O risco criativo e a quebra de padrões na comunicação de marcas
30 de maio de 2025
3 min de leitura
A criatividade e a autenticidade podem funcionar como alavancas de posicionamento institucional

O que torna uma campanha publicitária realmente marcante em um cenário saturado por discursos padronizados e formatos previsíveis? A resposta pode estar na capacidade da marca de assumir riscos criativos e romper com expectativas estabelecidas, numa proposta de ousadia e quebra do óbvio.
Recentemente, uma grande marca de produtos capilares lançou uma campanha protagonizada por duas figuras públicas brasileiras de grande relevância, uma cantora aclamada no cenário da música popular brasileira e uma famosa apresentadora de televisão, reconhecidas por estilos completamente distintos de estética e personalidade. Enquanto uma representa uma imagem mais alinhada, especialmente com relação ao cabelo, a outra é marcada por sua autenticidade, identidade cultural e visual natural.
O momento de maior repercussão foi uma fala da cantora: “Não vou usar”, referindo-se ao produto de combate ao frizz capilar protagonista da campanha. A frase foi dita em um contexto muito leve, numa conversa espontânea e divertida entre as estrelas da campanha. Essa frase, aparentemente contrária à lógica da publicidade, foi um dos momentos mais comentados. A ação reunia uma série de vídeos que reproduziam essas conversas entre as duas. E justamente por isso se tornou viral, gerando debates nas redes sociais, ampla visibilidade orgânica e engajamento espontâneo.
Essa decisão da marca ilustra com precisão o conceito de risco criativo, uma escolha deliberada de sair da narrativa controlada para apostar em autenticidade e verdade. Aliás, verdade foi um conceito que também eclodiu na campanha, em um dos diálogos quando a apresentadora indaga a cantora, questionando como iriam gravar a campanha se ela afirmava que não usaria o produto. A cantora, livremente, responde: “Com a verdade. Eu com a minha e você com a sua”. Ao permitir que uma das protagonistas fosse honesta e não utilizasse o produto anunciado, a empresa estabeleceu uma nova forma de conexão com o público, baseada em respeito à diversidade e liberdade de escolha.
Durante anos, vimos personalidades midiáticas modificarem seu visual para se adequar ao padrão estético exigido por campanhas publicitárias. Dessa vez, foi diferente. A marca optou por valorizar a identidade original de cada figura envolvida. E o resultado foi poderoso: em vez de vender um produto, comunicou um posicionamento.
Com essa ação, a empresa não apenas se destacou pela criatividade, mas pela coragem de desafiar o modelo tradicional de persuasão. Em vez de prometer resultados universais, ela entregou liberdade. Em vez de reforçar padrões, ela ofereceu alternativas. E isso, no ambiente digital atual, representa um capital simbólico de alto valor. Em um momento em que outras marcas estão buscando desconstruir padrões como, por exemplo, retirar das embalagens de xampu a expressão “para cabelos normais”. Isso reflete também uma necessidade de mercado, afinal de contas o público consumidor não é feito somente de pessoas com cabelos lisos e alinhados, corpos magros e silhuetas definidas.
Do ponto de vista estratégico, essa escolha se traduziu em milhares de interações em poucas horas, alcance ampliado por compartilhamentos espontâneos e associações positivas à marca. Mas os números são apenas uma parte do impacto. O verdadeiro diferencial foi colocar a autenticidade no centro da narrativa. Vivemos uma era em que já não se aceita uma comunicação padronizada, impositiva e que dita aquilo que devemos fazer. Consumidores são pessoas únicas e não há mais como fazer com que esses consumidores se adequem aos produtos. A lógica é o contrário: são as marcas que precisam criar produtos e serviços que atendam às diferentes necessidades das pessoas.
Esse tipo de campanha sinaliza uma forte mudança de era na comunicação: a migração de uma publicidade baseada em manipulação estética para uma baseada em escuta, contexto e verdade. E mais: indica que a criatividade pode e deve ser uma alavanca de posicionamento institucional.
Ao incorporar discursos plurais, linguagens acessíveis e representações reais, as marcas constroem vínculos mais duradouros e atingem aquilo que é real, estão falando da vida das pessoas e não necessariamente do produto. Elas deixam de ser apenas emissoras de mensagem e passam a ser agentes culturais com responsabilidade social e simbólica.
No cenário atual, com consumidores mais críticos e redes sociais amplificando vozes, é essencial que as marcas compreendam que engajamento real não vem da promessa perfeita, mas da coerência entre discurso e prática. E isso se aplica à criação, desenvolvimento e inovação de produtos.
Agora, resta a pergunta: será que o mercado está realmente pronto para o risco criativo? Ou ainda seguiremos presos à ideia de que comunicar é convencer, quando, na verdade, comunicar é construir relação, olhando para as diferenças e entendendo que pessoas precisam de representatividade?
O futuro da comunicação passa por escolhas corajosas. E as marcas que souberem se posicionar com verdade, mesmo quando isso parecer arriscado, serão aquelas que permanecerão vivas na memória do público e, consequentemente, atrairão os consumidores para seus produtos e serviços.