Diversidade de capital cultural: relação entre cultura e conhecimento
21 de janeiro de 2023
16 min de leitura
DOI: 10.22167/2675-6528-20230003
E&S 2023,4: e20230003
Josilaine Caetano Guizo e Tatiana Gisele Guimarães Lopes
A escola requer que todos os alunos tenham uma trajetória escolar sem fracassos ou desistências e que se habituem com uma cultura efetiva. Ao gestor da instituição escolar cabe cuidar da qualidade do ensino que é oferecido aos alunos daquela instituição, além de conduzir a elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP), averiguar e acompanhar o aprendizado de seus alunos detectando o que está dando certo ou errado, e a partir destes dados, ajustar a prática pedagógica apropriada de modo a minimizar erros.
Como gestor, é importante estar sempre preparado para que haja incentivo e desenvolvimento de todos, além de proporcionar uma relação transparente com a comunidade. A gestão pedagógica abrange todas as extensões da gestão escolar, visto que está ligada ao interesse da escola, que consiste em possibilitar conhecimento aos alunos, bem como sua formação de modo que todos os demais tenham um mesmo objetivo, já que o ponto principal do ensino é a ação organizada para promover a formação e aprendizagem dos alunos, possibilitando que desenvolvam competências sociais e pessoais fundamentais para serem inseridos na sociedade e no trabalho[1].
Quando se trata de diferenças de aprendizagem, há sempre uma pergunta que se faz, e que por vezes não se tem uma resposta adequada e/ou que faça sentido: qual é a razão que leva alguns alunos a terem mais conhecimento tendo um percurso bem mais proveitoso na escola e outros não? O capital cultural dos estudantes estabelece uma teoria fundamental capaz de esclarecer os problemas de desempenho escolar, relacionados as diversidades de capital cultural, como o êxito ou ao fracasso escolar entre os alunos[2].
A concepção de Capital Cultural é de extrema importância não somente para a área de pesquisas, mas é aceita até mesmo fora da área acadêmica como na imprensa cultural[3]. A ideia de capital cultural se estabeleceu inicialmente como uma importante teoria para explicar a questão de desigualdades no que se refere ao rendimento escolar dos alunos oriundos de distintas classes sociais. O “sucesso escolar” seria as vantagens que crianças dos diferentes grupos de classes poderiam alcançar na escola compartilhando o capital cultural entre as classes. Esse ponto de vista provoca uma quebra no pensamento dos que julgam o sucesso ou o fracasso escolar como uma consequência de competências consideradas naturais[4].
O Capital Social também se estabelece como fator relevante nessa temática, pois pode ser entendido basicamente como contatos, ou seja, uma soma de recursos que podem ser associados a retenção de uma rede duradoura de relacionamentos[4]. Superar as desigualdades externas é demasiadamente difícil, é necessário que haja dedicação a cada aluno conforme suas individualidades e necessidades, propondo soluções para os mais diversificados problemas de dificuldades no aprendizado durante a vida escolar do aluno. Para tanto, é importante ressaltar que é preciso dedicar tempo e dispor de uma equipe qualificada para auxiliar esses alunos. É indispensável que se invista tempo para adquirir conhecimentos e culturas[5]. Diante disso, se considera dever do gestor se ocupar da formação de alunos e da equipe pedagógica da escola. Partindo desse pressuposto, a escola deveria incluir o estudante por meio de conteúdos que façam parte de sua realidade, com conteúdo que valorize e amplie o capital cultural de todos os estudantes.
Com o intuito de buscar alternativas para essa problemática entende-se que essa questão não é apenas um tema pertinente a professores, mas a toda equipe escolar não passando somente pela sala de aula, mas também por toda organização escolar. Gestores e professores têm atribuído o baixo desempenho escolar à incompetência dos alunos ou a falta de interesse ou até mesmo a desestruturação de suas famílias[6]. O papel do gestor não é apenas o de administrar a escola, mas de cuidar da formação da sua equipe pedagógica, bem como da formação de seus estudantes. A prática da gestão escolar está intrinsecamente relacionadas as relações de poder. Para interpretar o que impulsiona os sujeitos a atuarem da maneira que atuam, e se faz necessário o conceito de habitus[7]. Ao decorrer da trajetória dos sujeitos o habitus é agregado. O ponto de partida é o habitus adquirido na família, posteriormente ampliado pela escola e em seguida por experiências posteriores.
Entende-se que o fracasso ainda faça parte do cotidiano escolar e o gestor escolar tem papel fundamental para identificar caminhos que minimizem os fracassos, buscando o êxito escolar na vida de cada aluno. Portanto, o objetivo foi investigar as diferenças de capital culturas trazidos pelos alunos para a escola, bem como os obstáculos que esse fator pode trazer para o seu desempenho escolar. Para isso, estabeleceu-se o Mapeamento Sistemático (MS) como metodologia. Esta metodologia consiste em uma profunda investigação referente a um determinado tema. Fornece um panorama de forma mais ampliada da área a ser pesquisada, possibilitando também definir e classificar os resultados obtidos e indicando comprovações da pesquisa sobre a temática escolhida[8].
O Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) foi a plataforma escolhida, pois é uma biblioteca virtual que contém mais de 45 mil títulos, 130 bases de referências entre outros conteúdos. A síntese dos parâmetros estabelecidos para a pesquisa pode ser observada na Figura 1.
Figura 1. Parâmetros estabelecidos para a pesquisa no portal de periódicos
Fonte: Elaborado pelo autor
Os resultados obtidos através das buscas no Portal de Periódicos da CAPES para a combinação das palavras-chave encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1. Resultados obtidos no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para a combinação de palavras-chave
Palavras-chave | Artigos | ||||
Total obtido pela busca | Revisado por pares | Período de 2010 a 2021 | Tópico de Educação | De Interesse | |
Capital Cultural AND Desigualdade Escolar | 1331 | 1135 | 882 | 117 | 1 |
Capital Cultural AND Escolarização | 462 | 365 | 295 | 39 | 3 |
Capital Cultural AND Gestão Escolar | 815 | 637 | 552 | 69 | 3 |
Habitus AND Escola | 821 | 701 | 533 | 43 | 4 |
Total | 3429 | 2838 | 2262 | 268 | 11 |
Fonte: Elaborado pelo autor
Observou-se a partir do resultado da busca dos descritores, a preocupação dos pesquisadores com as desigualdades, seja pela falta de um capital cultural, econômico ou social, pois essas atitudes ainda permeiam o ambiente escolar. Após apurar os resultados dos 268 artigos encontrados para o Tópico Educação, 11 estudos de interesse foram selecionados para a pesquisa por terem relação com o papel do gestor diante das diversidades de capital cultural trazidos pelos estudantes para a escola (Tabela 2).
Tabela 2. Resultado do Mapeamento Sistemático (MS) para a busca das palavras-chave, Capital Cultural “AND” Desigualdade Escolar, Capital Cultural “AND” Escolarização, Capital Cultural “AND” Gestão Escolar, Habitus “AND” Escola no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Autor | Título | Contribuições ao estado da arte |
Petroski (2015) | O rendimento escolar e o capital cultural que estrutura os alunos de Pedagogia na UNEMAT em Sinop | Pesquisa pautada no capital cultural de Pierre Bourdieu e destaca a escola como reprodutora das desigualdades sociais ao relacionar o capital cultural ao rendimento academico |
Carvalho (2015) | Pierre Bourdieu, Edmond Goblot e a educação burguesa | Análise da obra de dois autores que relacionaram classes sociais com a cultura e a escola |
Souza (2013) | Expectativa de Estudantes concluintes do ensino médio no recôncavo da Bahia: (Re) constituindo laços da escola Pública à Universidade | Pesquisa realizada analisando as dificuldades encontradas no percurso educacional, além dos motivos para ingressarem e permanecerem nas Universidades |
Coradini (2013) | Efeitos da educação formal, categorias ocupacionais e posição social | O estudo demostra que o rendimento na educação formal muda mediante a posição social que o indivíduo possui |
Souza e Silva (2017) | Recuperação Escolar: uma ferramenta de significação no caminho para a seleção de sujeitos sociais | O estudo questiona os métodos avaliativos e contribui buscando alternativas às avaliações tradicionais |
Idelbrando (2019) | Representações de Professores e Gestores de uma escola que se diz pesquisadora | Estudo de caso realizado em uma escola de periferia de São Paulo, relacionando as práticas pedagógicas e a construção do conhecimento dos estudantes |
Vicente (2010) | Ensino e Cultura Escolarizada: o habitus no processo de estruturação do campo social da escola | Apresentou estudos no campo do sistema de ensino como fator social e cultural. Abordou também a questão de habitus como herança cultural |
Faria e Pinto (2009) | Habitus e composição dos capitais cultural, econômico e Social como fatores explicativos da constituição das expectativas e práticas de formação e trabalho de alunos de uma Escola Pública Estadual | Analisou-se as expectativas com relação a formação e trabalho relacionando o trabalho a formação humana no trajeto escolar e profissional |
Penna (2012) | Origem Social de Professores e aspectos da prática docente | Analisou o conceito de habitus familiar de professores que ministram aulas nas primeiras séries do ensino fundamental em escolas públicas |
Penna e Marin (2019) | Trajetória social, habitus e engajamento no trabalho escolar | Analisou os trabalhos executados pelo diretor e coordenador de duas escolas e a relação com os outros membros da equipe gestora e a comunidade escolar |
Fonte: Elaborado pelo autor
A despeito da amplitude de estudos relacionados a aprendizagem, fracasso ou sucesso escolar, os artigos selecionados mostram que o conceito de capital cultural está diretamente ligado ao sucesso ou fracasso na aprendizagem dos estudantes e que a gestão escolar está intimamente ligada na evolução desse capital. A escola reproduz as desigualdades sociais praticando a chamada violência simbólica estabelecendo como correta a cultura de classes dominantes[9].
Pierre Bourdieu explica as relações de poderes dominantes relacionadas ao conceito de capital cultural expressando a necessidade de compreender as formas com que os sujeitos exercem sua cultura nos espaços escolares, pois considera a escola como um espaço reprodutor de desigualdades sociais. Um dos fatores para essa afirmação é a pedagogia tradicional da escola que utiliza seu poder para impor um julgamento cultural, sujeitados aos interesses das classes dominantes[9]. A famílias pobres são as maiores vítimas do fracasso escolar, e esse fato ocorre não por incapacidade de aprender, mas está relacionado diretamente ao modo de funcionamento da escola que não favorece a permanência e a valorização dessas camadas nos bancos escolares[6].
Sobre a teoria de Bourdieu, Petroski[9] ressalta que, o dom individual perde forças de forma que o sucesso escolar depende de fatores externos ao indivíduo principalmente no que se refere a cultura. Classifica também a cultura dominante como privilegiada na educação e que o sucesso escolar é dependente de capital cultural, capital social e capital econômico, destacando o capital cultural como o de maior relevância no processo escolar. Nesta perfectiva, as instituições escolares tem reproduzido a cultura das classes dominantes, sustentando a teoria de ser a cultura correta. Com isso, garantiriam que o bem simbólico se mantenha entre pequenos grupos.
O sujeito precisa ter acesso aos bens culturais e se apropriar desses valores. Somente com isso, as instituições escolares poderão fazer análises e/ou avaliações com mais justiça. A Classe trabalhadora possui maior interesse pelos cursos ofertados no período noturno, com isso são inúmeras as dificuldades encontradas por esses estudantes, que buscam melhorar sua condição de vida através de cursos superior. Dentre as dificuldades para se manter na universidade pode-se destacar a desvalorização de seu capital cultural, pois não podem se dedicar tanto pelo fato de terem que trabalhar durante o dia e estudar a noite[9]. O sujeito é definido por uma herança econômica e cultural, e essa herança inclui atributos exteriores ao individuo e que podem caracterizar seu sucesso escolar. Nesse sentido Bourdieu aponta que a escola não é um espaço neutro e, sim, de transferências de capitais[10].
Diante deste cenário, Carvalho Filho[11] faz um comparativo entre as duas obras, sendo elas: “A barreira e o nível: estudo sociológico sobre a burguesia francesa moderna” (1925), de Edmond Globot e, “A Distinção: crítica social do julgamento” (1979), de Pierre Bourdieu. As duas obras foram de grande contribuição no que se refere a relação das classes sociais associadas com a escola e a cultura, sendo a obra de Bourdieu a que mais contribuiu e tem contribuído. O conjunto das obras de Bourdieu de uma forma geral tem contribuído para investigar a escola, assim como o sistema escolar brasileiro, com sua tese sobre a sociologia da educação[11].
Mesmo com todos os programas criados com o objetivo de ampliar o acesso a Universidades pelas camadas mais populares, essa meta não tem ocorrido de acordo com o esperado, de modo que as adversidades nesse processo são muitas[12]. As camadas mais populares só tiveram acesso ao ensino no Brasil após a constituição cidadã, resultante de lutas por direitos à cidadania. A educação passa também a ser um direito e com a educação superior não foi diferente. É importante que se tenha conhecimento das expectativas dos discentes, o modo que eles se veem, assim como o tipo de ação utilizado para que suas metas sejam alcançadas no que se refere a sua admissão na universidade. Nesse sentido é fundamental que a escola atue como apoiadora para os anseios dos estudantes em seu futuro[12].
Souza[12] afirma que a Universidade aparece como uma possibilidade de futuro para os estudantes, porém há a necessidade imediata em ser inserido no mercado de trabalho. Esse fato pode ser explicado pelas condições sociais/econômicas que estes estudantes vivenciam em seu cotidiano, acarretando muitas vezes em seu ingresso posterior a Universidade e/ou juntamento com o trabalho. É importante destacar também a influência externa no que diz respeito a continuidade nos estudos, e a influência que a família produz para o processo escolar. Fazendo uma análise entre a educação familiar e a educação escolar, pode-se dizer que a efetividade e a extensão são totalmente dependentes da origem social, modificando conforme o nível das distintas práticas culturais utilizadas pelo sistema escolar, incluindo também a influência da origem social[4].
Ainda se tem visto uma escola que se omite em discutir sobre as expectativas de seus estudantes para o futuro, pois as interações sociais eaprendizados para um futuro em sociedade, são processos que também fazem parte da escola. O espaço da escola é de fato um lugar de aprendizagem para a vida e precisa ser vista como um local para tratar os anseios e expectativas desses jovens para seu futuro. Necessita de uma mudança para que possa ser local orientador e ampliador na construção de metas[12].
Entretanto ainda sobre o percurso do estudante do ensino médio até a universidade, se faz necessário contribuir para que os discentes possam ter a continuidade em seu percurso estudantil, para que aconteça uma democratização do ensino superior. Como resultado da pesquisa os estudantes apontam que a escola deveria ser local onde fosse apresentada a universidade como acessível, que discuta sobre os princípios de ingresso e permanência no ensino superior, trazendo grandes impactos no percurso dos estudantes e estreitando a relação da escola pública e a universidade[12].
As relações entre educação e rendimentos, bem como outros fatores que indicam classe social no Brasil, evidenciam que os resultados de escolarização relacionam-se com a posição social do sujeito[13]. O estudo de Coradini[13] baseou-se nos objetivos gerais que abrangem conteúdos distintos e complexos no que se refere as relações entre escolarização, rendimentos e posição social, bem como nos modelos de dados que estão disponíveis. Para Bourdieu[14], classe social é uma teoria funcional capaz de esclarecer teoricamente a formação e que possui relação para uma possibilidade em atuar de algumas maneiras em determinados casos. No entanto elas só passam a existir no espaço teórico, o conceito aponta apenas para possibilidades podendo serem confirmadas ou não.
Ainda na perspetiva de Coradini[13], com relação as pesquisas realizadas é possível observar que há uma variável entre o montante de rendimentos e tempo de estudos. Entretanto, os motivos que interferem nos diferentes resultados da escolarização precisam ser examinadas nas diferenças de condições e nos investimentos feitos para escolarização conforme a condição social. A problemática entre a escolarização e os rendimentos se divergem em razão da posição social. Supostamente a importância da escolarização de títulos escolares são vinculados as classes sociais.
As avaliações são combinações de métodos que tendem a observar o aluno com consentimentos para tal prática normativa, ou seja, é um controle sobre o aluno convencional, permitindo qualificar, classificar ou punir. Estabelece ao aluno um foco no qual seja visibilizado pelo que são diferenciados[15]. Souza e Siva[16] destacam a importância de haver discussões acerca das práticas pedagógicas avaliativas. Fazem também um apontamento sobre a importância de pensar o processo avaliativo de outras maneiras.
Idelbrando[17] faz uma reflexão com o propósito de contribuir com a comunidade educacional, tanto sobre os conceitos de professores e gestores de uma escola publica na periferia da cidade de São Paulo, bem como as relações práticas de concepção de conhecimento de seus estudantes. A escola seria rotulada como uma instituição imutável que não está suscetível a mudanças, porém não é bem assim. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [LDB] nº 9394[18], dispõe em seu Art. 14, incisos I e II que “Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: participação das comunidades escolares ou equivalentes”. De um modo geral as instituições escolares seguem essas orientações se contendo em tais determinações para que a Lei seja cumprida, o provável é que anterior a isso não haja nenhum tipo de reflexão e discussão no que se refere a democracia. Considerando que a escola do estudo de Idelbrando[17] está em processo de democratização, é evidente que ainda há muitas que se encontram regidas por processos tradicionalistas. A escola se reinventou nos conhecimentos previamente trazidos pelos estudantes, a partir de suas vivências, requerendo de toda a escola enfrentar e superar uma diversidade de obstáculos e contradições. Essa promoveu aos docentes da instituição uma condição diferenciada, a condição de personagem de criação.
Com relação ao acesso e permanecia de estudantes na educação superior, Maciel et al.[19] relatam que essa temática esta profundamente ligada ao processo de escolarização, ou seja, é determinado pela ampliação de capitais já na educação básica. O sucesso na trajetória escolar dos estudantes do colégio em questão se deve ao fato da instituição procurar acrescentar múltiplos fatores que contribuem para que os estudantes tenham um percurso de êxito na universidade. O primeiro diferencial que a instituição possui é o fato de haver uma gestão conservadora e cuidadosa no que diz respeito as regras. O segundo diferencial é a questão da valorização e preocupação com o estudante abrangendo o acompanhamento de seu desempenho bem como suas dificuldades, tanto pedagógicas quanto psicossociais. É importante destacar que todas essas práticas possuem o envolvimento familiar. O terceiro ponto destacado, por se tratar de uma escola pautada na meritocracia, é o ato de incentivar o aluno, fazendo com que haja resultados satisfatórios[19]. O capital cultural é uma herança imensamente importante na vida de uma pessoa, pois é a ele atribuído como influenciador no percurso escolar do aluno. Com a ampliação do capital cultural as chances de sucesso escolar serão maiores[20]. Neste sentido Maciel et al[19] mostram que a instituição tem por objetivo valorizar os princípios da disciplina e da responsabilidade, valorizam seus estudantes destacando seus capitais simbólicos e favorecendo seu capital social.
Faria e Silva[21] analisaram, baseados em Bourdieu, estudantes do ensino médio de uma escola pública quanto ao estudo e ao trabalho. Com isso buscaram compreender de que maneira são construídas as expectativas tanto para a formação quanto para o trabalho dos futuros egressos do ensino médio. Desse modo é impossível deixar de constatar as influências do capital cultural, econômico, social e pelo habitus na trajetória desses estudantes. O conceito de habitus manifestou-se da necessidade de compreender as relações de comportamentos. A teoria foi sistematizada por Bourdieu inicialmente com pesquisas realizadas na Argélia entre agricultores comuns[22], [23]. Acontece que quando os costumes culturais de alguma forma fazem parte do cotidiano familiar, esta prática cultural e as linguagens dominantes começam a ser parte integradoras daquela criança. Bourdieu[24] aponta que essa herança cultural são bens simbólicos apontados pela sociedade como bens que devem ser alcançados e possuídos.
Quanto ao capital cultural dos estudantes do estudo de Faria e Silva[21] constatou-se que a maioria possuia um capital cultural e escolaridade mais elevados do que seus pais. Perceberam também que os estudantes do período matutino detinham um capital cultural maior em relação aos estudantes do período noturno, com isso é possível evidenciar uma consequência do capital econômico/social. Com relação ao contexto de vida dos estudantes, as pesquisas mostram que o fator trabalho parece ser algo já determinado em suas mentes, a qualificação seria uma porta para o mercado de trabalho. Os estudos como uma satisfação pessoal vêm em segundo plano.
Penna[25] realizou entrevistas com professoras de primeiras séries em escolas públicas, com intuito de contribuir e compreender as práticas pedagógicas dos professores em seu cotidiano, assim como os pensamentos que possuem em relação aos alunos. Diante disso é importante destacar o conceito de habitus dos professores e de suas famílias relacionando essa teoria com suas práticas pedagógicas docentes. A docência é vista pelas professoras como a conquista de um sonho, ou até mesmo de uma vocação. No entanto surgiu como meio de evolução social, pois ao se tornarem docentes houve a possibilidade da ascensão e manutenção sociais em relação a suas famílias, permitindo elevação de capital econômico e também do capital cultural.
Em sua pesquisa Penna[25] pode apontar pontos importantes dos quais caracterizam uma similaridade na origem familiar das entrevistadas das quais se constitui como habitus, uma vez que buscaram compo-lo para o desempenho da docência, sendo expressados em referência a cultural escolar. Um futuro mais promissor para esas famílias estava diretamente ligado a continuidade aos estudos, com a perspectiva de alcançar trabalhos melhor remunerados e tendo um futuro mais promissor.
Na teoria proposta por Bourdieu o conceito de campo é representado por um espaço simbólico, onde lutas dos sujeitos comprovam e legitimam representações, ou seja, possibilita investigar da maneira que os agentes se posicionam[4]. O espaço educacional é definido pelos símbolos do conhecimento e construção de mundo. Nesse pensamento, Penna e Marin[7] consideram a teoria do capital cultural de Bourdieu, no que se refere ao poder do conhecimento, legítimo como elemento que justifica a posse do capital cultural que é construído e/ou adquirido durante toda a vida. Ainda apontam que no campo da gestão o capital simbólico político é de extrema importância para as premissas referentes às diversas funções associadas aos relacionamentos sociais.
Sobre a prática da função do gestor fica evidente duas formas de gestão e condução organizacional dos trabalhos escolares que são expressadas pelas diferenças de relação reproduzidas por condutas de dominação distintas, visto que os sujeitos eram motivados por princípios que referem a suas trajetórias[7]. A coordenadora se move no campo educacional com funções pedagógicas próprias, porém com pouco capital cultural e experiência insuficiente no campo. Como resultado precisa sempre estar provando para si mesma e para os demais sua competência no trabalho que desempenha, evidenciando habitus de formas tradicionais para conduzir seus trabalhos no campo pedagógico. Já o diretor apresenta traços da dominação burocrática alinhado com sua dominação carismática, por possuir elevado capital cultural, social e político, resultantes de sua trajetória incluindo uma vasta experiência no campo educacional. É uma figura dominante no campo em que atua, manifesta habitus com uma postura equilibrada com relação aos trabalhos escolares, apoia os trabalhos pedagógicos trabalhando com as famílias.
Os respetivos artigos analisados aqui, mostram pesquisas importantes para se entender o papel do gestor no sucesso e/ou fracasso escolar dos alunos. Entende-se a partir deles que o agente deve transpassar seu campo de trabalho burocrático para o campo pedagógico. Essa atitude pode gerar coletividade entre os pares, contribuir também para o apoio ao corpo docente e colaborar de forma efetiva na trajetória do aluno no campo educacional, auxiliando enfim, para que o capital cultural dos estudantes seja ampliado diminuindo as trajetórias de fracassos escolares (Figura 2).
Figura 2. O papel do gestor no sucesso e/ou fracasso escolar de seus alunos ao transpor os campos de trabalho burocrático e pedagógico
Fonte: Elaborado pelo autor
Portanto, no processo de escolarização pode-se observar o conceito de capital cultural e habitus em virtude da importância que possui não só para a trajetória educacional do aluno, mas também para a vida. A escola possui um papel de fundamental importância no cotidiano do aluno, observando sua competência de espaço de produção e de reprodução da cultura. No entanto, muitas vezes, estas instituições têm agido como local de favorecimento a classe dominante, contribuindo com isso para o fracasso escolar da classe menos favorecida, ou seja, aqueles que chegam à escola com o capital cultural raso. Com isso é importante salientar que o papel do gestor é fundamental para que esses exemplos de condutas e políticas sejam extintos do ambiente escolar. É importante que o gestor tenha uma visão ampla e que não se atente apenas aos trabalhos burocráticos que permeiam o campo da gestão. Além disso, entender que ultrapassar os limites do campo pedagógico, estando sempre um passo à frente, colaboraria para que toda a comunidades escolar torne-se engajada em buscar formas de ampliar o capital cultural de seus alunos, com isso proporcionaria mecanismos para o sucesso escolar desses estudantes.
Referências
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[2] Bourdieu P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco zero; 1983.
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[10] Nogueira C.M.M; Nogueira M.A. 2002. Sociologia da educação de Pierre Bourdieu: Limites e contribuições. Educ. Soc. 2002; 23(78): 15-36.
[11] Carvalho Filho J.L. Pierre Bourdieu, Edmond Globot e a educação burguesa. Pesq. Soc. 2015; 14(31): 180-199.
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[14] Bourdieu P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. Educ. Rev. 1989; (10): 3-15
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[20] Bourdieu P. O capital social: notas provisórias. In: Nogueira M.A.; Catani A. (Org). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes; 1998.
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[24] Bourdieu, P. A economia das trocas simbólicas. Miceli S. (Org.). São Paulo: Perspectiva; 2013. 361 p.
[25] Penna G.O. Origem social de professores e aspectos da prática docente. Educação. 2012; 35(2): 199-207.
Como citar
Guizo J.C.; Lopes T.G.G. Diversidade de capital cultural: relação entre cultura e conhecimento. Revista E&S. 2023; 4: e20230003.
Sobre os autores
Josilaine Caetano Guizo, Especialista em Gestão Escolar, Piracicaba, SP, Brasil.
Tatiana Gisele Guimarães Lopes, Doutora em Ciências, Especialista em Psicopedagogia, Piracicaba, SP, Brasil.
Link para download: https://revistaes.com.br/wp-content/uploads/2023/01/ES_23003.pdf