Regime Especial de Atividades Não Presenciais e a vulnerabilidade
9 de junho de 2023
29 min de leitura
DOI: 10.22167/2675-6528-20230035
E&S 2023,4: e20230035
Emanuel Alves Anastácio
Iniciada em dezembro de 2019, em Wuhan, localizado na China, o vírus da “corona virus disease” (COVID-19) disseminou-se rapidamente por todos os continentes, levando a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar em jan. 2020, que o surto dessa doença constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (grau mais alto no nível de alerta da OMS) e a declarar uma pandemia em mar. 2020[1]. O Brasil altera sua situação logo em seguida, com o pleito do Ministério da Saúde, que editou a Portaria nº 188, decretando Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional[2].
Esta pandemia trouxe diversas consequências: além dos problemas de saúde em geral, também causou consequências educacionais, sociais, culturais, políticas, econômicas e no cotidiano, pelo fato das transformações nos modos de vida das sociedades, sendo modificadas pelo distanciamento social, pelo isolamento físico e pelas restrições de mobilidade[3]. Devido a tal contexto, estima-se que no mundo todo quase um bilhão de estudantes ficaram sem aulas por um certo tempo e/ou em condições adversas não comuns. No cenário brasileiro, 20 milhões de alunos ficaram sem aula por algum tempo e oito milhões e 700 mil não tiveram acesso às aulas. Além disso, cinco milhões e 100 mil ficaram sem acesso à educação como um todo no período[4].
Para solucionar esse problema, foi proposto o uso de tecnologias, por meios de plataformas on-line para os alunos acessarem as vídeos-aulas e conteúdos digitais[4]. O ensino remoto e a educação à distância (EAD) não são sinônimos. O ensino remoto é um modelo educativo que tem os mesmos princípios da educação presencial, utilizando da abordagem tradicional de ensino, da exposição oral do professor, enquanto o aluno apenas recebe a informação; o termo remoto define esta situação de deslocamento do ambiente presencial para o virtual. Os alunos que estudam no ensino remoto estiveram neste modelo por causa da emergência provocada pela pandemia[5].
Agora, no modelo EAD existe uma preparação educativa. Há diversos profissionais qualificados que estão relacionados a educação à distância, como: professores de conteúdos, “designers” educacionais, ilustradores, tutores educacionais, dentre outros. O estudante da educação à distância escolhe estudar neste modelo, seu perfil possui autonomia e tem uma motivação que o fez optar por este modelo educacional[5].
O ensino remoto é uma atividade emergencial que propiciou conteúdos aos alunos de forma provisória durante à atual pandemia[5]. A relação professor-aluno é diferente neste ensino, pois necessita-se de recursos, equipamentos e ferramentas tecnológicas que não estão disponíveis para os educandos e docentes[5]. Dessa forma, o ensino remoto foi e está sendo um desafio tanto para os professores e profissionais da escola quanto para os estudantes.
Os desafios enfrentados pelo corpo docente e discente durante o ensino remoto são variados, mas referem-se principalmente à utilização de ferramentas e plataformas digitais, dificuldades em criar metodologias e atividades pedagógicas durante as aulas remotas. Isso ocorre porque os professores estão acostumados com o sistema presencial de ensino, no qual o encontro entre professores e alunos ocorre dentro da sala de aula e no espaço escolar[6]. Ensinar exige que o docente reflita a sua prática pedagógica constantemente, pois é a partir da reflexão que ele melhora e muda a realidade[7].
No mês de maio 2020, iniciou-se o ensino remoto intitulado de Regime Especial de Atividades Não Presenciais (REANP) na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais, criada pela Secretária de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG), por causa da pandemia. Foi uma alternativa de ensino para que os estudantes não ficassem sem estudos e vigorou durante o ano letivo de 2020, do mês de maio até o mês jan. 2021. A partir desse contexto, o objetivo do presente trabalho foi analisar o REANP em 2020 e os impactos da pandemia relacionados à vulnerabilidade em uma escola de Belo Horizonte (MG), com base em seus documentos, buscando identificar as ações da escola na superação de desafios do ensino remoto.
A escola está localizada em um bairro na Regional Nordeste de Belo Horizonte e funciona nos três turnos, sendo que, no ano 2020 no turno matutino existiam uma turma de 1ª série, quatro turmas de 2ª série e três turmas de 3ª série (com um total de 267 alunos); no turno vespertino havia cinco turmas de 1ª série (194 alunos no total); e no noturno uma turma de 1ª série, uma de 2ª série e outra de 3ª série, sendo que, havia a oferta da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) com duas turmas de 1ª série, duas de 2ª série e uma de 3ª série (somatório de 245 alunos).
Em 2010, segundo os dados da Prefeitura de Belo Horizonte[8] o bairro onde situa-se a escola de estudo, possuía uma população de 9.534 habitantes e 2.773 domicílios. Além disso, o bairro ainda conta com nove conjuntos habitacionais e duas favelas e vilas[8]. Sobre o Índice de Vulnerabilidade da Saúde (IVS) de 2012 (que é levantado acerca dos parâmetros de saneamento, habitação, escolaridade, renda, social e serviços públicos) a área encontra-se com níveis medianos. Já sobre o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) de 2016 (que é levantado acerca dos parâmetros de abastecimento, cultura, educação, esportes, habitação, infraestrutura urbana, meio ambiente, saúde, serviços urbanos e segurança urbana) o bairro encontra-se em uma Unidade de Planejamento (UP) com valores também medianos[8] . Deste modo, nota-se que a posição mediana não é alarmante, mas consta com muitos desafios para a sua melhora.
Antes da pandemia, a escola acumulava historicamente diversas problemáticas e empecilhos. Vários fatores refletem e interferem no insucesso dos alunos da educação básica no ensino presencial, como: falta de consciência social do seu papel e do seu planejamento; falta de comprometimento das famílias e da sociedade local no processo educacional dos seus filhos e dos mais jovens; falta de perspectivas de futuro dos estudantes; falta da consciência formadora social da instituição; falta de assistência e repasses dos órgãos nos mais variados níveis de política[9]. Acrescente-se a isso problemas de ordem pessoal, social e familiar e, também, baixo aproveitamento dos alunos. Todos estes problemas estendem-se para os âmbitos “online”[4].
Destacando-se a falta de investimentos, esta forja as crises permanentes e que são utilizadas como preceitos para justificativas das políticas sociais, principalmente desiguais (como cortes na educação, saúde, previdência social, salários, dentre outros). Portanto, seu objetivo é legitimar e justificar a concentração de riquezas e boicotar as medidas para evitá-las[6].
Para exemplificar esses processos, no território escolar da escola objeto de estudo, existem apenas duas bibliotecas de acesso à comunidade como um todo (com condições razoáveis e com rara frequência de utilização); duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) (com condições boas e frequência desconhecida); um espaço público para atividades esportivas e/ou de lazer (com condições boas e com alta frequência de utilização); nenhum espaço público para acesso à “internet” e nenhum espaço público para acesso a atividades culturais. Por estar em área de risco, os eventos e festividades escolares ocorrem apenas internamente e não são abertos à totalidade do público[8].
A escola, com sua fundação em 2010, foi construída através dos esforços e apelos das comunidades do bairro, principalmente de conjuntos habitacionais, favelas e vilas de suas adjacências, que não contavam com uma escola de Ensino Médio. Dessa forma, foi necessário ler o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Regimento Escolar (RE) da escola e conhecer suas ações e motivações.
A abordagem escolhida para este estudo foi a qualitativa, pois possibilitou ao pesquisador ter um olhar de compressão dos dados coletados para interpretá-los[10]. A pesquisa qualitativa é descritiva e busca compreender e interpretar os fenômenos pesquisados sem quantificá-los[11]. A natureza abordada foi básica e teve o objetivo descritivo, porque inclui interesses universais e verdade, sem o pesquisador precisar prever uma aplicação prática, assim como, criam conhecimentos contribuindo para o campo científico[12].
O procedimento metodológico utilizado para a pesquisa foi análise documental, sendo levantados o PPP, o RE e as Atas Finais de Conselho de Classe (AFCC) das 21 turmas existentes no ano de 2020 na escola. Para a análise de dados escolheu-se a análise de conteúdo, pois possibilita uma compreensão mais profunda. Com isso, essa metodologia proporciona analisar as características das mensagens por meio das várias técnicas de análise da comunicação[13]. O Termo de anuência foi assinado pela direção da escola no mês de maio 2021 corroborando com a pesquisa.
O PPP de 2020 foi finalizado no fim de 2020 e a versão de 2019 não constava nenhuma informação sobre o uso de tecnologias digitais. No modelo de 2020 foi acrescentado algumas informações sobre o REANP. Aqui destacou-se fatos no PPP da escola em que serão analisados. Muitos dados ainda não constam nele, sendo justificado por ser recente.
A escola em seu documento afirma que a instituição está em uma precariedade completa, ou seja, precariedade do seu entorno e de si mesma, tendo-se faltas constantes de estruturas, de materiais, de tecnologias, de estrutura familiar e de emprego. Tornando-se os desafios específicos mais complexos e que foram realçados pela pandemia.
O documento propõe que a escola atenda a demanda de seus estudantes, trazendo-os para uma inserção tecnológica motivadora para as interações educacionais, mas que não ocorrem. Com a pandemia atual, os alunos foram forçados a terem essa inserção, porém, como já não a tinham antes, não estavam preparados para o sistema “online”.
Isso é comprovado pela percepção da escola, de uma realidade de miséria, de injustiça social e de insatisfação, que impedem os alunos acompanharem e compreenderem este processo evolutivo, bem como terem acesso às ferramentas tecnológicas e desenvolverem as habilidades necessárias para estarem incluídos totalmente nesse aspecto tecnológico global. A tradução disso ocorre com a dificuldade em geral de domínio das tecnologias e dos processos educacionais “online”.
As faltas de perspectivas de vida, do profissional, de recursos e da participação familiar aumentam o desinteresse dos alunos, tendo uma grande evasão escolar, que foi agravado pela pandemia. Por estar em um local precário, os desafios recorrentes são o combate à violência, drogas, exclusão e valorização excessiva do “ter” e não do “ser”.
O PPP destaca o Índice Socioeconômico (ISE), com nota 53,53, que por um lado aponta um resultado parcial, pois os alunos não expõem sua vida particular por motivo de vergonha; mas por outro lado, demonstra uma nota ruim. A nota atribuída a escola foi 4 no quesito atuação na comunidade escolar. Esse resultado abaixo do nível mediano é justificado pelo fato da pouca ou nula participação da comunidade. Os prejuízos são de todos.
Além disso, o PPP afirma que há em geral uma falta de valores como empatia, solidariedade, respeito às normas e aos indivíduos, preocupando todas as ações ali exigidas. Os aspectos egoístas agravam a falta de auxílio mútuos entre os colegas, dificultando o aprendizado.
O aporte documental levanta uma grande insatisfação, por não ser e não conseguir uma integração satisfatória e não ter compromissos satisfatórios com a comunidade e a família. Com as baixas adesões destes, a escola recorre ao Conselho Tutelar e ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), porém, não tem o resultado esperado.
Uma das principais condições dessa baixa adesão é o fato da condição socioeconômica e da baixa escolaridade dos familiares, fazendo com que se sintam desconfortáveis e/ou sem perspectivas de vida e futuro suas, dos seus filhos e da comunidade como um todo. Além disso, suas adjacências não contam com equipamentos e infraestrutura adequados, interferindo no desenvolvimento pleno da comunidade.
A família é tida como a representação e parte fundamental do aproveitamento do aluno, ou seja, seu sucesso ou fracasso escolar e consequentemente de sua vida. Assim, é necessário incluir a parceria pais-escola-estudantes e devem ser um conjunto, para atribuição de efetivo trabalho educativo[14].
Para que exista um desempenho escolar efetivo, a família precisa fazer parte do processo educativo do aluno, de estar presente na vida escolar de seu filho. A escola e a família têm o objetivo de educar para viverem no mundo. Porém, a família e a escola têm diferenças, no qual, cada família tem suas especificidades e a escola possui sua característica com sua metodologia para ensinar diversos conteúdos para formar cidadãos. Mas a escola não consegue caminhar sozinha, ela necessita da família. Dessa forma, é fundamental a relação família-escola para a construção de aprendizagens nos alunos e para a promoção de uma educação que forme cidadãos[15].
Destaca-se assim que sem essa integração a educação tem um grande retrocesso. Os alunos e os profissionais da educação sentem-se que não tem apoios, desmotivando todos nesse processo. Ao final do PPP relata as problemáticas e as suas ações para ultrapassá-las. Porém, essas ações são superficiais. A falta da busca da realidade dos estudantes será abordada pelos projetos disciplinares e atividades extraclasses que foquem o entorno e seus problemas, e, identificar os alunos com problemas e auxiliá-los. Isso não é o suficiente, as ações precisam das especificidades de cada aluno, abordando suas questões também em aulas e nas atividades em geral, com palestras, brincadeiras, jogos e afins.
A falta de integração entre os familiares será melhorada por reuniões e atendimentos individualizados, além da conscientização da família. Da mesma forma, não é o suficiente. Essas aplicações são obrigatórias e o mais básico. É necessário também ações mais intensas, que busquem conversar, chamar a atenção e motivar os familiares e a comunidade. Como levantado no subtópico anterior, a família, o trabalho, a religião e a rua também são espaços educativos. Assim a escola precisa participar mais da comunidade e ter aulas na comunidade.
Sobre o REANP, há sua utilização em caráter de excepcionalidade, enquanto perdurar o estado de emergência. As ações tomadas foram a adequação ao REANP; criação de grupos em redes sociais – “Facebook”, “Instagram”, “Whatsapp” e o “Google Clasroom”; estabelecimento de uma forma de comunicação eficaz com servidores e equipe pedagógica; acompanhamento da frequência, acesso aos meios de interação virtuais e aprendizado dos alunos no período de aulas não presenciais; e a realização da adequação do PPP e do RE.
Há uma abordagem em consonância com as normas e leis, para minimizar os impactos negativos dos alunos. Tem-se uma constante tentativa de alcançar os alunos, alternando as diversas redes sociais e formas de comunicação, sendo utilizadas as melhores que os alunos e seus familiares optarem.
Por um lado, atende as realidades dos alunos, sendo utilizado o que facilitam eles. Por outro lado, acentua as desigualdades pois muitos destes não possuem essas redes ou auxílios. Falta um maior entendimento e ações das realidades, além de buscas feitas por formas manuais como ida ao local de moradia do estudante para efetivar uma comunicação mais efetiva com a família.
O RE também foi implementado a partir da CF 1988 e da LDB 1996, sendo também um norteador da gestão, levantando o passado, o presente e o futuro. Ele é de caráter normativo, tendo sua base no PPP e também o normatizando, buscando a integração escola-sociedade-comunidade[16].
O RE da escola não estava e continua não finalizado, sendo que, também não existiam informações sobre recursos tecnológicos, nem sobre ensino remoto. No modelo finalizado no final do ano passado foi acrescentado algumas informações sobre o REANP. Aqui destacou-se fatos no RE da escola. Focando nos princípios, há o foco da educação ser um dever da família e do Estado, porém, como constado anteriormente no PPP, não ocorre esse apoio familiar e também do Estado, que não investe suficientemente. Outro fato levantado que não ocorre é o destaque a igualdade de condições de acesso e permanência escolar, valorização da experiência extraescolar, além da vinculação entre educação escolar, trabalho e práticas sociais.
O problema da escola está no ingresso e não na saída, pois precisa ser universal em seu acesso e igual em suas condições. Porém, no Brasil ocorre antes e durante da entrada e durante a estadia, pois os problemas sociais sobressaem. Estes problemas são pobreza, falta de saneamento básico, de atendimento médico, de alimentos, de habitação etc. Os problemas da educação que vêm ocorrendo há anos no país têm uma base institucional. A democracia, garantia de direitos e educação para todos no país é ainda recente, pela CF 1988, assim, ainda é imaturo e desigual. A nação como um todo precisa evoluir[17].
Principalmente se for levado em conta o fato da adoção de alternativas que não ouçam e integrem as diversas camadas, grupos e comunidades que compõe a escola. Sendo autoritário, prejudicial e desigual. A falta de acesso à equipamentos, “internet” e ambientes necessários para uma boa educação é um grande desafio e um problema estrutural[4].
Sobre a valorização do aluno em detrimento do trabalho também não ocorre. O fato da realidade dos estudantes não é abordado pela escola, seus aspectos característicos socioeconômicos e socioculturais são abandonados, não condizendo com a realidade. As problemáticas sociais destacadas pelo PPP anteriormente apenas são realçadas, não os abordando. A grande evasão denota isso e a falta da ligação entre teoria e prática cidadã. Como sentem que a escola não os auxilia e precisa de sustento, o mercado de trabalho torna-se mais atrativo. Destacou-se também o papel da escola no envolvimento do processo de desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida comunitária, que não ocorre. A escola também é precária, juntamente com todas as infraestruturas e equipamentos ali existentes.
Citou-se, sobretudo, que um dos papéis da escola é capacitar o aluno para vivenciar e se posicionar num mundo de constantes e frequentes mudanças socioculturais e tecnológicas, mas, não ocorre. Pois não eram estimulados anteriormente por isso e com a pandemia foram aumentados e acumulados esses problemas.
Sobre o REANP foi inserido as informações relacionadas a pandemia. Afirmam todas as leis que pautam esse processo e que irá perdurar enquanto estiver em evidência o período de emergência e de implementação das medidas de prevenção ao contágio e enfrentamento da pandemia. Destaca o Regime Especial de Teletrabalho com os mesmos sistemas. O texto divide-se em todos os profissionais da escola e suas atribuições, que são semelhantes ao presencial, porém “online”.
Sobre os alunos, abordou-se a reorganização do calendário escolar, compreende-se todas as atividades, para minimizar as perdas aos estudantes, com o cumprimento de carga horária mínima obrigatória e o alcance dos objetivos educacionais e de aprendizagem. As atividades são mediadas ou não por Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) ou as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC).
O REANP está organizado da seguinte maneira: Planos de Estudos Tutorados (PETs), Conexão Escola e o Se Liga na Educação. Os PETs são apostilas que contém atividades de todas as disciplinas escolares divididas em quatro semanas para cada disciplina. Os PETs foram desenvolvidas pela SEE-MG.
O REANP provocou diversas polêmicas no ano passado, pois a SEE-MG não ouviu as escolas, e, não teve um diálogo com os professores para a criação do modelo de ensino remoto. Deste modo, notou-se o abandono com as adaptações das várias realidades compostas nas escolas e suas referidas comunidades. A SEE-MG apenas instituiu o REANP sem escutar as necessidades e as realidades de cada escola estadual de Minas Gerais. Criaram PETs sem ouvir os professores, foi uma decisão sem diálogo com as diversidades escolares[18].
O Conexão Escola é um aplicativo criado também pela SEE-MG com o objetivo de realizar a comunicação entre os alunos com seus professores. Agora, o programa Se Liga na Educação são aulas curtas gravadas sobre os conteúdos para os alunos da rede estadual de ensino de Minas Gerais, transmitida pela Rede Minas e disponibilizadas no site intitulado de Estude em casa da SEE-MG.
O aplicativo Conexão Escola não funcionava durante o ano de 2020. Diversas vezes os professores e alunos reclamavam sobre a funcionalidade do aplicativo. Nesse ano de 2021 foi criada a Conexão Escola 2.0 que continua com falhas de instabilidades, assim como, existem outros problemas, por exemplo, os alunos não utilizam o aplicativo, muitos não tem acesso a “internet” e quando possuem muitas vezes são de péssima qualidade[18].
A escola, perante suas dificuldades, não pôde realizar nada diferente. Além de todas as dificuldades de acesso que seus alunos têm, também ficaram refém da má funcionalidade e aplicabilidade desse sistema. Assim, a única tentativa da escola foi de buscar os alunos que não tiveram contato.
Porém, na análise do RE, teve-se que a inserção de atribuições acerca da REANP foi suficiente para todos os seus profissionais, com exceção dos professores, mas não ocorre o mesmo com os alunos. Os professores, que também não estavam preparados para o sistema “online”, não receberam atribuições e nem auxílio de como ministrar suas aulas. O foco aos alunos também não ocorreu. Com falta de preparo e acesso, faltam incentivos, ensinos e dentre outros. Assim, no REANP busca-se minimizar os impactos da pandemia, mas acaba por perpetuar os problemas e piorar os impactos.
A pandemia ocasionou mudanças quantitativas e qualitativas nos modos de vivências e na educação. De um lado, novas e interessantes relações foram criadas, recriadas, destruídas, ressignificadas, como relações afetivas, profissionais e inimizades. De outro lado, muitas pessoas tiveram que aprender a conviver remotamente, perdendo as relações do espaço físico e o tempo, mas ganhando com o cibernético, com o ciberespaço e digamos até com um cibertempo; famílias tiveram que conviver cotidianamente, despertando ou aumentando diversos conflitos; afastamento de pessoas queridas; quebra total ou continuidade de atividades essenciais[19].
O ciberespaço e uma espécie de cibertempo são uma forma de espaço e tempos compartilhados não em um espaço físico, mas em um espaço criado a partir de redes de internet, “online”. É possível, passível, potencial de integração e articulação das pessoas, de todas as suas relações e tudo o que existe fora e dentro do campo digital. Redes sociais, jogos, plataformas de busca, de relacionamentos, navegadores, dentre outros, compõem todo esse sistema[20]. Esse sistema, composto por outros sistemas, conectam pessoas ao redor de todo o mundo em um mesmo compasso espaço-temporal.
Deste modo, na aprendizagem com essas redes, a aula, a sala de aula e a educação ficam em qualquer parte em que haja computadores, notebooks, celulares, “internet”, radio, telefone, satélite etc. Quando os estudantes se conectam à essa rede, o que os seus sentidos alcançam a partir destes é um mundo do saber.
É preciso levantar o destaque que as diversas mídias podem e devem ser utilizadas, quanto as aulas tradicionais. O que é mais efetivo é a integração completa e complexa entre trabalho pedagógico, espaços escolares e tempos escolares, também do ciberespaço e cibertempo, com as diferentes mídias e plataformas, e, com mediações motivadoras e inovadoras dos professores e alunos. Cria-se, assim, uma nova distribuição de tempos e espaços para as aprendizagens, dinâmicas didáticas, em que os alunos possam ser atores ativos constantes e com uma educação humanista[21]. Porém, não ocorre assim.
Um primeiro impacto referente à pandemia sentida pelos alunos é de não ter o espaço físico da escola e o ambiente de trocas[22]. Por causa da pandemia de COVID-19 não se pode aglomerar para não transmitir a doença, pois o ensino presencial somente retornará quando a pandemia estiver controlada[2].
As pessoas, de qualquer idade, grupo, identidade, culturas, classes e dentre outro, vivem em diversos ambientes. Nesses ambientes, estas desenvolvem diversas relações para com outras pessoas ou com o próprio ambiente. E nessas relações, criam e modificam suas identidades. Os estudantes não perdem apenas o espaço físico da escola, mas todas as relações atribuídas ao seu viver e pertencer a ela. Apenas ser matriculado e frequentar as aulas não é o bastante para que estes pertençam ou sintam-se pertencidos a escola. Necessita-se de profundas relações, interações, correlações, perspectiva do passado, presente e futuro que moldaram e marcaram a escola. Deste modo, de forma “online”, os estudantes perdem a referência física da escola e assim, não sentem pertencentes ou partes dela[4].
Sendo assim, como estudar sem o espaço físico da escola? O modelo atual de escola é formatado desde o século XIX. Dividida em turmas, séries, salas de aula, por idade, ensino tradicional, com tempos e ritmos fabris etc. Assim, como estudar sem o tempo relacionado ao espaço da escola?
Há três tipos de temporalidades na escola, os chamados: “khronos”, “aión” e “kairós”. “Khronos” é visto como o tempo da escola, com suas regras e horários estabelecidos para o funcionamento da instituição, por exemplo, o calendário escolar e os tempos de cada evento esperado para o ano letivo escolar. O “aión” é tempo da experiência e da duração da aprendizagem no momento presente. O terceiro tempo é denominado de kairós, que significa o tempo da oportunidade que propicia experiências de aprendizagens educativas entre as pessoas, é o tempo conhecido como qualitativo[22].
Por isso, uma hipótese é que o segundo efeito sentido nos alunos é a perca da noção de tempo por causa do isolamento físico entre as pessoas, ocasionado pela pandemia de COVID-19. Pelo qual cria-se uma sensação de aprisionamento e no campo educacional propicia uma sensação e experiência de tempo suspenso[22].
As vivências e as experiências constroem, de diversas formas, uma espécie de lente, que qualquer pessoa usa para enxergar o mundo, ou seja, são suas visões e interpretações do mundo, lendo-o e acessando-o[23][24]. Essas visões de mundo também são definidas como pontos de vista que dão formas aos sentidos. Assim, ao perder sua referência de espaço e de tempo, o aluno também perde sua referência de identidade. As pessoas criam suas identidades quando se relacionam com outras pessoas, criando uma série de sensações e emoções[24].
As diversas desigualdades socioeconômicas e culturais que caracterizam o país determinam constante e fortemente as condições de acesso à “internet” e aparelhos eletrônicos. Levanta-se aqui o problema geral de “internet” que o país se encontra. No ano de 2020, houve uma quantidade de 150 milhões de usuários de “internet”, sendo refletidos em 81% da população com dez anos ou mais que tem “internet” em casa. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)[25] a quantidade de 15 milhões de lares não teria acesso à “internet”, ou seja, 20,9% dos domicílios brasileiros não têm esse privilégio. Em 79,1% das residências como um todo, o único meio de acesso à “internet” é o celular e, que ainda, possui muitas vezes apenas um único aparelho na residência, sendo compartilhado por todos os integrantes. A pesquisa TICKids OnlineBrasil[26] aponta que três milhões de pessoas do grupo que inclui crianças e adolescente não têm acesso à “internet”, sendo 11% destes. Some-se a isso o fato de que dentro desses três milhões, um milhão e 400 mil destes nunca acessaram a “internet”.
Na devida escola não se tem esses dados. Porém foi destacado a dificuldade nos acessos, pelos dados abordados anteriormente, por conversas informais e por outros dados que serão apresentados logo em seguida. Porém, isso ocorre com mais desigualdades nas classes socioeconomicamente mais baixas. As residências concentradas na classe C (famílias com rendimentos totais acima de quatro e até dez salários-mínimos, dessa maneira, os rendimentos ficam entre R$4.401 e R$11 mil) tem 91% de utilização de “internet”. Enquanto isso, as classes D e E (na classe D estão as famílias com rendimentos totais acima de dois e até quatro salários-mínimos, logo, os rendimentos ficam entre R$2.201 e R$4.400; na classe E estão as famílias em que rendimentos totais são no máximo dois salários-mínimos, assim, os rendimentos são até R$2.200) tem-se 64%[27].
Tal problemática ainda se infere no fato das contas de “internet” serem um grande gasto mensal, além de sua qualidade ser baixa[4] (Pereira e Barros, 2020). Além disso, essa desigualdade também se reflete no dado de que 90% das casas das classes D e E conectam-se a “internet” unicamente pelo celular[27]. Isso interfere no fato de que os celulares podem dificultar o uso de certas ferramentas para a realização de atividades escolares[4].
Torna-se assim, utópico, paradoxo e um dilema, uma inclusão digital individual, principalmente para as classes mais baixas[4]. É o único formato possível e disponibilizado, mas acentuam e pioram as desigualdades[17]. Na Tabela 1 tem-se os resultados finais dos alunos referentes ao ano letivo de 2020. Os dados foram com base na assembleia de tramites administrativos em 2020, a partir da AFCC.
Tabela 1. Resultados finais das turmas da escola estudada no ano letivo de 2020
Fonte: Elaborado pelo autor.
Nota: Ata final de conselho de classe das turmas em 2020
A Tabela 1 permitiu visualizar que o número total de alunos matriculados no ano de 2020 foram de 706 estudantes, sendo que, o resultado total ficou da seguinte forma: 322 alunos foram aprovados, 46 aprovados com progressão continuada (soma-se 368, ou seja, 52,12% de aprovação), 156 reprovados e 182 alunos com perfil desistente (soma-se 338, ou seja, 47,87% de reprovação). É necessário salientar que os alunos com perfil desistente foram desmatriculados no fim do ano letivo. Nota-se uma grande taxa de reprovação, quase metade dos alunos. Lembrando que desses 332 alunos, 156 participaram do ano letivo, porém não atingiram a nota mínima de 60 pontos nas disciplinas e 75% de carga horária. Já os outros 182 alunos, a escola não conseguiu entrar em contato com eles. A chamada busca ativa ocorreu durante o ano letivo, porém com cadastros desatualizados não conseguiram entrar em contato com os responsáveis dos alunos.
Tem-se um padrão nessas relações levantadas anteriormente. Houve um alto índice de perfil desistente entre os alunos da 1ª série (de 256 alunos, 138 são desistentes, ou seja, 53,9% do total). Esses alunos vêm todos de outras escolas que ofertam o Ensino Fundamental II. Nas turmas de 2ª série destaca-se também o perfil desistente, embora com números diminutos (de 167 alunos, 40 são desistentes, ou seja, 23,9% do total). Tem-se um nível considerável de reprovados nas turmas de 3ª série (de 131 alunos, 39 são reprovados mais 4 com perfil desistente, ou seja, 32,8% do total). E por fim, das turmas de EJA, aparece a maior alteração dos dados, prevalecendo-se assim a desigualdade (de 152 alunos, 117 são reprovados, ou seja, 76,9% do total).
Esse grande número de desistência na EJA pode ser explicado justamente pela emergência de trabalhar ou buscar algum sustento para a família durante a pandemia. A EJA, mesmo em tempos anteriores já era caracterizado por ter uma forte concentração de pessoas que trabalham durante o dia e a noite estudam[4]. Pelo isolamento social isso foi agravado. Muitas famílias ficaram sem trabalho e assim, buscaram outras formas de sustento ou de trazer alimentos para a casa. Assim, os estudos tornam-se atividades não priorizadas.
Muitos cadastros de alunos estavam com telefones desatualizados, as famílias não procuravam a escola para saber sobre as informações referente ao ensino remoto. Uma das estratégias da escola foi utilizar grupos de “WhatsApp” de cada série contendo a supervisão, a vice direção e os alunos. Criou-se página no “Facebook” e no “Instagram” para procurar estudantes, pois os dados cadastrais deles estavam desatualizados. Essa estratégia foi benéfica, pois possibilitou a aproximação entre os diversos atores, a partir de diversas redes sociais, de acordo com a preferência e utilização destes.
Alguns professores utilizaram o “WhatsApp”, mas salientando que o estado não proporcionou equipamentos de trabalho para os professores durante o ensino remoto. Os celulares e computadores utilizados para a comunicação com os alunos são dos próprios professores. Em nenhum momento os professores e a coordenação obtiveram recursos materiais para trabalharem no REANP.
Outra estratégia utilizada foi à busca ativa que a coordenação da escola deveria fazer o ano inteiro para encontrar os alunos que não se tinha o contato. A busca ativa ocorreu por meio de ligação com base nas informações contidas no cadastro de matrícula de cada estudante, busca pelos alunos por meio das mídias sociais como “Facebook” e “Instagram” e por último foram enviadas cartas para as residências desses estudantes. Muitos alunos não possuíam telefone, “internet” ou somente existe um único celular dentro de casa, dificultando a realização das atividades e o contato com eles. Geralmente não possuíam computador em casa. Portanto, esta estratégia não teve tantos benefícios. Uma parte foi encontrada e retornou aos estudos, mas os 182 considerados como perfil desiste não foram encontrados ou não quiseram estudar no REANP.
Depois de toda essa busca ao longo do ano letivo 2020 a orientação da SEE-MG com base no Memorando de número cinco foi à mudança em seu cadastro colocando os alunos de perfil de desistente como situação de deixou de frequentar. Tem-se que a escola durante todo o ano letivo procurou pelos 182 alunos com perfil de desistente, porém mesmo utilizando de diversos mecanismos não conseguiram encontrar alguns alunos e outros não quiseram retornar aos estudos no formato de ensino remoto. Por isso, é muito importante existir uma relação de cooperação entre a família, a comunidade, a escola e os diversos meios de comunicação para que o aluno possa se desenvolver.
Apesar de muitos alunos iniciarem as atividades dos PETs, diversos acabavam abandonando a escola, pois necessitam de trabalhar para ajudarem os pais dentro de casa, pois perderam os empregos durante a pandemia, ou, foram afetados de diversas formas por problemas de saúde e desestímulos. A grande dificuldade de entrar em contato com essas famílias ao longo dos meses de 2020 é maléfica. A família é educadora, é o primeiro contato que a criança tem com a educação[28]. Por isso, é significativa a família estar presente nos assuntos da formação escolar formal de seus filhos. A escola precisa do apoio das famílias para trabalharem em conjunto no processo de formação dos educandos.
Na educação, principalmente na educação pública, vemos a falta de recursos tecnológicos e de formação de professores para utilização de tais recursos. Portanto, durante a pandemia de COVID-19 ficou evidente as desigualdades sociais. Para o desenvolvimento educacional dos estudantes os professores podem utilizar diversas tecnologias, como as TIC ou as TDIC.
As TIC são equipamentos ou meios para o processamento de informações para transmitir comunicação entre os seres humanos, que chegou durante a Revolução da Informática[29]. Verifica-se ver uma TIC como exemplo na sala de aula, o uso da televisão como recurso didático. Agora, as TDIC têm a “internet” e o computador como instrumentos e equipamentos[30]. Como exemplo de TDIC na escola temos: computadores, celulares, “tablet” e “notebook”.
Antes da pandemia os celulares e computadores não estavam tão presentes no cotidiano do trabalho docente, como instrumento para mediação de informações para o processo de ensino e aprendizagem. Infelizmente, antes deste estado alarmante de crise ambiental-higienista, os avanços tecnológicos eram poucos aproveitados pela educação, não sendo prioridade e sendo obsoleta. Assim, acumulando estes, provoca desestímulo, falta de perspectivas, desencadeando ainda mais os processos anteriormente levantados. Somado a falta de acesso à “internet” ou equipamentos para acessá-la, causa desconfortos e retrocessos enormes[4].
Na referida escola, a partir das vivências em campo, foi notado que as TDIC utilizadas pelos docentes eram para fazer a chamada e para fazer o plano de aula, enviar “e-mail” ou fazer uma pesquisa no navegador na “internet”. Neste momento histórico atual, os celulares e computadores fazem parte de todo o trabalho docente durante o ensino remoto emergencial.
No atual momento, as TDIC são utilizadas, sobretudo para responder os alunos por “e-mail” ou mensagem via “Whatsapp”, “Facebook’ ou “Instagram”, para enviar atividades ou sanar dúvidas dos estudantes por meio do “Google Classroom” e para realização de reuniões pedagógicas por meio do “Google Meet”. O uso das TDIC estão presente em todos os momentos do cotidiano do professor durante a pandemia.
Mas ocorrem inúmeras dificuldades na utilização destas que partem do fato de muitos professores não dominarem as plataformas de acesso. As soluções deveriam ser passadas em qualquer forma de ensinamento, como cursos, aulas, textos, em qualquer plataforma para auxiliar os profissionais e os alunos na sua utilização. Um grande erro do REANP foi partir de um princípio de que todos os profissionais e alunos possuem fácil acesso e utilização as TDIC, o que não condiz com a realidade[18].
As dificuldades são de todo o conjunto, por ser um evento relativamente novo para a maioria das pessoas. Assim, os professores, profissionais da escola, alunos, pais, comunidade e sociedade como um todo, além das diversas problemáticas causadas, têm diversas dificuldades também.
Os professores acabam sendo barrados por ter desafios em formular suas aulas, pois o espaço-temporal e a dinâmica são diferentes, não têm experiência e disputam com outros atores[20], como por exemplo os chamados “youtubers”, “bloguers”, “vloguers”, “instagramers” ou “tiktokers”. Estes se caracterizam por pessoas que usam esses importantes meios de comunicação e rede sociais, os quais dominam a plataforma e a “internet”, sendo mais atrativos. Utilizam de grandes proezas com humor para ensinar, sendo que o professor perde sua atenção em detrimento destes.
É preciso salientar que durante todo o ano letivo 2020 no REANP os professores não receberam equipamentos para trabalharem dentro de suas casas. Não receberam celulares, “tablets”, computadores e nem o financiamento de “internet”. Simplesmente nada. Utilizaram e estão usando seus próprios equipamentos pessoais para trabalharem no ensino remoto. Aprenderam a fazer edição de vídeo, montagem de “post”, dentre outros recursos sem uma oferta de formação continuada. Assim, além disso, têm que lidar com a insatisfação de pais, que não aceitam a forma de trabalho, dificuldades em acessar as plataformas ou dificuldades e negação em ensinar os filhos.
Para um ensino remoto de qualidade os alunos e os professores deveriam ter acesso à “internet” e à equipamentos de qualidade. Porém, a realidade não foi essa. Os alunos dessa escola em sua maioria possuem celular dentro de casa, mas existe somente um celular, e, que são dos pais. Percebe-se a necessidade da reflexão sobre a realidade da escola pública durante o ensino remoto de 2020. Então, como ofertar uma educação de qualidade sem os recursos mínimos necessários?
Tem-se que tomar cautela, pois o pós-crise será marcado por maior degradação dos serviços públicos (se é que é possível), pois tendem a continuar e acumular sendo justificados pelos impactos da pandemia. Uma problemática que se tem, principalmente no curto prazo, é de que as pessoas, buscando assegurar em algo concreto, terão uma regressão totalmente às atividades antigas, que mesmo parecendo monótonas e sendo ruins, são agora leves, sedutoras e o deleite da população[6]. Deste modo, as desigualdades, as problemáticas e as injustiças também os acompanham.
Porém, de outro lado, a volta ao passado não será igualmente e será benéfica para todos? A busca é uma nova articulação entre processos sociais, políticos, culturais, econômicos, educacionais e civilizatórios, buscando uma humanidade mais humilde e humana em todos os processos. Precisa-se de uma alteração profunda epistemológica, paradigmática, ideológica e cultural. Criando um senso comum, livre de todas as quarentenas, pandemias, desigualdades e segregações possíveis. Aliás, afinal, a falta de acesso, liberdade e dentre outras, ou seja, a quarentena, é apenas uma das outras que constituem o atual sistema desigual. Aplica-se tudo isso também ao meio educacional.
Do lado da escola, ter o acesso à “internet” dentro ou fora dela não resolveria todos os problemas, porque, em primeiro lugar, deve-se criar condições mínimas para que os alunos também possam entrar na escola, estudar e se manter[18]. Assim, o pós-pandemia não pode ser pensado apenas em educação tecnológica, pois a gama de problemas que o antecedem são maiores. Esse será o futuro da escola, mas não tem que ser sua única mudança.
A escola deve preparar para a vida. Mas que vida ela prepara deste modo? Nota-se desigualdades, desinteresse, mudanças errôneas, sendo refletidas nas vidas dos próprios cidadãos. Segundo a PNAD (2020) os principais motivos elencados para a evasão escolar é a necessidade de trabalhar e a falta de interesse. Assim, nota-se uma vez mais que a escola não está preparando estes para a vida, não é um espaço interessante. Problema que vem ocorrendo desde o século XVII. A escola não é a única no papel de excluir a desigualdade, mas é um agente muito importante, seja na perpetuação, ampliação, diminuição e quebra desta[17].
Escola justa é uma das maiores opções no pós-pandemia[17]. Ser inclusiva. Porém, se não houver essas mudanças, continuará ser exclusiva, com a falsa ideia de meritocracia, continuando com os mesmos problemas, do passado, presente e futuro. Antes de mexer em sua estrutura, é preciso repensar seu papel e sua identidade, além da sua humanização.
Porém, não se pode negar que a pandemia ao mesmo tempo que destaca as desigualdades, mostra os pontos fortes e fracos da educação brasileira e, principalmente, como sair dessa situação. Portanto, suas lições não podem se restringir a adoção de novos modelos de escolas e/ou de processos pedagógicos, porque esses inevitavelmente irão acontecer, somente foram adiantadas.
A escola no geral deveria, precisa e tem que ser mais tecnológica, virtual e usufruir de diversas táticas online, preparar os professores para o uso de TIC e TDIC. Além disso, necessita acrescentar no PPP e no RE formas de lidar e perpassar pelo novo, pelo inesperado e pela crise, buscando aparatos digitais e adaptações à realidade. Entretanto, isso somente maquia os problemas profundos da escola.
Na escola abarcada não seria diferente. Por mais que no PPP e no RE relata uma certa utilização das tecnologias, ela é feita de forma superficial, como foi destacado anteriormente, e também, não ocorre na prática. Deste modo, a dificuldade é dobrada nessa situação.
Como prevê o PPP e o RE do objeto de estudo, todos os agentes envolvidos devem fazer parte da construção, manutenção e continuidade da escola. A escola e o ambiente residencial e familiar fundiram-se e amalgamaram-se em apenas um. Assim, suas relações tornaram-se mais imbricadas e dependentes, precisando de uma gestão democrática, igualitária, afetiva e realista com as diversas realidades propostas. Isso não ocorre, pois escola, comunidade e família estão desconectadas.
As ações deveriam ser realizadas com sua totalidade antes da pandemia. Com o destaque dado aos documentos escolares, a escola sabe da sua insuficiência na integração, mas apenas lamenta-a, não buscando alterar e propor ações novas, apenas repete mais do mesmo. Assim, não aprendem com os erros e tendem a perpetuá-los.
Os desafios provocados por essa emergência incitaram e demonstraram, mais uma vez, uma característica essencial da educação: ela precisa sempre se reinventar. Na fase atual e principalmente pós-pandêmica, um movimento de ultrapassar o ensino conteudista precisa ter os maiores esforços. Foi experimentado em caráter de urgência na educação como um todo outras metodologias, tecnologias e práticas, que precisam também serem atualizadas para favorecerem a criatividade, autoria, autonomia, colaboração etc. dos docentes e discentes, como todo e qualquer profissional da educação[19].
Esse momento tenderia a estreitar o elo social entre todos os componentes da escola. Embora os impactos sejam positivos e negativos, a busca é sempre de maximizar os primeiros e minimizar os segundos. Necessita de ter um canal de comunicação direta e aberta constante entre estes. Assim, por mais desse caos, temos a possibilidade de buscar melhorar a educação, a partir da correta, boa e interessante utilização dos meios de tecnologias digitais[20].
Na escola o elo não foi estreitado e os impactos negativos sobressaíram. Com as dificuldades socioeconômicas anteriores a pandemia, foram agravadas a partir delas, preocupando ainda mais as famílias. Os estudos ficam de segundo plano, pois a necessidade primordial é sobreviver, sem trabalho, as mazelas do sistema. Infelizmente esses impactos não foram resolvidos.
Será que essas mudanças efetivas irão configurarem em novas formas para uma educação escolar? Há uma crise da escola e da educação. A escola está perdendo seu sentido. Trata-se, dessa forma, de criar condições e formas coletivas, para pensar, repensar, criar, recriar, construir, reconstruir, além de administrar, assumir e utilizar novas formas de pensar e também agir, as diferentes e diversas formas e funções do trabalho escolar, novas formas, atividades e caminhos, perspectivas, criando e recriando novos espaços e tempos, como a hora-aula, coparticipação em aprendizagens, dinâmicas curriculares, conhecimentos importantes, que se atualizem ao passo que a sociedade vai alterando e tendo sua visão de futuro[21].
Some-se a isso, aos novos contornos que deverão ser assumidos e repensados a formação também dos profissionais da educação e políticas educacionais, e, novas formas de relações pedagógicas. Assim, para iniciar essa busca, precisa mobilizar pessoas que estejam conscientes e também convictas desses problemas, da sua exaustão histórico-cultural-temporal-espacial e também futura, para alterá-la, buscando quebrar sua perpetuação.
O caos é uma potência para os desafios tornarem-se criatividade. Assim como o universo e todas as suas partes tendem ao caos, mas é esse caos que rege tudo[19]. Efeito semelhante ocorre com a educação e a escola. O caos que desestruturou todas as bases consolidadas e trouxe várias crises ao mesmo tempo, é a trilha norteadora para repensar essas estruturas e buscar um futuro cada vez melhor, pautado sempre na busca de melhores cidadãos.
Defende-se então, que a educação para melhorar no Brasil precisa ser, em um primeiro momento totalmente justa e inclusiva, e não somente ter mudanças pontuais, como a introdução das novas tecnologias em todos os seus meios e processos. Em um segundo momento precisa adaptar-se mais rapidamente a realidade e contexto dos estudantes.
Em suma, a pandemia alterou toda a dinâmica do cotidiano e muitas dessas dinâmicas não tinham condições de irem para o ambiente “online”. Tantos os professores quanto os alunos em geral não tinham essas preparações. A referida escola pautou e acatou a todas as normas, porém a realidade é diferente das leis.
Os professores e alunos da escola tiveram dificuldades na integração e aprendizagens, que mesmo pautadas pelo PPP e pelo RE, não conseguiram maior eficiência. Antes da pandemia já se tinha as complexas realidades, que também são importadas para ambiente online, deixando a vulnerabilidade em todos os aspectos. Esses casos são traduzidos nos dados da AFCC no grande número de reprovados e/ou desistentes, principalmente em motivo de trabalhar para auxiliar a familiar nesse momento delicado.
A simples troca de ambiente físico para online apenas acentuou as desigualdades e não proporcionou uma educação de qualidade. Mesmo tentando minimizar esses impactos, as ações foram em vão. Os problemas sociais são estruturais e precisarão de décadas para serem resolvidos, ações simples apenas maquiam a verdadeira problemática. Como ocorreu com a educação.
As alternativas levantadas aqui para evitar esses impactos é utilizar todos os meios de comunicação, redes sociais e plataformas possíveis, para poder passar as informações. Pelas dificuldades de encontro de certos alunos, buscar os alunos de sua turma, que são mais próximos, para relatarem seus últimos paradeiros e assim, ter uma busca domiciliar. Além também de irem presencialmente os respectivos domicílios. Os impactos negativos não seriam diminuídos por completos, mas teriam uma atenuação. Além disso, necessita de apoios e parcerias de outros setores e instituições, pois a escola não consegue agir sozinha.
A escola é instituição que formam cidadãos para a vivência em sociedade, a partir de suas leis, aportes pedagógicos e regimentos. Porém, no abalo das estruturas causado pela COVID-19, escancarou o fato da escola não estar preparada para a formação da vivência em sociedade. Escolas em situações críticas, como localização em áreas vulneráveis, sentem ainda mais os impactos negativos. A referida escola que foi objeto de estudo, por mais das citações sobre a necessidade da mudança do contexto e situação da comunidade onde situa-se, não cria ações profundas o necessário para a saída dessa primeira crise, agravada pela segunda crise, da atual pandemia. A busca pela adaptação ao REANP, que já nasce com problemáticas, faz com que se acentuam as desigualdades educacionais, negando todo o contexto específico de cada unidade escolar. A grande quantidade de reprovações é o resultado da má combinação de fatores sociais e políticos. Conhecer, identificar e criticar a realidade, é o primeiro passo para a busca de uma educação emancipadora e justa.
Referências
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Como citar
Anastácio E.A. Regime Especial de Atividades Não Presenciais e a vulnerabilidade. Revista E&S. 2023; 4: e20230035.
Sobre os autores
Emanuel Alves Anastácio, Pedagogo, Especialista em Gestao Escolar e em Educação Básica na Rede Pública Estadual de Ensino do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
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