Gestão escolar e a inclusão da educação especial: importância e desafios
25 de fevereiro de 2023
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DOI: 10.22167/2675-6528-20230018
E&S 2023,4: e20230018
Juliana Carana Gonçalves e Flávia Pierrotti de Castro
Embora haja legislação referente à educação inclusiva, ainda há alunos tendo suas matrículas negadas, seja em escolas públicas quanto em escolas particulares. Questiona-se internamente: como desenvolver este aluno e os demais dando a atenção ao aluno com necessidade especial; como adaptar o currículo; e como avaliá-lo, por exemplo. Em meio a este ambiente a gestão tem um papel importante na condução da equipe escolar e na adequação do espaço, fazendo-se cumprir a garantia de uma educação de qualidade.
Há trabalhos já realizados com estas reflexões, como em “Os caminhos para a construção da escola inclusiva: a relação entre a gestão escolar e o processo da inclusão”[1], o qual aborda todo o processo da educação no Brasil traçando um panorama de como a inclusão passou a ser tratada na educação e a relação da gestão neste processo.
Neste âmbito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 4024 de 1961[2] garante a integração em comunidade dos excepcionais e no sistema geral de ensino, o qual foi reafirmado e atualizado na Lei de Diretrizes e Bases, n. 9394 de 1996[3] em seu artigo 4º inciso III, este alterado pela Lei n.º 12.796 de 2013, garantindo atendimento especializado e gratuito aos alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento, alta habilidade e superdotação[4].
A legislação mais recente não apenas declara a oferta da educação especial, mas estabelece como deve ser feita, prevendo a qualificação do profissional que o atende[5]. Elucida também que os estudos e abordagens ao longo dos anos vão surgindo, como os de Montessori, e os movimentos em prol do respeito às diferenças contribuem para que a educação inclusiva ganhe força.
Este trabalho teve como objetivo levantar dados que possibilitassem a reflexão de como a inclusão é vista por pais, equipe escolar e especialistas, para determinar a atuação da gestão escolar, quais são seus desafios e a sua importância na garantia dos direitos e da promoção de uma educação com qualidade, desde sua parceria com a família e especialistas, suporte à equipe escolar e acompanhamento do desenvolvimento.
Aplicou-se um questionário semiestruturado (Figura 1) com questões fechadas tendo apenas uma questão aberta com público-alvo: pais de crianças com necessidades especiais, professores e gestores de escola pública e privada, e, especialistas que fazem acompanhamento deste público.
Em julho, após aprovação do Comitê de Ética [CAAE 46385821.9.0000.9927], o questionário foi divulgado em canais de mídia social (“Facebook” e “Whatsapp”), bem como compartilhamento em grupos a partir de contatos profissionais da pesquisadora, considerando que já passou por diversas escolas de âmbito público e privado.
A pesquisa contou com 154 participantes, sendo um número expressivo de professores, conforme apresentado mais especificamente na Figura 2. Cabe ressaltar que houve uma grande dificuldade enfrentada na coleta de dados de pais e especialistas, tendo tido publicações bloqueadas ou excluídas de grupos das redes sociais.
Figura 1. Questões aplicadas a cada público-alvo delimitado
Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 2. Quantidade e perfil dos participantes da pesquisa
Fonte: Elaborado pelo autor.
Dentro dos perfis que participaram da pesquisa houve um equilíbrio entre dados de escolas particulares e públicas o que favoreceu uma comparação mais assertiva entre as informações obtidas apresentadas na Figura 3.
Figura 3. Número de participantes que são de escolas públicas e particulares
Fonte: Elaborado pelo autor.
Foram observados aspectos como a percepção quanto ao entendimento de inclusão de alunos da Educação Especial, de como deve ocorrer a avaliação destes alunos e os desafios encontrados pelos profissionais da educação, além de como pais e especialistas percebem o preparo destes profissionais.
Dentre todos os perfis entrevistados, destaca-se que a inclusão foi apontada com 76% como “receber com carinho, verificar a necessidade do aluno e adequar o que for necessário para que possa desenvolver”, seguido de “deve ocorrer em toda a escola e por todos os funcionários”. Isso nos mostra que a maioria compreende que a inclusão envolve a equidade, não só perceber a diferença, mas proporcionar meios para que ele se desenvolva, além de ser algo a ocorrer em toda a escola e por todos os envolvidos no ambiente escolar.
Mitler[6] afirma que não basta matricular a criança nas escolas regulares, mas é preciso que a escola seja mais “responsiva às necessidades”, isto para todas as crianças, mesmo aquelas que não se enquadram na Educação Especial. Contudo, a pesquisa realizada buscou atender a um grupo específico, pois se este, que muitas vezes possui mais visibilidade por terem suas necessidades diretamente declaradas na escola pelas famílias ou por meio de laudos, não é incluso adequadamente, o que poderemos refletir sobre os demais?
Neste tocante, quando questionado aos pais se de fato a inclusão ocorre na escola de seu filho(a), determina-se que uma pequena maioria acredita que está no caminho certo para a inclusão, como pode-se observar na Figura 4. Salienta-se que neste aspecto, quase a totalidade que sente que a inclusão está distante da realidade, pertence ao perfil de escola pública, enquanto no perfil de pais de escola particular, nitidamente há uma aproximação do que seria o ideal na visão da família.
Figura 4. Percepção dos pais quanto a inclusão no ambiente escolar
Fonte: Elaborado pelo autor.
Acompanhando os dados levantados na pesquisa percebe-se que 73,6% dos professores que responderam à pesquisa não se sentem totalmente preparados para lecionar para um aluno de inclusão, o mesmo valor aparece quando se analisou os dados da gestão. Isso reforça o indicador que são necessárias ações para melhorar o atendimento destes alunos.
Sendo a Educação Especial ser um tema muito discutido no ambiente escolar há uma reflexão e conscientização por parte dos profissionais de que a inclusão se faz necessária e de que há muito que se fazer, compreender e evoluir. Isto levaria ao próximo passo, o qual trata-se do atendimento deste público nas escolas, sejam particulares ou públicas. Deve-se iniciar pela construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) de forma colaborativa, na qual todos os segmentos sejam participantes, contemplando o processo de ensino-aprendizagem que envolva aspectos sociais e emocionais e uma avaliação qualitativa, que considere o indivíduo de forma plena.
A inclusão permite que o aluno possa desenvolver de forma integral, considerando sua formação cognitiva, social e emocional, favorecendo um ambiente de aprendizagem que atinge não somente o aluno com deficiência, mas àquele com dificuldades de aprendizado respeitando as condições e necessidades do aluno. Neste âmbito fazem-se necessárias as adaptações curriculares e individualizadas por meio de metodologias diferenciadas, além da abertura de diálogo e parceria da escola com a família e especialistas.
Já se observou que a inclusão não ocorre de forma adequada pelos apontamentos anteriores. Mas, quais são os desafios encontrados? Tanto famílias quanto equipe escolar que responderam à pesquisa apontaram, de forma geral, a necessidade de melhorar a comunicação entre escola x família x especialistas, bem como de adequação curricular e adaptação de material, além de formação da equipe escolar como um todo, o que vai ao encontro do que fora apresentado anteriormente, pois se a escola não tem formação adequada e encontra tais dificuldades, a inclusão não pode ocorrer efetivamente.
Considerando que a educação inclusiva compreende justamente tornar a escola responsiva nas suas necessidades, estes desafios e a não preparação para enfrentá-los implicam diretamente na efetivação da inclusão, mas também e principalmente, significa que estes alunos não estão se desenvolvendo dentro de suas potencialidades.
Há coerência com o resultado apresentado, no qual docentes e gestores não se sentem preparados para trabalhar com a Educação Especial, e por consequência encontrarão dificuldades na educação inclusiva, gerando frustração. Parte significativa entre docentes e gestores se dizem frustrados com o trabalho desempenhado com a inclusão.
Os dados coletados evidenciam que a maioria, cerca de 82% concordam que o aluno deve ser avaliado tendo como base se evoluiu durante o bimestre, além do aprendizado do conteúdo adaptado proposto. É importante salientar que avaliação de forma geral, deve ocorrer buscando a valorização do aluno, considerando como Luckesi[7] afirma, que a avaliação é um ato amoroso devendo ser um ato acolhedor e inclusivo, já que sua função é servir de instrumento para reflexão da prática docente como numa avaliação dinâmica; para diagnosticar em que ponto do aprendizado o aluno está.
No caso da educação inclusiva, a avaliação tem a perspectiva individual, ou seja, o aluno deve ser comparado com ele mesmo, seu parâmetro é sua própria evolução. Assim, o aprendizado deve ser mensurado tendo como base seu desenvolvimento quanto aos objetivos propostos a este aluno.
Cabe ressaltar a importância de se estabelecer um Plano Educacional Individualizado (PEI), na medida em que este traça o caminho a ser percorrido pelo aluno, cada aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA), deficiência e superdotação/altas habilidades. Este plano traz aspectos: cognitivos, vida diária, coordenação motora e habilidades sociais, favorecendo o registro de sondagem diagnóstica inicial, bem como estratégias e evolução do aluno, tornando a avaliação de fato significativa.
Por fim, reforça a ideia apresentada pelos participantes, os quais de forma mais simples, acreditam na avaliação baseada no desenvolvimento individual. Hoffmann[8] afirma que o que se diz sobre o aluno é o que se construiu com ele, e revela o que se fez e se deixou de fazer para favorecê-lo em termos de sua experiência educativa.
A função da gestão no ambiente escolar seria de acompanhar os processos, gerir as relações humanas, financeiras, administrativas e pedagógicas, provendo recursos necessários para a realização de um trabalho de qualidade[9]. A gestão deve levantar meios e procedimentos a fim de alcançar os objetivos propostos pela instituição, por meio de aspectos gerenciais e técnico-administrativo. Dados obtidos de professores, diretores e especialistas apresentados na Figura 5, evidenciaram ações em que a gestão pode adotar para melhorar a educação inclusiva.
Figura 5. Ações da gestão para a inclusão
Fonte: Elaborado pelo autor.
Portanto, quando se fala de educação inclusiva, e mais especificamente da Educação Especial, a gestão é responsável: pela garantia da matrícula do aluno da Educação Especial, pois mesmo o Estado sendo o principal responsável, a direção deve garantir que na prática, in loco, isso ocorra; pela garantia de acesso do aluno da Educação Especial, o que envolve dentre outras coisas a adequação de estrutura física não somente quando houver a necessidade, mas o ambiente deve estar pronto para receber o aluno quando este se matricular; pela promoção de uma gestão democrática favorecendo a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) inclusivo; pelo acompanhamento das ações propostas no PPP; pelo acompanhamento do desenvolvimento do aluno, o coordenador é peça importante nesta ação; pela oferta de formação continuada à docentes e toda equipe escolar, pois os órgãos e entidades de administração direta ou indireta devem viabilizar a formação de professores de nível médio para Educação Especial; pela comunicação recorrente entre família – escola – especialistas; e pelo acompanhamento da construção do Plano Educacional Individualizado.
É importante apresentar uma das respostas obtidas no questionário de pergunta aberta, a qual relatava que algumas destas ações não depende somente da gestão, no caso de uma escola pública, pois há também a responsabilidade da Secretaria de Educação. Libâneo[9] afirma que as escolas públicas, sendo dependentes da gestão e política públicas, tem as condições de trabalho, salários e formação continuada originadas fora da instituição, ou seja, a direção tem que planejar, organizar, orientar e controlar suas atividades internas, bem como adequar e aplicar as “diretrizes gerais que recebe dos níveis superiores de ensino.
Assim, com base nos levantamentos, gerir envolve organizar, planejar, coordenar as ações. Quando se fala de educação inclusiva, pode-se considerar a gestão como a grande facilitadora na execução de ações em prol da inclusão e não somente de adequação de estrutura física, mas de desenvolvimento de material intelectual, por meio das formações, reflexões em conjunto com a comunidade escolar, abertura às famílias e especialistas. Embora esteja-se falando especificamente da Educação Especial, com estas ações e a transformação que isto levará ao ambiente escolar, consequentemente haverá o favorecimento à inclusão como um todo.
Com esta pesquisa foi possível compreender e refletir aspectos intrinsecamente ligados à educação inclusiva e como seus agentes pensam e se sentem frente às dificuldades. Sendo que a gestão, embora de grande importância neste papel da educação inclusiva, não é responsável sozinha. É necessário engajamento e busca por parte de todos os envolvidos, cada um com seu papel de olhar para a necessidade específica da criança, planejar as ações e buscar os recursos necessários, seja de estrutura física, adaptação de material e/ou atendimento especializado.
Referências
[1] Tezani T.C.R. Os caminhos para a construção da escola inclusiva: a relação entre a gestão escolar e o processo de inclusão [Dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 2004.
[2] Brasil. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: 1961. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm>.
[3] Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>.
[4] Brasil. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera Lei n.º 9394 de 1996. Brasília, DF: 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm>.
[5] Brasil. Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, DF: 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>.
[6] Mittler P. Educação Inclusiva: Contextos sociais. Porto Alegre (RS): Artmed; 2003.
[7] Luckesi C.C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo (SP): Cortez; 1999.
[8] Hoffmann J.M.L. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre (RS): Mediação; 2001.
[9] Libâneo J.C.; Oliveira J.F.; Toschi M.S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10ed. São Paulo (SP): Cortez; 2012.
Como citar
Gonçalves J.C.; Castro F.P. Gestão escolar e a inclusão da educação especial: importância e desafios. Revista E&S. 2023; 4: e20230018.
Sobre os autores
Juliana Carana Gonçalves, Pedagoga, Licenciada em Letras e Coordenadora Pedagógica, Especialista em Gestão Escolar, Osasco, SP, Brasil.
Flávia Pierrotti de Castro, Doutora em Ciências e Coordenadora de Gestão Pedagógica, Piracicaba, SP, Brasil.
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