimplência reside em sua capacidade de integrar e processar uma vasta gama de dados, que antes eram pouco considerados nos modelos tradicionais. Não se trata apenas de olhar para o histórico de pagamentos ou a renda declarada; modelos de machine learning conseguem capturar relações complexas entre variáveis demográficas, comportamentais, contextuais e até psicométricas — como impulsividade, aversão ao risco ou tendência a postergar o pagamento de contas —, formando uma visão muito mais ampla e dinâmica do perfil de risco de cada cliente (Liu, 2025).
Em testes comparativos, algoritmos como Random Forest, XGBoost e redes neurais recorrentes vêm apresentando resultados superiores aos métodos clássicos, como regressão logÃstica ou score padronizado. Por exemplo, em uma análise empÃrica sobre a previsão de inadimplência de cartões de crédito em Taiwan, Bhandary & Ghosh (2025) observaram que os métodos modernos de machine learning, incluindo XGBoost, Random Forest e Redes Neurais Profundas (DNN), superaram os métodos estatÃsticos tradicionais no desempenho preditivo. A Rede Neural Profunda (DNN) demonstrou o melhor desempenho geral em comparação com outros modelos de machine learning, como Regressão LogÃstica, Máquina de Vetores de Suporte (SVM) e Naïve Bayes, como constatado por Liu (2025). No setor industrial, Long et al, (2025) observaram que o modelo Vector Autoregressive-Gated Recurrent Unit (VAR-GRU), que combina machine learning com fatores macroeconômicos, apresenta uma capacidade preditiva ótima para inadimplências de tÃtulos corporativos em horizontes de um, três e seis meses.
Além disso, aprimoramentos em modelos baseados em Redes Neurais Recorrentes (RNNs) também têm se mostrado promissores. Yi (2025) propôs um modelo baseado em Gated Recurrent Unit (GRU) com melhorias estruturais, como a introdução da função Focal Loss e do algoritmo de fuzzy clustering, para capturar padrões temporais em séries de crédito. Esse novo modelo não só superou técnicas estatÃsticas clássicas, como o modelo LogÃstico e Copula, com uma acurácia de 96,53%, mas também se mostrou especialmente eficiente em prever variações futuras no comportamento de pagamento, além de ser significativamente mais rápido na execução.
CaracterÃsticas não financeiras
O uso de dados não financeiros tem sido crucial para aprimorar a previsão de risco. Huang et al. (2025) utilizaram 38 caracterÃsticas não financeiras multidimensionais de PMEs na China, como informações de registro de empresas e sentimento de notÃcias, para prever o risco de inadimplência de notas promissórias. Eles descobriram que a idade da empresa, o número de disputas legais, a proporção de notÃcias negativas, a contagem de inadimplências do ano anterior e o número de indivÃduos sujeitos a restrições de consumo estavam significativamente correlacionados com a inadimplência. A análise de textos, por sua vez, também tem se mostrado valiosa; Wu et al. (2025) observaram que um LLM como o ChatGPT, ao analisar avaliações de empréstimos, pode aprimorar significativamente as previsões de inadimplência, gerando maior lucratividade em comparação com textos escritos por humanos.
Essa mudança de paradigma permite que a inadimplência seja modelada como um processo com múltiplas causas e trajetórias possÃveis, oferecendo meios para reconhecer caminhos e, mais importante, intervir antes que o pior cenário se concretize.
Da previsão à prevenção
O maior potencial da inteligência artificial aplicada ao crédito não reside apenas na capacidade de prever quem vai atrasar um pagamento; o valor real da tecnologia emerge quando ela é utilizada para evitar que esse atraso ocorra. Esse movimento tem sido adotado por muitas instituições financeiras.
Modelos de machine learning são eficazes na identificação antecipada de clientes com maior risco de inadimplência, como demonstrado por Liu (2025). Ao prever o comportamento do cliente, esses modelos permitem que as instituições ofereçam renegociações sob medida, ajustem limites de crédito ou até modifiquem os ciclos de cobrança. Nesse sentido, a IA funciona como um sistema de monitoramento preventivo.
A ferramenta tem sido aplicada também para adaptar intervenções em tempo real. Por exemplo, o modelo IGRU-FCM, desenvolvido por Yi (2025), não só avalia com precisão o risco de inadimplência de crédito, como também faz a análise estatÃstica em apenas 59 milissegundos (1 ms = 0,001 s). Essa velocidade é crucial para mercados financeiros que exigem monitoramento em tempo real.
Em outro contexto, Wang & Duan (2025) observaram que bancos comerciais chineses, diante da incerteza da polÃtica econômica, adotam uma estrutura de empréstimos mais diversificada para mitigar os riscos de inadimplência de crédito, e essa relação se mantém robusta mesmo após rigorosos testes de endogeneidade (situação em que uma variável explicativa em um modelo de regressão está correlacionada com o termo de erro do modelo).
Essa mudança de postura redefine o papel dos modelos preditivos. Em vez de funcionarem como filtros que excluem consumidores com base em critérios rÃgidos, eles se tornam instrumentos para oferecer soluções financeiras mais humanas e sustentáveis. A IA, nesse contexto, atua como parceira tanto do credor quanto do tomador de crédito.
Riscos de exclusão
Embora a IA traga avanços significativos para a gestão de crédito, ela também levanta uma série de preocupações éticas e operacionais que não podem ser ignoradas. Quando aplicada sem critérios claros de transparência, responsabilidade e supervisão, a IA pode reproduzir ou até aprofundar desigualdades já existentes no sistema financeiro.
Um dos riscos mais discutidos é o viés algorÃtmico. Modelos treinados com bases de dados históricas tendem a repetir padrões de exclusão, penalizando, por exemplo, indivÃduos que nunca tiveram acesso ao crédito formal ou que vivem em regiões com baixa oferta bancária. Mesmo variáveis aparentemente neutras, como CEP ou tipo de aparelho celular, podem funcionar como proxies de renda ou escolaridade, o que pode levar à exclusão indireta de grupos vulneráveis. De fato, Wang e Duan (2025) alertam sobre esse fenômeno ao comparar abordagens estatÃsticas tradicionais e modelos de IA sugerindo que a sofisticação algorÃtmica não elimina o risco de decisões enviesadas.
A aplicação da IA no sistema financeiro, portanto, não pode ser tratada apenas como uma inovação técnica. Trata-se de uma escolha polÃtica e econômica que define quem terá acesso ao crédito, em que condições e com que consequências. O desafio não é apenas tornar o crédito mais eficiente, mas garantir que ele seja mais justo, transparente e sustentável. Isso exige uma combinação de tecnologia e governança, na qual a explicabilidade dos modelos de IA é essencial. Modelos que permitem entender o peso de cada variável na decisão final abrem espaço para auditorias mais eficazes e para a construção de modelos mais equitativos.
Considerações Finais
A inadimplência no Brasil em 2025 reflete não apenas um momento econômico desafiador, mas também as dinâmicas macroeconômicas e os modelos de crédito adotados no mercado, conforme a análise de Leite Filho (2025). Nesse cenário, a IA emerge como uma ferramenta poderosa para compreender o risco de forma mais profunda e personalizada.
Os estudos recentes destacam a capacidade dos algoritmos em identificar padrões que escapam às análises tradicionais e em propor soluções mais eficazes, tanto para prever quanto para prevenir o não pagamento. Modelos de machine learning, como XGBoost, Random Forest e Redes Neurais Profundas (DNN), têm demonstrado desempenho superior na previsão de inadimplência, como mostrado por Bhandary e Ghosh (2025) e Liu (2025). Além disso, inovações como o modelo IGRU-FCM, que integra GRU com Focal Loss e fuzzy clustering, não só melhoram a precisão na avaliação de risco de crédito, mas também otimizam significativamente o tempo de computação, o que é crucial para monitoramento em tempo real (Yi, 2025).
Contudo, a sofisticação técnica não elimina a responsabilidade ética. O uso da IA no sistema financeiro precisa ser acompanhado de mecanismos de controle, explicabilidade e justiça. Algoritmos não são neutros; eles refletem os dados com os quais foram treinados e as escolhas de quem os construiu. A tecnologia tem muito a contribuir para um sistema de crédito mais inteligente, mas isso só será possÃvel se for utilizada com consciência e propósito. Em vez de ampliar o abismo entre os que têm acesso e os que ficam à margem, a IA deve ser orientada a construir pontes, promovendo um futuro do crédito que dependa menos da capacidade de prever um atraso e mais da disposição de evitar que ele aconteça.
Para ter acesso às referências desse texto clique aqui. |