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Coluna

Desafios da reprodução humorística na tradução para legendagem

26 de junho de 2025

7 min de leitura

Trabalho do tradutor demanda elevado grau de sensibilidade cultural e criatividade, além da competência linguística

O papel do tradutor para legendas não é — e não deve ser — apenas traduzir literalmente seu conteúdo. É necessário que ele leve em consideração o aspecto cultural, juntamente com o objetivo principal da obra, ou seja, sua essência original transmitida de forma autêntica.

Se a obra for do gênero de humor, entra em cena a tradução humorística, um braço da tradução que vem sendo estudado e explorado por pesquisadores da área, os quais ainda tentam entender sua complexidade e dificuldade.

Para Liberatti (2011), a tradução humorística apresenta características qualitativas distintas em relação a outros tipos de tradução, e a complexidade em definir o conceito de humor pode acabar desestimulando pesquisas nesse campo. No caso da legendagem, a tradução humorística é proveniente do humor verbalizado, uma vez que, de acordo com Monteiro (2017), é nele que se utilizam os jogos de palavras, que dependem completamente da linguagem utilizada para a produção do humor.

Além de refletir elementos característicos de uma cultura específica, uma obra de humor exige que sua mensagem seja transmitida simultaneamente em dois aspectos: o conteúdo semântico e o efeito cômico. Nesse contexto, o trabalho do tradutor se revela especialmente desafiador, demandando não apenas competência linguística, mas também um elevado grau de sensibilidade cultural e criatividade.

Para demonstrar casos de desafios na tradução humorística em legendagem, este artigo analisará alguns exemplos práticos. Os primeiros três são trechos da sitcom americana “Friends”, uma das séries de comédia mais prestigiadas da TV. Em resumo, “Friends” retrata divertidamente a vida, os perrengues e as aventuras de seis amigos de Nova York. A transcrição e a legenda apresentadas nos quadros abaixo foram feitas a partir da plataforma de streaming Netflix.

Áudio Original (inglês)Legenda (português brasileiro)
Phoebe: I… I have the pox.
Ryan: Chicken or small?
Phoebe: Chicken, which is so ironic, considering I’m a vegetarian.
Phoebe: Peguei catapora.
Ryan: Não é intoxicação?
Phoebe: Imagine. Justo eu que só como comida natural.

No primeiro trecho, analisa-se o termo em inglês pox, que geralmente é antecedido por um adjetivo para se referir a algumas doenças (como smallpox ou chickenpox). Isoladamente, a palavra pox não tem tradução literal precisa para o português.

Nesse caso, quando a personagem diz que está com pox, Ryan imediatamente pergunta se é chickenpox ou smallpox, que podem ser traduzidas respectivamente por “catapora” e “varíola”. Como chicken é a palavra para “frango” em inglês, a personagem Phoebe responde a Ryan fazendo uma ironia com o fato de ser vegetariana e mesmo assim ter pegado chickenpox.

Como podemos ver na coluna da direita, o tradutor da legenda para o português optou por fazer uma adaptação, que aproximou o texto o máximo possível do sentido que foi dado na língua de origem. Pode-se dizer que, de certa forma, o sentido cômico foi preservado: ao utilizar o termo “intoxicação” na fala de Ryan, o tradutor abriu espaço para a menção à comida natural na resposta de Phoebe, em vez de usar o fato de ela ser vegetariana. Porém, o efeito cômico ainda é mais forte no idioma original.

Em outro episódio, a personagem Phoebe apresenta o novo namorado, Robert, aos amigos Joey, Chandler e Ross. Robert aparece sempre vestindo uma bermuda esportiva. Ao se sentar no sofá de pernas abertas, Robert fica com as partes íntimas à mostra através da bermuda, e Joey, Chandler e Ross enxergam tudo. Em seguida, Robert se levanta do sofá da cafeteria e sai de cena. Phoebe chega logo em seguida e se senta ao lado dos amigos, os quais estão às gargalhadas pela situação constrangedora. Phoebe pergunta o motivo.

Áudio Original (inglês)Legenda (português brasileiro)
Phoebe: What is going on? Do you not like Robert? Why are you laughing?
Ross: Calm down. There’s no reason to get testy.
Phoebe: O que está havendo? Não gostaram do Robert? Por que estão rindo?
Ross: Calma. Você não tem por que ficar pau.

Pode-se traduzir literalmente a expressão get testy por “ficar irritado”. Porém, aqui o personagem Ross utiliza as palavras de forma sarcástica, fazendo um trocadilho com a palavra “testes” do inglês, que significa “testículos”, o que dá o sentido humorístico da fala.

Na legenda, o tradutor faz uma adaptação da expressão, fazendo menção diretamente ao órgão sexual masculino na gíria brasileira, mas que acaba não funcionando da mesma forma, tanto no significado quanto no contexto de humor. Isso porque a expressão “ficar pau” basicamente soa estranho e não é utilizada por falantes brasileiros. Portanto, neste caso, a tradução não foi bem-sucedida no sentido de transmissão do fator humorístico.

Uma dentre várias sugestões apropriadas para este caso seria traduzir a fala de Ross por: “Calma. Não fique de saco cheio.” Assim, a mensagem seria plenamente transmitida, além de manter o fator humorístico sem perder o contexto original.

Já em outro episódio, Phoebe apresenta ao pessoal seu amigo Don, que ela acredita ser a alma gêmea de Monica. Monica e Don acabam conversando na cafeteria e percebem que possuem muito em comum. Um dos temas da conversa foram os queijos, já que ambos trabalham no ramo da culinária. Chandler, que é casado com Monica, não gosta da situação e fica com ciúmes de Don. Ao chegarem a seu apartamento, Monica percebe que Chandler está agindo de forma estranha e resolve perguntar se tem algo errado.

Áudio Original (inglês)Legenda (português brasileiro)
Monica: Are you okay? You’ve been acting weird all afternoon.
Chandler: Yeah, fine, fine. Not perfect! But good enough.
Monica: Jeez, what is with you?
Chandler: I’m sorry. Did you say “cheese”?
Monica: Você está bem? Está estranho.
Chandler: Sim. Ótimo. Não sou perfeito. Mas sou bom o bastante.
Monica: Quer um beijo?
Chandler: Desculpe, você disse “queijo”?

Nesse caso, fica claro que o fator de humor é a rima proposital entre jeez e cheese, sendo esta última utilizada ironicamente pelo personagem Chandler como referência a Don.

Na legenda, o tradutor fez uma adaptação considerada adequada, uma vez que a fala de Chandler deve manter a tradução de cheese por “queijo” para que a cena faça sentido por conta de seu ciúme. Para isso, o tradutor adaptou a fala da personagem Monica incluindo a palavra “beijo” para que a rima funcionasse, ao mesmo tempo mantendo o sentido do diálogo. Com isso, tanto o sentido quanto o humor foram preservados com êxito na legenda.

Agora, analisando um comercial americano da famosa marca de chocolate M&M’s, temos uma breve conversa entre dois M&M’s, o Amarelo e o Vermelho. Contextualizando a cena, o Amarelo está falando de frente para um ventilador ligado, e o seguinte diálogo acontece (transcrito no idioma original):

Áudio Original (inglês)
Amarelo (de frente para o ventilador): Crispy M&M’s are back!
Vermelho: What are you doing?
Amarelo: You said to tell our fans Crispy M&M’s are back.
Vermelho: Not those fans!
Amarelo (se abanando com um leque): Did you mean this fan?
Vermelho: No!
Amarelo (apontando para um ventilador de teto): What about that one? There’s a fan in the break room.

Aqui encontramos um desafio muito grande em traduzir este comercial para o português apenas pelo fato de manter o sentido humorístico. Em resumo, a palavra fan em inglês pode ter dois significados: “ventilador” e “fã”. Portanto, o Amarelo acredita estar falando para todos os “fãs” (neste caso, para um ventilador) que os M&M’s Crispy estão de volta. Depois, ele também faz referência a um leque e um ventilador de teto.

Se traduzíssemos literalmente, teríamos a terceira fala do diálogo mais ou menos dessa forma: “Você disse para contar para nossos fãs que os M&M’s Crispy estão de volta.” Dessa forma, não faria sentido algum em português o Amarelo falar isso de frente para um ventilador, se abanando com um leque ou apontando para um ventilador de teto. O comercial perderia, então, o sentido e a graça.

Na tradução, realizada pela startup de legendagem Skylar, o profissional traduziu o comercial da seguinte forma:

Tradução (português brasileiro)
Amarelo (de frente para o ventilador): Os M&M’s Crispy estão de volta!
Vermelho: O que está fazendo?
Amarelo: Você disse para falar aos quatro ventos que os M&M’s Crispy estão de volta.
Vermelho: Não esse vento!
Amarelo (se abanando com um leque): Então este?
Vermelho: Não!
Amarelo (apontando para um ventilador de teto): E aquele ali? Tem um ventilador na sala de descanso.

Neste caso, a modalidade de tradução utilizada foi uma equivalência, pois o tradutor optou por uma expressão idiomática muito popular utilizada no português brasileiro (“falar aos quatro ventos”), que se encaixou corretamente no sentido do trecho em questão, mantendo tanto o significado quanto o humor.

A partir dos exemplos analisados, e devido à presença de expressões consideradas complexas e que dão efeito humorístico a uma cena, é possível perceber que a tradução de obras do gênero cômico deve receber uma atenção especial, não sendo uma tarefa simples para o profissional de tradução.

Nesse caso, somente a fluência nos idiomas de origem e destino não é suficiente. Torna-se essencial que o tradutor audiovisual, especificamente do gênero cômico, use sua criatividade para adequar as traduções, a fim de que possa transmitir a mensagem da língua de origem para a língua de destino, indispensavelmente carregando consigo o fator cômico.

Não existem termos literais e próprios para cada tradução, nem uma modalidade apropriada para traduzir textos do gênero. Tampouco existem traduções idênticas, ou seja, uma pessoa não traduz da mesma maneira que a outra. Tudo vai depender do contexto em que a expressão se situa para fins humorísticos, e o tradutor deve tomar decisões e fazer adequações que cumpram com o objetivo principal da obra. As decisões a serem tomadas pelo tradutor podem provir de seu instinto, da criatividade e de seu discernimento.

No fim das contas, traduzir bem é muito mais do que dominar dois idiomas. O tradutor precisa ter uma bagagem cultural robusta, e a leitura constante é uma ferramenta fundamental para interpretar contextos, propor soluções criativas e turbinar a criatividade com muitas referências, independentemente do gênero da obra. No caso da tradução humorística, quanto mais referências o tradutor acumula, mais ele amplia seu conhecimento e, assim, sua habilidade de recriar o humor de forma autêntica.

Este conteúdo foi produzido por:

Leticia Contini

LinkedIn

Gerente de projetos e tradutora da Skylar, atua no ramo da legendagem desde 2020. Pós-graduada em tradução. É entusiasta da tradução audiovisual acessível e, atualmente, exerce a função nos idiomas espanhol, inglês e português.

Autor

Foto do Colunista

Skylar

"Startup" de tecnologia e legendagem que faz parte das iniciativas do Pecege, utiliza inteligência artificial e técnicas linguísticas para fazer legendagem em tempo real. Atuante nas áreas de educação, eventos, agronegócio, tecnologia, saúde, entretenimento e esportes, entre outras. Acesse o site!

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